Um disco indispensável: Almendra II - Almendra (RCA Vik, 1970)

O grupo argentino Almendra iniciou o ano de 1970 muito bem, com um disco bom na praça, quatro compactos e enorme repercussão na Argentina inteira e tendo reconhecimento fora do país, em especial no Uruguai, no Chile, na Bolívia e no Peru "Almendra já era bem conhecido na América do Sul, tínhamos músicas nas rádios tocando a mil como 'Muchacha (Ojos de Papel)' e 'Ana no Duerme' e nós tivemos muitos shows feitos naquele período de outubro de 1969 a dezembro de 1970" dissera Emilio del Guercio, baixista da banda. Mas, para alguns, tudo estava às mil maravilhas, enquanto seus colegas de geração, como Los Gatos, Vox Dei, Manal e os cantores Moris, Billy Bond, Tanguito (ou Ramsés VII, seu outro pseudônimo), Miguel Abuelo e o duo Pedro Y Pablo, pseudônimos de Miguel Cantilo e Jorge Durietz, autores do clássico "Marcha de La Bronca", que ecoou por toda a Argentina em tempos de ditadura militar; mesmo com a ajuda do público, das gravadoras e da revista Pinap, uma das poucas revistas da época até então. O clima na banda era outro, apesar do público se orgulhar do jovem Luis Alberto Spinetta, o líder da banda e compositor que já era consagrado nacionalmente, ganhando um lugar de ídolo do momento, como os cantores Palito Ortega, Litto Nebbia (Los Gatos), Sandro, Tanguito, Donald e até mesmo Billy Bond, que ajudou a banda a ser conhecida em 1968, quando a banda sequer fazia parte do cast da RCA, mas apresentavam-se para um público jovem, oriundos da cena beat argentina que surgiu entre 1966 e 1967 e com esse movimento beat, os ares psicodélicos rolavam a solta em plena Buenos Aires e ainda seguia um pouco a adoração aos ídolos argentinos da época, enquanto o tango de Aníbal Troilo, Roberto Goyeneche e de Astor Piazzolla, além do folclore argentino eram as principais referências para músicos da nova cena musical argentina fazerem seus trabalhos tendo as raízes como inspiração, mas também carregando influências que iam dos Beatles ao som da guitarra alucinante de Jimi Hendrix e do som progressivo do Pink Floyd, Yes, Genesis e King Crimson, sem deixar de lado a veia psicodélica que mantinha acesa a chama da nova geração do rock and roll na Argentina naqueles tempos.
Da esquerda p/ a direita: Emilio Del Guercio, Luis Alberto Spinetta, Edelmiro Molinari
e Rodolfo García dez anos depois, em foto para a revista Expreso Imaginario
sobre a reunião feita em 1979 e 1980 que resultou em um disco duplo ao vivo.
O álbum que seria lançado após o sucesso do primeiro, já não mostraria um pouco o Almendra dos primeiros compactos e do LP de 1969, mas permaneceria um estilo de fazer canções ousadas e de influências psicodélicas da época, foi quando, em meio à uma tentativa de Spinetta criar uma ópera-rock chamada Señor de Las Latas, o motivo de ter se ausentado muito dos ensaios e a origem da separação da banda "Já estávamos em um processo de amadurecimento tanto pessoal quanto musical" disse o guitarrista Edelmiro Molinari, que já estava preparando para o adeus da banda, que se resultaria em alguns shows e em um disco duplo "Na época (do disco duplo Almendra II), nós tínhamos muita coisa composta de 1969 até aqui, então decidimos pegar essas músicas e gravá-las em dois discos", disse o baixista Emilio Del Guercio, após chegarem aos estúdios TNT, onde de lá foram gravados clássicos das bandas Los Gatos, Vox Dei, o poeta e cantor Tanguito, o cantor Moris e o duo Sui Generis. E assim, o disco foi surgindo, com a produção da banda e a coordenação da produção ficou a cargo do irmão do baixista, Ángel Del Guercio e a capa seria feita pelo mesmo Spinetta com uma foto da banda já mais de cara séria, e na capa interna, imagens do processo de criação do disco e um "Gracias, Almendra" como se fosse uma forma de agradecer ao público pelo que fizeram para o sucesso da banda. O primeiro disco começa com Toma El Tren Hacia El