Mediocampo - Jaime Roos (Orfeo, 1984)

Direto no assunto: como todos nós estamos cansados de saber, as ditaduras militares latinoamericanas não foram só anos duros de repressão apenas no Brasil, na Argentina, no Chile e até no Peru, o Uruguai teve como doze anos de administração militar fazendo com que liberdade de expressão fosse quase esquecido dentro de um país pequeno, mas com grande força social e cultural. Com a crescente dos movimentos revolucionários de esquerda, como o OPR-33 e também os Tupamaros, do qual integrou nomes como Raúl Sendic e um certo José Mujica, futuro presidente de 2010 a 
2015, e isso foi apenas o pretexto para que as Forças Armadas uruguaias, sob o apoio do presidente constitucional Juan María Bordaberry, instaurassem um golpe de estado naquele 1973 - enquanto no Brasil já haviam passados quase nove anos da instauração do poder militar no governo (1964), e Bordaberry permaneceu-se como presidente do país durante quatro anos. Culturalmente, nomes como Aníbal Sampayo, José "El Sabalero" Carbajal, a dupla Los Olimareños, Daniel Viglietti e o lendário Alfredo Zitarrosa (1936-1989) tiveram de sair do país, sendo que alguns tentaram residir na Argentina, embora o país sofreria outro golpe de estado em março de 1976. Enquanto isso, alguns nomes como os irmãos Osvaldo e Hugo Fattoruso, já haviam ido para os EUA montarem suas carreiras com o grupo Opa, que contou também com Rubén Rada, outro uruguaio que seguiu fazendo sua carreira entre a terra natal e a Argentina. Um outro nome aclamado no país também conseguiu começar sua carreira dentro da terrinha, mas foi deixando acontecer apenas na Europa foi Jaime Roos - nascido no bairro Sur na capital Montevideo em 12 de novembro de 1953 como Jaime Andrés Roos Alejandro, logo pegou o gosto pela música quando jovem, no momento em que nomes como Manolo Guardia, os grupos de rock como Los Shakers formado pelos irmãos Fattoruso - e Los Iracundos, este, que no final dos anos 60 tornaria-se um grupo vertido mais para o pop romântico aclamado na América inteira. Formou bandas como Los Robbers, que tinha algo mais ligado a El Kinto , grupo pioneiro em fusionar rock com candombe - ritmo aftolatino popular no Uruguai - do qual gerou nomes como Rubén Rada e Eduardo Mateo (1940-1990) e depois tocou no Epílogo de Sueños como baixista. Com a ditadura militar, ainda segurou mais um tempo em Montevideo onde se juntou com Raúl Castro, vulgo Tintabrava, Jorge Bonardi e Jorge Lazaroff, e depois Miguel Amarillo, montando o conjunto Patria Libre antes de partir para a Europa. 
A partir de 1984, a sua volta por sima e sua aclamação
como cantor e compositor no país - reprodução
original do videoclipe de "Durazno y Convención" do
canal oficial de Jaime Roos.
Logo em 1975, viaja para Paris onde grava suas quatro primeiras composições - e brevemente volta para Montevideo gravar nos lendários estúdios Sondor seu primeiro LP, Candombe del 31 que fora editado em 1977 pelo selo Ayuí/Tacubé, importante fonográfica difusora do cancioneiro uguguaio. Logo depois, residindo em Amsterdam, compôs e gravou faixas de Para Espantar El Sueño, seu segundo álbum, e na época com um filho chamado Yamandú com sua então parceira Franca Arents, e depois do LP Aquello, termina seu contrato com a Ayuí/Tacubé, e a volta a Montevideo parecia soar algo desejável. 
