Disco Indispensável: Araçá Azul - Caetano Veloso (Philips/CBD Phonogram, 1973)

O velho baiano Caetano Veloso estava recém retornado do seu exílio em Londres em abril de 1972, e com o retorno, isso fez muitos amigos matarem a saudade dele e de seu companheiro de tropicalismo, Gilberto Gil. Naquela época, a pressão dos militares era maior ainda com o AI-5, as ordens de mandado de prisão e o silêncio que fez jornalistas, artistas de vários setores, como do cinema, da televisão, do teatro e em especial da música brasileira, ficaram calados quando tinham que gritar pela liberdade, por mais direitos à cultura brasileira, que teve muitos discos, muitas canções e shows proibidos pela Censura Federal, além de proibirem também publicações de jornais e revistas como a Veja e O Pasquim, vetarem cenas de filmes, proibirem cenas (vulgares ou até um pouco controversas) de programas e novelas da televisão, dando assim o gosto dos militares seguindo armando suas estratégias de divulgação do País "limpo": mostrando o amor à Pátria em cartazes e em anúncios que passavam na TV e nos cinemas antes de começarem os filmes, com letras mostrando orgulho de ser brasileiro ao estilo nazista (quer um exemplo? Josef Goebbels foi especialista em fazer marketing para divulgar o governo de Adolf Hitler na 2ª Guerra Militar). Mas os militares queriam acabar com a música brasileira em 1973, o que não foi sucedido isto devido ao enorme sucesso de novos compositores e cantores da cena mpbística, como Luiz Melodia, Ivan Lins, Raul Seixas, Sérgio Sampaio, João Bosco, Luiz Gonzaga Jr. (Gonzaguinha) e os cearenses Ednardo, Belchior e Raimundo Fagner, além da consagração de nomes já conhecidos como Chico Buarque, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Jorge Ben, Antonio Carlos Jobim, João Gilberto (lançou um disco inédito em três anos), Elis Regina, Jair Rodrigues, Nara Leão, Antonio Carlos & Jocafi, Rita Lee (já em carreira solo), Novos Baianos e de Caetano Veloso, de quem estaremos falando aqui neste post. O ano de 1972 foi muito consagrado para Caetano após o seu retorno na Inglaterra, já que ele estava lançando o disco ainda gravado no país dos ônibus vermelhos e dos Beatles, chamando Transa, na qual seguia uma sequência de temas em inglês, mas o português voltava a ecoar soberanamente em letras como Triste Bahia e Mora na Filosofia, onde revive o compositor Monsueto Menezes, que teria mais outro clássico seu reinterpretado por Caetano no disco seguinte, que seria uma mistura de sons, experiências musicais e tudo o que se pode imaginar de um Caetano levando em cada disco a uma viagem sonora pós-tropicalista, o que seguiria em seus próximos discos também, mas nenhuma destas viagens sonoras foi tão revolucionárias e tão radicais, e no encarte do disco está lido a definição "um disco para entendidos" e foi quando ninguém teve a coragem de entender o disco, achou aquilo tão absurdo, estranho e diferente de tudo o que Caetano fez, que a Philips sofreu muito com as reclamações e as devoluções foram tantas naquele ano de 1973 que sofreu mais injustiças de quem acabou levando do que execuções nas rádios, o que não ocorreu pelo fato de nem os radialistas terem entendido algumas músicas do disco, o que só deu sucesso a alguns temas deste disco, mas não foram todos estes sucessos: a primeira música do disco Viola, Meu Bem, um tema tradicional, que não é cantada por Veloso e sim por uma senhora baiana, Edith Oliveira, mais conhecida como Dona Edith do Prato (1916-2009), que faz batuques no prato e era de Santo Amaro da Purificação, cidade onde nasceu Caetano; o medley De Conversa é na verdade, um punhado de efeitos com a voz (grunhidos, conversas) e percussão feito com a pele e com os ossos, seguido de Cravo e Canela, de Milton Nascimento e de Ronaldo Bastos, que foi lançado no álbum duplo Clube da Esquina (1972) na qual contou com um grande pessoal de Minas fazendo um som ao lado de Milton, mas na versão do velho tropicalista, só ficou o refrão mesmo na música; as raízes latinas são revividas em Tu Me