Sur, uma letra que falava de um rumo na vida e dizia para comprar um jornal e doce de leite (um dos maiores doces que consumem na Argentin a e no Urugai) e seguia com um riff matador de Edelmiro Molinari, algo que soasse feito uma banda de heavy metal; a música seguinte, Jingle acaba sendo uma das mais belas canções do disco, mesmo com apenas 1 minuto e 30 segundos, de levadas melódicas com um piano estilo filme de terror; a voz de Edelmiro é seu cartão de visita em No Tengo Idea, letra que contou com uma ajuda de Spinetta na guitarra solo e nos arranjos de base; já Del Guercio ainda seguia compondo, desta vez, trouxe a letra Camino Dificil para Spinetta cantar, algo que pode ser uma retribuição pelo que Spinetta fez quando o próprio deu para o baixista cantar Fermín no primeiro disco da banda e logo o baixista deu Que El Viento Borró Tus Manos para o próprio Luis Alberto cantar; o clássico de vez do disco é Rutas Argentinas, de levada blues-rock e com versos que parecem falar de uma banda a caminho de um show "Chicas y muchachos nos esperan allá, llevamos buenas cosas (llevamos buenas cosas)/Chicas y muchachos nos esperan allá, pero nadie nos quiere llevar" (Meninas e garotos nos esperam por lá, levamos boas coisas (levamos boas coisas)/Meninas e garotos nos esperam por lá, mas ninguém nos quer levar); outro dos tantos temas curtos presentes neste disco foi Vete de Mí, Cuervo Negro, com uma letra curta e acordes de guitarra rápidos; Molinari surgia com Aire de Amor, um tema que superou as expectativas das canções deste disco, uma bela letra e base original, que tiveram muito tempo de trabalho para conceber a música, prova disto é um registro de vídeo feito para um cinejornal daquela época (confira o vídeo aqui), seguido por outro tema de Molinari, intitulado Mestizo, na qual o próprio guitarrista falava sobre ser um mestiço, falando de quando ir ao sol e quando algo estiver seco, irá pelo ar até uma certa pessoa "Voy al sol y cuando esté seco iré como por el aire hasta vos", seguido por um solo de guitarra; a faixa mais longa do disco é  Agnus Dei, com alguns versos e longos solos de violão e de guitarra, na qual Spinetta cita seus irmãos Ana e Gustavo no início da música, que tem 14 minutos e 30 segundos, e boa parte desse tempo, dedicado aos longos solos feitos por Spinetta e Molinari; a primeira parte desse disco encerra-se com Para Ir, um tema suave, simples e emocionante, feita especialmente para Cristina Bustamante, namorada de Spinetta desde 1968 até 1973.
Capa dupla frontal do disco

O segundo disco é bem acrescentado de temas de Emilio e de Edelmiro, mas com Spinetta dando uma mão amiga, embora sempre tenha que completar o seu trabalho: o tema que inicia a segunda parte, Parvas, não é só apenas uma das tantas viagens sonoras psicodélicas do disco, ainda tinha um quê de beat argentino dos anos 60 com o peso sonoro de uma megabanda de rock dos anos 60 e 70, que acabou tendo um belo desempenho pelo perfil psicodélico da canção; na sequência vem Cometa Azul, das poucas letras feitas na parceria Spinetta/Del Guercio, o que acaba sendo um ótimo resultado, embora Spinetta tenha sido pouco fechado em fazer composições com parceiros, o que acabaria se resultando em outras futuras parcerias com David Lebón, Bocón Frascino, Carlos Cutaia, Black Amaya, Pomo Lorenzo, Eduardo Martí, Leo Sujatovich, Diego Rapoport, Charly García, Fito Páez (dessa parceria viria um disco duplo chamado La-La-La e um show, ambos de 1986), Daniel Wirzt, Marcelo Torres e seu filho Dante; a quase instrumental Florecen Los Nardos passou despercebida, embora a letra, curta como várias das tantas do disco; um lado acústico do Almendra pode ser visto em Carmen, composta e cantada por Del Guercio, com apenas violões tocados pelo próprio, por Spinetta e Molinari e percussão tocado por Rodolfo; a ópera-rock quase aconteceu, mas até música instrumental entra no disco, e é o caso