Em 1982, volta para Montevideo a gravar seu quarto LP - e com este, já uma aclamação definitiva de Roos como cantor, compositor e produtor, e entra no estúdio Gente de Jingles e agora pela gravadora Orfeo - com o ousado Siempre Son Las Cuatro, a prova de que Jaime estava de vez no rol dos compositores uruguaios imortalizados, assim como Rada, Mateo, Fattoruso, Lazaroff, Fernando Cabrera, Zitarrosa, Leo Maslíah dentre outros. Com isso, uma série de concertos estava a realizar e um deles foi marcado por uma confusão política: em janeiro de 1983, Jaime foi tocar no Teatro de Verano, situado no Parque Rodó, e decidiu tocar Aquello, faixa do LP homônimo de 1981, dedicando-a no palco para El Sabalero, ainda em exílio. Com isso, o estopim para que fosse encontrado pelo Servicio de Inteligencia y Enlace (SIE) e notificado de que estava proibido de cantar e um dos agentes avisou "Yo que vos flaco, voy", acabou sendo a última proibição e censura dada a um artista conhecido. Permaneceu novamente em Amsterdam, onde trabalhou como cozinheiro em um restaurante, e ali começou a elaborar uma volta definitiva sua ao país-berço e à sua Montevideo querida que tanto ama: desde o repertório do próximo material, ou boa parte dele, até a ideia da capa, com isso, acabou por nascer ali a trilha sonora da redemocratização uruguaia, de um novo alvorecer político do país, que saía do regime militar instaurado pelo golpe de 1973, e Gregorio Álvarez ainda estava como presidente até 1985. O ano era 1984 e Jaime Roos se juntou dos diversos amigos para gravar em Palacio Salvo, onde havia o estúdio La Batuta com Darío Ribeiro o ajudando na produção e na gravação, além do super time de convidados que ia desde Estela Mangnone, sua então esposa, a turma do Falta Y Resto, grupo de murga do carnaval uruguaio, além de nomes como Eduardo Mateo, Hugo Fattoruso, Laura Canoura, Jorge Vallejo, Fernando "Lobo" Núñez, as colegas de Mangnone do Travesía - Flavia Ripa e Mariana Ingold, e uma das maiores vozes do carnaval uruguaio, Washington "Canario" Luna - que foi redescoberto e ajudou na fundação do Falta Y Resto. E para o acompanhamento Sonoro, Jaime - que tocou guitarra e baixo mais alguns sintetizadores, além de Alberto Magnone nos teclados, Gustavo Etchenique na bateria, Andrés Recagno no baixo elétrico, além de Jorge Galamire na guitarra. O título do seu quinto álbum se tornaria muito aproximado da estética new wave e pop barroco, mas sem perder a essência folk e muito menos deixar as origens (candombe, murga, milonga), e, sob o nome de Mediocampo, mostrava um Jaime Roos entrando em jogo para golear contra o desânimo dos uruguaios em tempos de fim da ditadura, e na foto da capa e contracapa clicadas por Mario Marotta, Jaime está em campo, vestindo uma camiseta do Club Atlético Fénix, time uruguaio - embora Jaime seja torcedor do Defensor Sporting, campeão nacional em 1976 e 77 que celebrou seus dois títulos fazendo uma volta olímpica ao contrário no sentido horário, como forma de protesto aos militares no poder - era, enfim, a volta definitiva de um filho à velha casa depois de anos fora.
Com o amigo Hugo Fattoruso 35 anos depois,
uma amizade que prevalece desde os
anos 1980 e rendeu diversos trabalhos juntos
como "Mediocampo" entre outros.
O álbum inicia-se logo com Durazno Y Convención, uma canção puramente uruguaia por levar o nome de duas ruas que se encontram próximas formando uma esquina em Montevideo, que tem na sua introdução uma levada de violão seguida de um homem que vende jornal, provavelmente entre as ruas, com Jorge Vallejo dando uma canja vocal nos versos direcionados à rua Convención, enquanto Roos fala sobre Durazno, é um convite para nos deliciarmos com esse encontro de elementos sonoros do afrocaribenho ao new wave, mostrando que o Uruguai desde sempre esteve na vanguarda musical - "sertícimo"; na sequência, um diálogo antes de mandarem um som, a voz de Eduardo Mateo está presente em Victoria Abaracón, com uma base meio parecida com cantigas tradicionais, criação de Roos, contando a história de uma senhora que dizem ter sido uma centenária vinda de Tacuarembó, e que teria matado um ex-marido e casado com outro homem, uma levada aproximada entre o pós-punk e o soft rock, mas com aquele quê de folk dylaniano muito presente no repertório do cantautor - e onde o mesmo só aparece mais no refrão, dando a Mateo o privilégio de ser o dono da canção aqui; adiante, o repertório conta com um tema dançante, totalmente new wave e ao mesmo tempo pós-punk, na qual lembra até mesmo Police e gravações de bandas entre 1979 até 1982 - Luces en el Calabró carrega uma atmosfera pop brilhante, com Estela nos teclados e vocais, fala sobre uma mulher que apreciava uma noitada por uma nightclub em Montevideo, e não deixa vestígios de soar fraco pois aqui seguem tão modernos como Charly García, Soda Stereo e Abuelos de La Nada para os argentinos na época; em um disco tão bonito como este, sobra tempo para falar sobre incertezas amorosas e lembranças no clima leve de Si Piensas En Mí que traz aquela pureza das baladas românticas da época com o trio vocal Travesía (Estela Magnone mais Flavia Ripa e Mariana