Um disco indispensável: The Head on the Door - The Cure (Fiction Records/Polydor, 1985)

Durante os anos 1980, era difícil não conhecer um amigo que ouvia e curtia The Cure, uma das bandas britânicas que mais dominavam o cenário pop rock mundial, assim como o New Order, o Echo & The Bunnymen, o Duran Duran, os próprios Smiths: enfim, eles eram a supremacia desse cenário. O Cure, como se pode notar, era aquela banda cheia de sucessos na década e que não tinham pra ninguém. Podemos dizer muito mais, que Robert Smith é um compositor de mão cheia, talvez um dos melhores letristas daquela década marcante. O grupo vivia um momento que não estava bem ao que se esperava, pois tinham lançado diversos álbuns como Three Imaginary Boys (1979), Seventeen Seconds (1980), Faith (1981), Pornography (1982), além do conjunto de singles Japanese Whispers (1983) e do psicodelismo The Top (1984) - aliás, este foi um dos discos menos aproveitados e Smith perdeu a cabeça quando compusera o repertório deste álbum. Sim, o frontman que deu voz a canções como Killing an Arab, The Lovecats e também Boys Don't Cry havia dado uma relaxada depois de um período meio difícil, para um grupo de jovens que haviam deixado Crawley, uma cidade do West Sussex para conquistarem o mundo, e nesse período, Smith era também guitarrista de Siouxsie & The Banshees, e junto da banda da lendária frontwoman do que chamamos de goth rock, ou o rock gótico para ser mais preciso, e com essa influência toda, começou a usar maquiagem pesada, roupas mais escuras mais o cabelo todo despenteado e bagunçado demais, e conseguiu se manter com essa imagem até hoje. Mas entre os companheiros de banda e estrada, o problema não estava totalmente nas mudanças visuais, pois teve quebra-pau entre Smith e o baixista Simon Gallup durante um show num bar, por algo insignificante. Era difícil um dos melhores parceiros permanecerem ali numa crise que parecia ter atingido uma banda em seu estado máximo de vanglória com tantos hits, shows que pareciam estar mais cheios de fas sedentos das músicas da banda. Parecia um grande boom o caos que atormentou a banda entre 1983 e 1984, e isso acabou incomodando a própria cabeça por trás de todo esse sucesso e que comanda este conjunto, nada fácil mesmo. Mas, esperou a cabeça dar uma esfriada, após o fraco e viajante The Top, que exigiu mais de si próprio, estava falando de coisas pesadas, como o consumo de drogas e alucinações - e já depois da experiência acompanhando Siouxsie, logo no momento em que ele deixou a banda cansado de ser uma celebridade, e isso estava bem longe do comum de sempre. Mas, em 1985, decidiu reformular a banda e retomar ao status de celebridade e de astro do rock, trouxe Gallup de volta à banda após conversarem amigavelmente sobre as brigas, reformulou a banda, seguia com o baterista Lol Thurst - que passara para os teclados -, mais Porl Thompson na guitarra e Boris Williams na bateria, este um ex-integrante dos Thompson Twins, e com esta formação o Cure voltava a ser notado como uma grande banda através do álbum The Head on the Door, editado pela Fiction Records em 13 de agosto de 1985, um mês depois do mundo se atentar às 24 horas de shows em Wembley e na Filadélfia através de um show que fez a diferença, o Live Aid, organizado pelo ex-Boomtown Rats, Bob Geldof e que uniu nomes como Queen, Paul McCartney, Dire Straits, Mick Jagger, David Bowie entre outros, cada um em um lado diferente do planeta e que fez toda a diferença em se unirem no combate à fome nos países africanos naqueles anos 80 embalados de emoção e música boa.