de Obertura, com uma atmosfera de música clássica com rock, algo já feito pelos Beatles e pelos vizinhos Mutantes, mas desta vez mais pro rock do que pro clássico nesse tema; o lado acústico seguia predominante em Aire de Amor, um tema de Molinari, com um efeito de slide no violão e corinhos típicos feitos pelo grupo enquanto Edelmiro Molinari faz os seus dedilhados no violão; o instrumental de Edelmiro chamado Verde Llano é uma mistura de jazz-rock com blues, é um daqueles instrumentais que você poderia estar ouvindo pelo Sexteto no Programa do Jô ou pelo Ultraje a Rigor no programa The Noite, comandado por Danilo Gentili; Emilio e Spinetta constroem outra bela música, mais suave e com alguns toques de piano e violão, Leves Instruciones acaba dando um quê de psicodelia e melodismo a mais no disco; outro clássico deste disco é Los Elefantes, baseada na crueldade do clássico do cinema italiano Mondo Cane (1962), com a voz de Spinetta em um tom mais melódico e com alguns riffs psicodélicos de guitarra e levadas acústicas em algumas partes; Emilio dá sua última cartada final no disco com Un Pájaro Te Sostiene, cantada por ele e por Luis Alberto e provando como ainda retribuir tantas letras e tantas canções gravadas por amigos; para encerrar o disco, enfim, o tema En Las Cúpulas, movido a solos quilométricos de guitarra e poucos versos para dizer, mesmo que o Almendra estivesse pondo um fim ao que foi os anos áureos do grupo, pelo desgaste dos shows e questões artísticas e pessoais causassem um desgaste na relação entre o grupo e após o disco, mais um show no festival Buenos Aires Rock em dezembro de 1970, Almendra já não seria mais a mesma banda de sempre.
Em maio de 1969, nos estúdios TNT: Edelmiro, Rodolfo,
Emilio e Luis Alberto Spinetta concebendo o disco de
estreia, lançado em dezembro daquele ano.
Nem tudo ainda acabou, pois havia vida após o Almendra: em 1971, Spinetta rompeu com a RCA após voltar da França e ter gravado Spinettalandia Y Sus Amigos, formou o Pescado Rabioso e assinou com a Talent/Microfón, Edelmiro se juntou a Rinaldo Rafaneli e Oscar Moro e formou o grupo Color Humano, nome de uma música sua presente no primeiro disco do Almendra, enquanto Del Guercio e Rodolfo García formavam com Héctor Starc o grupo Aquelarre no mesmo ano que Spinetta lançou o álbum Spinettalandia Y Sus Amigos, álbum que teve colaborações de Emilio e Rodolfo, mas que teve um problema que fez a gravadora usar o nome Almendra como título do disco. Edelmiro se exilou nos Estados Unidos e nas várias vezes que aparecia na Argentina, os quatro se juntavam para um churrasco e para matarem as saudades, evitavam falar de uma reunião do grupo, com medo de que haja alguma mancada e em dezembro de 1979, a banda se reuniu para dois shows no estádio Obras Sanitarias, que se converteria em um disco duplo no ano seguinte, e também em um disco chamado El Valle Interior. Mas aí já é outra história.
Set do disco 1:
1) Toma el Tren Hacia El Su(Luis Alberto Spinetta)
2) Jingle (Luis Alberto Spinetta) 
3) No Tengo Idea (Edelmiro Molinari)
4) Camino Dificil (Emilio Del Guercio)
5) Rutas Argentinas (Luis Alberto Spinetta)
6) Vete de Mí, Cuervo Negro (Luis Alberto Spinetta)
7) Aire de Amor (Edelmiro Molinari)
8) Mestizo (Edelmiro Molinari)
9) Agnus Dei (Luis Alberto Spinetta)
10) Para Ir (Luis Alberto Spinetta)

Set do disco 2:
1) Parvas (Luis Alberto Spinetta)
2) Cometa Azul (Luis Alberto Spinetta/Emilio Del Guercio)
3) Florecen Los Nardos (Luis Alberto Spinetta)
4) Carmen (Emilio Del Guercio)
5) Obertura (instrumental) (Luis Alberto Spinetta)
6) Amor de Aire (Edelmiro Molinari)
7) Verde Llano (instrumental) (Edelmiro Molinari)
8) Leves Instruciones (Luis Alberto Spinetta/Emilio Del Guercio)
9) Los Elefantes (Luis Alberto Spinetta)
10) Un Pájaro Te Sostiene (Emilio Del Guercio)
11) En Las Cúpulas (Luis Alberto Spinetta)



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