Um disco indispensável: Circo de Feras - Xutos & Pontapés (Polydor/PolyGram, 1987)

Com apenas oito anos de estrada, dois discos gravados e multidões a lotar shows como sempre foi costume, não é difícil negar a existência do grande sucesso do conjunto musical de punk rock português Xutos & Pontapés, surgida após um festival na França, mais precisamente em Mont-de-Marsan, e nessa multidão dois jovens se impressionavam com a barulheira e a sonoridade pesada ao extremo, eles eram Carlos Eduardo Cardoso Pinto Ferreira e José Pedro Amaro dos Santos Reis, futuramente Kalú e Zé Pedro (falecido recentemente), que voltara a Portugal e cede a garagem dos pais para uma banda semeadora do punk nas terras do fado, Os Faíscas, da qual Zé Pedro se tornara manager, e conseguindo alguns shows por aí. Com isto, inicia-se uma jornada maior para a vida do jovem empresário da banda punk, ele começa a chamar alguns amigos, como o estudante de Engenharia Agronômica e baixista António Manuel Lopes dos Santos - o Tim, mais José Leonel dos Santos Pinto Perfeito (sem trocadilhos) vulgo Zé Leonel e Paulo Borges, na mesma garagem dos pais de Zé Pedro nascem os Delirium Tremens, nome dado ao estado de abstinência de álcool, com alucinações, agitação e confusão - vale lembrar que este nome não durou muito no começo. Depois de nomes meio zuados, como Beijinhos & Parabéns, eis que nasce definitivamente o nome Xutos & Pontapés, grupo que surge de uma vertente totalmente punk rock, mas sai Borges que ficaria no vocal e o jovem Tim decide assumir o cargo de vocalista principal com a saída de Paulo Borges, e neste período a bateria começa a ter o papel principal no que Kalú é chamado após um teste. Alguns shows, a popularidade se expande, juntamente de bandas como GNR (Grupo Novo Rock), Heróis do Mar, Os Delfins, Sétima Legião, Rádio Macau e cantores como o barbeiro António Variações (1944-1984) dono de uma trajetória efêmera, porém brilhante, e também o grande Rui Veloso - um nome bem conhecido e que carrega um estilo que une um pouco do blues e das canções populares de José Afonso (1929-1987), Sérgio Godinho, José Mário Branco, Fausto dentre outros, a cena roqueira portuguesa crescia, e os veículos de imprensa quase não entendiam o que estava acontecendo, mas notaram que o pop rock português, enfim, estava no mesmo rumo da cena de Londres, New York, Los Angeles, e assim também estavam os espanhois através de bandas como a lendária Tequila, e no Brasil idem, mas deixa pra outra análise aqui. Bem, passados quatro anos após o lançamento do primeiro álbum, e recém-contratados não por um selo português, mas por uma grande multinacional, a Polydor - um dos tantos selos da PolyGram, que obtiveram após o sucesso de Cerco (1985) seu segundo álbum e um pouco mais curto, com 6 músicas e apenas 27 minutos de duração, era provável para muitos, que, em uma grande gravadora o grupo não iria manter seu estilo de sempre, mas estavam absolutamente errados, já tendo João Cabeleira (ex-Vodka Laranja) na guitarra substituindo Francis e Gui no sax, até então um mero convidado, mostraram que a banda não estava totalmente perdida: com a produção de Carlos Maria Trindade, dos Heróis do Mar, o grupo entrou em estúdio no fim da primeira metade de outubro de 1986 e só saiu lá no último dia do ano, o resultado? Só em fevereiro do ano seguinte.
