Um disco indispensável - Ronaldo Foi Pra Guerra - Lobão & Os Ronaldos (RCA Victor, 1984)

A estreia solo de Lobão não foi um verdadeiro estouro definitivo após o lançamento do disco Cena de Cinema, gravado como uma demotape em 1981 e só sairia da gaveta no ano seguinte, enquanto ele fazia parte bateria da banda Blitz, na qual fez parte também Evandro Mesquita, Ricardo Barreto e Fernanda Abreu, membros da trupe mais festiva do rock nacional, que fizeram do sucesso Você Não Soube Me Amar, do LP de estreia As Aventuras da Blitz, um estouro nacional, do qual Lobão foi testemunha. Lobão tinha um projeto solo registrado e isso fez com que ele deixasse a gravadora EMI (hoje pertencente à Universal Music) e a banda ao mesmo tempo, após ter posado para fotos e ter feito uma matéria com a banda para a revista IstoÉ "Fiz a matéria e as fotos e no dia seguinte eu fui atrás da RCA por um contrato e com a fita do Cena de Cinema na mão e em vinte minutos com o executivo na sala dele, eu já estava de contrato na mão", relembra o rockstar. "Mas após ter gravado umas coisas para algo da Globo, o Guto Graça Mello me sugeriu que eu colocasse uma música minha em uma novela. Até aí tudo bem, mas se não fosse pela passagem no prédio da gravadora , na tentativa de resolver isso com o cara da divulgação, que não dando atenção sobre a proposta sugerida, ficou puto dizendo que não era bem assim." e de uma discussão, veio o escândalo de Lobão invadir a sala do diretor artístico e fazer bagunça na sala e deixar a equipe alucinada "No comecinho de 1983, recebi uma ligação para ir ao prédio da RCA após o anúncio da direção de que iria ficar na geladeira. Quando cheguei, vi que a matriz da RCA anunciou a demissão da diretoria direto de Nova York, peguei uma cadeira e ri daqueles bundões tirando suas coisas", e é quando entra um novo time na gravadora: Manolo Camero, Miguel Plopschi e a dupla de compositores Michael Sullivan e Paulo Massadas, que trazeriam sucessos para nomes da MPB, do samba e do romântico (brega, popular) e após a RCA ter retirado Cena de Cinema das lojas bem antes do Natal, algumas prensagens foram colocadas nas lojas de volta em 1983 (isso porque Manolo e Plopschi queriam aproveitar o sucesso de Lobão com o público) e nesse ano, Lobão se junta ao velho amigo Guto Barros, que já perambularam juntos em grupos como o Nádegas Devagar, criado nos tempos de adolescência nos anos 70, e também com Marina Lima no começo da década de 1980, quando surgiu a Blitz "Fiquei na Blitz ali com o Lobão, o Ricardo Barreto, o Evandro (Mesquita) e o Zé Luiz, além do Arnaldo Brandão. Aconteceu uns problemas e voltei para Boston e retornei aqui em janeiro de 1983.",relembra Barros, que junto de um amigo chamado Odeid Pomeranblum e do irmão Baster Barros, criaram o núcleo chamado Os Ronaldos, liderados por Lobão e após a demissão da antiga diretoria, o grupo seria uma verdadeira aposta da RCA que ainda estava sendo estudada por Plopschi e Camero. Muitas coisas foram compostas, e entre idas e vindas sobre as músicas e o disco, Alice Pink Pank, integrante da Gang 90 & As Absurdettes, da qual também fazia parte seu ex namorado Júlio Barroso, amigo de Lobão, entrara para a "ronaldagem" como vocalista de apoio e tecladista "Alice estava dividida entre nós os Ronaldos e a Gang 90" dissera Lobão sobre a época em que Alice esteve por duas bandas em 1983.
O disco começou as suas gravações no início de 1984, após alguns problemas e shows, Lobão conseguiu se juntar com a empresária Leninha Brandão, que bancaria a produção do disco, ao lado de Guti na direção de produção e Lobão e Os Ronaldos fazendo sua parte, o disco tinha ares de new-wave, o estilo da época, com levadas do punk rock e algumas coisas do gótico (ou pós-punk) e ska, ritmo jamaicano que surgiu nos anos 1950 e 1960 e reapareceu no começo dos anos 1980 como uma das referências para a new-wave e para o som que muitas bandas sonhavam em fazer, e o disco ainda com uma ajudinha de Júlio Barroso, que se suicidou antes do lançamento do disco, mas viu que de algumas parcerias, sairia um disco de enorme repercussão "Após o lançamento, veio um monte de shows pra fazer, a gente se cansou muito mais em 1983 porque estávamos querendo preparar logo o disco e foi quando o Manolo (Camero) e o Miguel Plopschi avisaram que no começo de 1984 os estúdios da RCA no Rio estavam disponíveis", relembra Lobão sobre as gravações, que começaram após um ano buscando ideias e compondo "Muita coisa surgiu durante os shows em 1983, sempre apresentávamos coisas novas enquanto tocávamos algumas coisas do Cena de Cinema (primeiro disco de Lobão) nos shows", afirmou Guto Barros, que acabou fazendo parte da trupe Os Ronaldos, que só durou um LP e gravaram dois compactos, um após a saída de Lobão em 1985, que marcou o fim do grupo.
O líder da Gang 90 & As Absurdettes, Júlio Barroso (1953-1984),
amigo de Lobão, compôs "Corações Psicodélicos" junto dele.
O disco foi lançado antes da sua morte, em julho.