O álbum The Head on the Door recuperou o tempo perdido da banda, trazendo letras mais otimistas e com um sucesso comercial superior a Ponorgraphy, e foi através deste disco que os americanos conheceram mais este grande conjunto britânico, tornando-se um sucesso não só nas paradas mas também na MTV onde diversos clipes foram exibidos de forma infinita, total. O título do álbum remete a um dos pesadelos que Smith teve durante sua infância, e esta "cabeça na porta" está em um dos versos da música deste álbum, mas os sonhos e pesadelos também ambientam em todo o disco, ao notarmos aqui o conceito das letras. O álbum já abre bem com um dos clássicos que marcou a geração 80 e quem assistia MTV, estamos falando de In Between Days, com um refrão que marca mesmo, e com um fraseado de guitarra também nostálgico, nos versos temos um pouco de morbidez, traz a infelicidade de envelhecer e se chatear com seu amor, junte tudo isto e faça uma das melhores canções de todos os tempos que já foram feitas, o resultado agrada e muito no final; a próxima faixa também carrega esse ar sombrio de pesadelos, Smith se inspirou em um que sua esposa Mary Poole estava se afogando e também de um pesadelo dela envolvendo canibalismo - junte tudo isto e tenha uma pérola, logo Kyoto Song, também uma homenagem ao público japonês e que traz um verso envolvendo os pesadelos "I see no further now than this dream" (Eu não vejo o mais longe do que este sonho - tradução livre), com um arranjo que dá realmente pro gasto aqui; o que acontece mesmo quando Robert Smith viaja a Portugal e bebe um vinho chamado Lágrimas de Cristo com a imagem da Virgem Maria segurando Jesus no colo por um braço e uma garrafa sob o outro? Acaba batendo aquela inspiração para compor outro temaço deste disco, The Blood, aonde a descrença no cristianismo é destacada pelo eu-lírico e na frase "Every mirage I see is a mirage of you" acreditem, a miragem é sobre Jesus Cristo, aqui soa como se fosse uma visão diferente da pessoa sobre a religião, tentar deixar os dogmas de lado, e o vinho português agradece a Smith por ter se inspirado nesta bebida que resultou nisto; e pelo jeito, a experiência de uma breve passagem como músico de Siouxsie o ajudou em muita coisa, até mesmo em uma das músicas dela, que uma simples melodia de piano tornou-se parte de Six Different Ways, que, segundo o próprio frontman, é um tema com uma pegada de 6/8, e não esperava que um baterista como Boris Williams fosse tocar daquele jeito, e que era uma grande sensação estar numa banda que jogasse muito bem - e a goleada foi de cabeça, o resultado é excelente mesmo; e para não deixar passar batido, temos aqui Push, não tropeça no conceito dentro do disco, aqui o negócio mantêm-se fiel mesmo, sem ignorar também um baita solo de guitarra que soa mágico e inspirante, e segundo o vocalista, que se impressionara com o fato de muitas letras terem surgido de conversas estranhas que estavam tendo no estúdio, uma fórmula que, no Cure, acaba dando totalmente certo; o lado obscuro da banda segue a ser explorado em músicas como The Baby Screams, com um ritmo mais cheio de agito, e que traz alusões a um bebê sendo torturado até a morte, bem típico das canções arrepiantes e incríveis do repertório da banda; se lembra de que falamos a respeito deste trabalho ter sido inspirado em um dos pesadelos de Smith quando criança? Então, os pesadelos surreais ainda desfilam no repertório com Close to Me, um tema bem destacável no repertório do disco, com uma pegada bem pop e um pianinho bem doce nessa canção ajudando a se tornar um dos maiores hits deste disco e de toda a carreira da banda; outro grande sucesso que engrossa o caldo do repertório é A Night Like This, acaba soando mais reflexivo, com um ritmo mais de balada, e traz um solo de sax tocado por Ron Howe e que acaba agradando aqui os ouvintes; a próxima música que segue esse repertório é Screw e seu baixo bem distorcido, mais puxado para um pop oitentista sintetizado, aqui Smith faz convite para sentir o paladar com um quê de sensualidade "Take your taste in your mouth/Take the taste on your tongue" (Experimente o gosto na sua boca/Experimente o gosto na sua língua - tradução livre), um ar bem nostálgico que carrega pela levada e o excesso de sintetizadores ao escutarmos; já para encerrar, podemos notar que a mente brilhante do Cure consegue se aprofundar de vez na melancolia, fiel às canções góticas, através de Sinking, onde Robert fala sobre estar a cada dia mais num estado deplorável de decadência, com um toque bem profundo nos arranjos, fechando de vez esse mundo de pesadelos que vive dentro das 10 faixas de The Head on the Door.
Em dezembro, a revista inglesa New Musical Express, bíblia dos amantes de boa música, elegeu como um dos discos daquele ano, ajudou também a propagar ainda mais o sucesso da banda mundo afora, resultando-se numa turnê que durou até 1987. No Brasil, este disco (cuja faixa In Between Days figurava na trilha sonora internacional do remake da novela global Selva de Pedra em 1986) mais a coletânea Standing on a Beach -  The Singles fez a cabeça de muita gente aqui como uma jovem chamada Fernanda Takai, que quinze anos depois, num especial da saudosa revista ShowBizz revelou que este disco mudou a vida dela, e de muitos jovens também. Até hoje, é um álbum com um culto todo enorme, trazendo um legado que, comparado aos outros, têm seu valor e relevância para os jovens de antes e os jovens de hoje, que fazem um som influenciado por essa vibe gótica propagada há mais de 3 décadas atrás.
Set do disco:
1 - In Between Days (Robert Smith)
2 - Kyoto Song (Robert Smith)
3 - The Blood (Robert Smith)
4 - Six Different Ways (Robert Smith)
5 - Push (Robert Smith)
6 - The Baby Screams (Robert Smith)
7 - Close to Me (Robert Smith)
8 - A Night Like This (Robert Smith)
9 - Screw (Robert Smith)
10 - Sinking (Robert Smith)

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