Ingold) como coro enquanto Laura Canoura, ex-integrante do conjunto Rumbo como vocalista principal - os medos e as dúvidas sobre adeuses e solidões e se ela pensa no eu-lírico do verso fortalecem o repertório; para a próxima faixa, temos em Tal Vez Chéché uma murga pulsante, embora curta - com a presença de todo o time do Falta Y Resto, e uma forte levada rítmica, a marcação da batucada dá todo o rumo e sem perder o rumo, é um canto que fala sobre partida deste plano, mas talvez envolva mais o clube Fénix - que Roos estampa na capa, e com Vallejo dividindo os vocais em parte da canção enquanto Luna aparece em "Fenix che" em um trecho - uma das melhores faixas do disco e destaque principal; e, como não faltou tempo, ainda sobrou tempo para mais uma canja dos Falta Y Resto na faixa Los Futuros Murguistas - uma ode à boemia, ao mundo dos exageros e loucuras e brindando ao carnaval, lastimando tradições mortas - e o embalo não se perde com tanta batucada, nos levando a este belo universo proporcionado pelos uruguaios; com o disco ainda rendendo pérolas, Nunca Fuiste al Cine transborda a uma confissão de culpa ou talvez de incertezas femininas - com isto, a letra traz algo que carrega uma coisa de culpa do eu-lírico masculino em uma balada misturando ritmos de candombe e jazz numa mistura que sempre dá certo; sem deixar de perder a beleza sonora que este disco é capaz de oferecer, Una Vez Más carrega uma atmosfera dos anos 70, à moda uruguaia e um excelente arranjo em uma música onde fala-se provavelmente de encontros de ex-casais, e os sintetizadores de Alberto Magnone dando cor à canção com as Travesía, Vallejo e Luis Restuccia nos coros dando uma mãozinha amiga que ajuda mais ainda na canção; o disco encerra com um candombe brilhante remetido às raízes africanas mais presentes nas batidas nervosas e marcantes de Pirucho - também um apelido de Homero Diano, amigo de Roos dos tempos dos bairros Sur e Palermo, e faz essa evocação ao candombe, à Montevideo e das amizades de Jaime citadas em canções de outros discos - um candombe beat moderno cheio de efeitos graças aos sintetizadores tocados por Hugo Fattoruso - quase uma mistura da tradição das batidas com o jazz-fusion do antigo grupo dele e seu irmão Osvaldo - o Opa, existido nos 1970, e que acaba terminando com uma levada rítmica unida pelos efeitos que lembram ficção científica.
A sorte deste disco não foi somente a de ter sido o mais bem-vendido disco daquele ano, aliás, foi o segundo disco de platina de sua carreira -pois Siempre Son Las Cuatro havia sido o primeiro e vendeu muito bem, e Mediocampo acabou sendo um disco que fez muito sucesso em 1984/85. Com o grupo Repique montado em meio às sessões de Mediocampo, Jaime fez a estrada e promoveu seu disco enquanto o Uruguai ensaiava uma volta democrática junto do Brasil - e em março de 1985, Julio Sanguinetti assumia a presidência da nação cisplatina enquanto Tancredo Neves acabaria falecendo um mês depois mesmo sem assumir, deixando a seu vice José Sarney. Mas, falando-se de Jaime Roos, em 1985, ainda mostrou-se um artista workaholic - além de gravar com sua então esposa Estela um disco em conjunto chamado Mujer de Sal Junto a Un Hombre Vuelto Carbón - um trabalho mais intimista e criação dos dois apenas (tocando, cantando e compondo), e, ao mesmo tempo, marcado pelo lançamento de Brindis Por Pierrot, a composição que ajudou a colocá-lo em definitivo como um dos maiores compositores uruguaios - a murga que compôs para o Falta Y Resto com a brilhante voz de Canario Luna - o disco desta murga acabou a emplacar mais um hit do carnaval uruguaio e põe a Canario para sempre como uma das maiores vozes dos festejos de Momo por lá. Em 1986 volta com mais gás em disco apresentando um disco diferente, mais pop e moderno - o vanguardista 7 y 3, todo diferente de Mediocampo em termos de sonoridade, mas aí já é uma outra história. Com o passar dos anos, este disco tornou-se não somente um grande divisor de águas na volta por cima de Jaime Roos após a censura dada a ele em 1983, mas na música uruguaia - prova de que o tempo não foi errado é que o periódico uruguaio El País divulgou a lista dos 50 Melhores Álbuns de Música Uruguaia e justamente Mediocampo está com a medalha de prata, o 2º lugar. E Jaime ainda segue estudando suas táticas de campo para mais uma goleada, discretamente, certamente pelas mesmas esquinas que renderam um dos hinos deste álbum, clássico e moderno como nunca.
Set do disco:
1 - Durazno Y Convención (Jaime Roos) - participação de Jorge Vallejo
2 - Victoria Abaracón (Jaime Roos) - participação de Eduardo Mateo
3 - Luces en el Calabró (Jaime Roos) - participação de Estela Magnone
4 - Si Piensas En Mí (Jaime Roos) - participação de Travesía e Laura Canoura
5 - Tal Vez Chéché (Jaime Roos) - participação de Jorge Vallejo, Falta Y Resto e Washington "Canario" Luna
6 - Los Futuros Murguistas (Jaime Roos) - participação de Falta Y Resto
7 - Nunca Fuiste al Cine (Jaime Roos)
8 - Una Vez Más (Jaime Roos)
9 - Pirucho (Jaime Roos/Homero "Pirucho" Diano/Hugo Fattoruso) - participação de Hugo Fattoruso

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