Os temas do disco acabam marcando um pouco o que foi musicalmente a geração 80, de um pop bem mais original e também com uma linguagem humorística, que bradava em anos de ditadura militar no Brasil, uma prova disto é Corações Psicodélicos, tema composto por Lobão e Bernardo Vilhena e também com Júlio Barroso, líder da Gang 90 & As Absurdettes, parceria esta que marcou a amizade de Lobão e Barroso, que compuseram Noite e Dia, que foi gravada pela Gang 90 no disco Essa Tal de Gang 90 & As Absurdettes (1983), e também gravada por Marina Lima em seu disco ao vivo Todas (1986) e pelo próprio autor no disco O Rock Errou (1986), mas voltando ao primeiro tema, os versos soam jovens e um pouco modernos, com referências à bossa nova e ao punk; enquanto Não Tô Entendendo já dá um ar mais melódico, na voz de Guto, onde fala sobre o que fazer para conquistar uma tal de Gorete; na sequência aparecem dois temas de Alice e Lobão, o primeiro é Tô à Tôa, Tokio, baseado nas letras ao estilo Mais Uma de Amor (Geme Geme) da Blitz ou até referências ao old-school, com sintetizadores imitando os sons japoneses, seguido por Abalado, já sem aquele romantismo brega que predominava as rádios dos anos 80, porém segue o ritmo do disco; a letra que foi escolhida pela gravadora para ser um single, mas não deu certo foi Os Tipos Que Eu Não Fui, uma canção que carrega uma atmosfera poética que nos remete ao real-parnasianismo do final do século XIX (sem tanto melosismo, óbvio) em alguns trechos, como "Eu sou o amor, eu sou a guerra, eu sou o arco, eu sou a flecha", mas o resto nada a ver; Bambina é uma letra em inglês com partes italianas cantada por Alice Pink Pank enquanto o idioma inglês fica a cargo de Lobão, que contavam a história de uma garota nascida no final de 1900, uma daquelas canções que falavam da vida de uma pessoa, tipo Era Um Garoto Que Como Eu Amava Os Beatles e Os Rolling Stones (Os Incríveis/Engenheiros do Hawaii) ou Muchacha Ojos de Papel (Almendra); mas o clássico que trouxe um papel importante para Lobão como um dos maiores compositores dos anos 80 foi Me Chama, composto após Lobão ter perdido sua mãe, compôs em sua casa a parte musical na guitarra, uma introdução apenas em ré maior e depois de ter conhecido a Bélgica, terra da namorada Alice Pink Pank (nasceu na Austrália, foi criada na Holanda, porém a família vivia na Bélgica... bem família chique, né?!) mas no meio disso, morre o pai dela e Lobão, sem ter como seguir acompanhando o luto dela, volta para o Rio de Janeiro e tentando ligar para Alice, chovia muito e muitos desses versos foram baseados em fatos reais, além da frase "Nem sempre se vê mágica no absurdo..." foi uma tentativa de Lobão concluir o refrão "Primeiro fez sucesso na voz da Marina Lima, aí na íntegra apareceu minha versão e depois veio João Gilberto pra gravar um sucesso meu", relembra Lobão sobre o seu grande sucesso, que quase virou jingle de companhia telefônica, que propôs 1 milhão de reais e o lobo velho recusou; seguido dos temas Rio do Delírio, que é uma definição do próprio Lobão sobre a Cidade Maravilhosa, sem aquelas exaltações grandiosas de amor ao Rio; Inteligenzia é uma prova de como pessoas de pouco tempo de convívio no Brasil, no caso, Alice Pink Pank, conseguem arriscar em uma letra toda cantada em português e Alice não passou batido de vez; a Censura ainda fervia solta (até em 1988, depois que criaram uma nova Constituição) e proibiu a execução de Teoria da Relatividade, que não se sabe por qual motivo foi vetada "Não tinha nada que fosse subversivo para que a Censura proibisse a nossa música de ser executada em mídias como rádio e TV", afirma Lobão; das letras com personagens, Guto tirou da manga Dr. Raymundo, uma letra satírica, algo já comum em canções daquela época, mas não ficou marcado muito; o final fica com a faixa que dá nome ao disco, Ronaldo Foi Pra Guerra foi um tema originalmente composto por Guto quando vivia nos Estados Unidos e tinha criado a letra no tempo da abertura política, falando de um piloto que ao ver seu país ser invadido, ele vai pra guerra ser piloto de avião sem brevê e sem radar, a música soa como punk rock, de atmosferas new-wave e de hardcore, sem tanta baderna sonora, o que torna a banda ainda soar única e original.
Nem tenho o que falar de um clássico dos anos 80, ainda mais concebido por Lobão. O cara é único, um mito, que vai ter seu legado musical eternizado por muitos e muitos anos e mesmo sem fazer muito discos atualmente, seus discos antigos soam como uma eternidade.
Set do disco:
1 - Corações Psicodélicos (Lobão/Júlio Barroso/Bernardo Vilhena)
2 - Não Tô Entendendo (Guto Barros)
3 - Tô à Toa, Tokio (Alice Pink Pank/Lobão)
4 - Abalado (Alice Pink Pank/Lobão)
5 - Os Tipos Que Eu Não Fui (Lobão/Bernardo Vilhena)
6 - Bambina (Lobão/Bernardo Vilhena/Alice Pink Pank/Baster Barros)
7 - Me Chama (Lobão)
8 -  Rio do Delírio (Lobão)
9 -  Inteligenzia (Alice Pink Pank/Bernardo Vilhena)
10 - Teoria da Relatividade (Lobão/Guto Barros)
11 - Dr. Raymundo (Guto Barros)
12 - Ronaldo Foi Pra Guerra (Lobão/Guto Barros/Hélcio)



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