Acostumbraste, composta pelo cubano Frank Domínguez e apresenta um Caetano portunhol, uma prova de que o espanhol sempre foi uma língua presente nas músicas de Caetano, desde Soy Loco Por Tí, América, do primeiro disco (1967) e composta por Gilberto Gil em parceria com os poetas tropicalistas José Carlos Capinam e Torquato Neto (1944-1972); enquanto Caetano seguia a sua aventura poética-musical de sempre, ressucitando um poema de Sousândrade e a convertendo em Gilberto Misterioso, o verso "Gil engendra em Gil rouxinol" extraído do poema de Sousândrade e conta com a presença de Tutty Moreno na percussão; a viagem sonora ainda segue em De Palavra Em Palavra, que foi dedicado ao poeta concretista Augusto de Campos e teve a presença de Arnaldo Baptista nas gravações e o "help!", deixando um registro histórico nesse disco; o De Cara não é nada mais do que uma instrumental com solo de guitarra de Lanny Gordin, que anteciparia um clássico de Monsueto Menezes, chamado Eu Quero Essa Mulher, na versão porra-louca, levando mais para o rock do que para o samba, estilo original da música e parecendo soar uma banda de rock psicodélico do final dos anos 60 com puro peso e levada udigrúdi (jeito brasileiro de chamar underground e também um movimento de contra-cultura pernambucano dos anos 70); o experimentalismo musical segue com uma mistura de cantos, sons e ritmos em uma só música chamada Sugar Cane Fields Forever, onde roda de samba, Dona Edith do Prato, Moacyr Albuquerque no baixo, Antônio Perna Fróes no piano, Perinho Albuquerque na viola e arranjos para orquestra, Tuzé de Abreu na flauta, Tutty na bateria e no vibrafone, Luciano Oliveira nas percussões e rodas de samba e Marcos Vinícius nos barulhos de máquinas e tudo isso se pode ouvir durante os dez minutos de música, na qual Caetano troca os campos de morango dos Beatles pela cana-de-açúcar e com base os poemas de Sousândrade; a bossa nova soa em Júlia/Moreno, com um pouco de uma história real, quando Caetano iria ser pai e acabou dando Moreno, o filho que conseguira trazer alegria a Dedé Gadelha (então esposa naquela época) e o próprio cantor em 22 de novembro de 1972; na sequência, uma música de ares de orquestra de filme e na sequência, ruídos de tráfego e de buzinas e descargas na cidade de São Paulo são os sons que tornam Épico algo mais épico ainda neste disco, com reverências a Hermeto Pascoal e a João Gilberto e um belo arranjo de orquestras de Rogério Duprat, um velho conhecido do período tropicalista e que fizera algo para surpreender ainda mais este disco e esta música; o Araçá Azul (Araçá Blue) já dá sinais de que a viagem sonora experimentalista de Caetano já teria seu final, mas ainda com um gostinho de quero mais, aliás, gostinho esse que só demoraria a voltar anos depois, já em um formato mais duplo.
O disco é uma obra incomparável, o que eu já tinha dito, mas também um pouco diferente de tudo o que Caetano fizera até então, apesar do que alguns só puderam entender o enorme sucesso que seria este Araçá Azul repleto de sons, ruídos e de puro talento, além de mostrar o que Caetano fez de ousado e diferente, mesmo que tenha sido um dos álbuns que mais sofreu devoluções na história da MPB, não foi por isso que deixou de ser uma obra-prima clássica da música popular brasileira e acabou influenciando uma geração de músicos, compositores e quem faz música experimental.
Set do disco:
1 - Viola, Meu Bem (anônimo) - canta Edith de Oliveira (Dona Edith do Prato)
2 - De Conversa (Caetano Veloso)/Cravo e Canela (Milton Nascimento/Ronaldo Bastos)
3 - Tu Me Acostumbraste (Frank Domínguez)
4 - Gilberto Misterioso (Caetano Veloso/Sousândrade)
5 - De Palavra Em Palavra (Caetano Veloso)
6 - De Cara (Caetano Veloso)/Eu Quero Essa Mulher (Monsueto Menezes/José Batista)
7 - Sugar Cane Fields Forever (Caetano Veloso/Sousândrade) - com Edith de Oliveira (Dona Edith do Prato)
8 - Júlia/Moreno (Caetano Veloso)
9 - Épico (Caetano Veloso)
10 - Araçá Azul (Araçá Blue) (Caetano Veloso)

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