Tim, Zé Pedro, João Cabeleira, Gui e Kalú em meados dos 80
Lançado originalmente no dia 2 de fevereiro de 1987, o álbum Circo de Feras acabou vendo o grupo de vez como um dos maiores do rock e os botando no topo de Portugal, assim como grandes figurões da música local. A capa, mostra a banda no estilo bem punk como se pode notar, roupas pretas e olhares sérios na qual Tim aparece sério segurando o baixo como se fosse uma espécie de aviso: somos nós os donos do pedaço, quem faz a coisa acontecer somos nós, e com letras de forte visão crítica, mas também apelando pro amor sem fugir do tom ativista presente nos versos de cada canção do disco. A começar aqui com a faixa inicial Contentores, que trata sobre a vida dos trabalhadores da coleta de lixo, com tons futurísticos, e no final há um grito de Tim e da banda pedindo "um pouco de fé", numa pegada bem pop oitentista, bateria programada e sintetizadores que combinavam com aquele clima que a música nos oferece; continuando, a próxima faixa também traz guitarras que chegam a gritar em Sai Prá Rua, não deixa a essência se perder, e até nos versos curtos a instrumentalidade prova que os Xutos não esqueceram do primor cru e sujo do punk rock, um tema relevante mesmo; na sequência, o repertório segue com ruídos de quem volta pra casa à noite, de animais e a temática apresentada em Pensão é a de um cara apaixonado por uma moça - possivelmente uma prostituta, e que oferece uma vida melhor "De qualquer maneira/Tiro-te daqui/Daqui para outro lado/Onde possa mexer em ti" e pode ser comprovado (ou não) a teoria que citei em "Num quarto alugado/Numa pensão qualquer/Vais ter de me dar/O que tens a oferecer" não deixam mais outras suspeitas que se tenha noção nos versos desta; ainda mais por diante, nós temos aqui o lamento de um sujeito à beira do mar em Desemprego, com um toque bem blues-rock cheio de energia e de perfeição, até porque sendo punks, às vezes tem que fazer algo totalmente perfeito; e no próximo tema, há uma dose de suavidade, meio jazz, meio new age em Esta Cidade, na qual Tim vive um sujeito mais rebelde com passagens policiais, e que chega a ter um falso final, até que volta com as características sobre o personagem e suas características, e depois fecha com seus 2:24 que preenchem a primeira parte do álbum, ainda com um clima sonoro morno que não erra;em diante, temos aqui presente um dos grandes temas de destaque e que fez muito sucesso não só no disco mas em todos os recitais da banda, estamos falando de Não Sou o Único, que traz risadas no começo, que traz um verso muito citado para relembrar Zé Pedro falecido recentemente "E quando as nuvens partirem/O céu azul brilhará/E quando as trevas se abrirem/Vais ver o sol brilhará", trazendo um clima de positividade para a gente; para a próxima canção, temos uma sequência instrumental que vai até 1:20 quando Tim entoa os versos de N'América, que fala um pouco sobre a evolução do consumismo, o mundo moderno e tudo mais que se imagina; em seguida, outra pedrada com seus menos de 5 minutos, um tema que também não faz feio conosco e mostra o peso e toda a essência que o Xutos há de oferecer em Vida Malvada, outro grande hit do grupo, e que seguiu presente nas apresentações do conjunto mundo até hoje; e fechando o disco, com uma entrada de bateria programada, com um riff marcante de guitarra, e o sax de Gui, temos aqui Circo de Feras, que eternizou para sempre o grupo, com versos que ficam na nossa mente, e repleto de "quero-te tanto" que faz soar como uma canção de amor até, regravada 12 anos depois pelos Titãs no álbum de covers As Dez Mais, uma das únicas interpretações de artistas não-brasileros, e depois vieram a fazer show juntos no palco Sunset do festival Rock in Rio em outubro de 2011 devolvendo essa reverência a Tim, Zé Pedro e cia. Passados os anos, o sucesso que a banda teve graças a este disco e também ao seu sucessor 88, o grupo nunca teve que parar - apesar de um período meio obscuro em que Gui ficou afastado do grupo por alguns anos e voltou à tempo de participar da turnê de 2001 que resultou no registro ao vivo Sei Onde Tu Estás! do ano seguinte, e em 2009 o álbum foi eleito como o 7º dos 40 melhores álbuns portugueses dos anos 80, atrás de clássicos como Independança dos GNR e do clássico Ar de Rock, de Rui Veloso, também grandes clássicos desta geração.
Set do disco:
1 - Contentores (Tim/Zé Pedro/João Cabeleira/Kalú Ferreira/Gui)
2 - Sai Prá Rua (Tim/Zé Pedro/João Cabeleira/Kalú Ferreira/Gui)
3 - Pensão (Tim/Zé Pedro/João Cabeleira/Kalú Ferreira/Gui)
4 - Desemprego (Tim/Zé Pedro/João Cabeleira/Kalú Ferreira/Gui)
5 - Esta Cidade (João Gentil/Tim/Zé Pedro/João Cabeleira/Kalú Ferreira/Gui)
6 - Não Sou o Único (Tim/Zé Pedro/João Cabeleira/Kalú Ferreira/Gui)
7 - N'América (Tim/Zé Pedro/João Cabeleira/Kalú Ferreira/Gui)
8 - Vida Malvada (Tim/Zé Pedro/João Cabeleira/Kalú Ferreira/Gui)
9 - Circo de Feras (Tim/Zé Pedro/João Cabeleira/Kalú Ferreira/Gui)

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