Um disco indispensável: The Voice of Frank Sinatra - Frank Sinatra (Columbia Records, 1946)

E assim nasceu o LP. O disco de vinil. Maior que os compactos. Com capa e tudo. Mas ainda portava os compactos em 78 rpm, mesmo assim. No mínimo 4 apenas. E de quem era o primeiro disco? O primeiro deste formato? O primeiro disco era de ninguém mais, ninguém menos de que Frank Sinatra, o maior cantor que já existiu na história da música. Mas, antes de falar sobre este disco, vamos voltar ao começo de tudo. Muito antes de ser o homem que encantou multidões, o homem que cantava Strangers in the Night, o homem de I've Got You Under My Skin, o homem de In The Wee Small Hours, o homem de New York, New York e também o homem de My Way, o mundo ainda não tinha lugares com seu nome, estrela na Calçada da Fama de Hollywood, diversos Oscars e Grammys ou ainda mais certificações de discos de ouro, platina e diamante quando em 12 de dezembro de 1915, na pequena Hoboken, cidade do estado norte-americano de New Jersey, um casal de origem italiana  acabava tendo um garoto, que nem imaginava que o mundo o veneraria mais tarde. Seu nome? Francis Albert Sinatra, que mal nasceu e já começou a ter uma passagem triste na sua infância - a começar pelo parto, que foi traumático, pois os fórceps deixaram sequelas nele, como um tímpano perfurado, uma cicatriz atrás da orelha e do pescoço e só foi batizado em abril de 1916. Desde pequeno, Sinatra desenvolvera uma personalidade forte, debochada e revoltosa, devido ao boxe, paixão que herdou do pai, o siciliano Antonio Martino Sinatra Saglimbeni, boxeador profissional na categoria peso galo e dono de uma taberna que atendia de noite, pois era bombeiro de dia. Sinatra começou a desenvolver seu talento para cantor na taberna de seu pai ainda na primeira metade da década de 1920, acompanhado por uma pianola, e depois de um ukulele. Na época, o jovem Frank desenvolvera um estilo misturado, que tinha como principais referências os grandes Bing Crosby, o primeiro cantor de grande sucesso na época e pioneiro do artista multimídia no século XX, e Al Jolson, que em 1927 chocou o público no filme O Cantor de Jazz (The Jazz Singer - título original) usando uma blackface para incorporar um personagem negro - o que hoje seria considerado extremamente racista demais para os justiceiros sociais. Eis que, em 1932, vem a conhecer sua primeira esposa, Nancy Barbatos, também mãe de seus 3 filhos: Frank Jr., Nancy e Tina, e foi com ela que viu Bing na que seria sua última aparição em palco, e depois se encontrariam anos mais tarde, quando este rapaz de New Jersey já estava dando passos maiores. Mais adiante, a sua trajetória como cantor ganha passos maiores ainda, pois em 1934 começara a participar do concurso radiofônico Major Bowes Amateur Hour, e se apresentava acompanhado dos Three Flashes, que depois seriam chamados como The Hoboken Four, e que lhes rendeu o 1º lugar, com um prêmio importante: uma turnê patrocinada pelo programa, mas as desavenças com seus companheiros foram maiores que tudo e Sinatra voltou pra casa. Mas, com a experiência que vinha desenvolvendo como cantor de rádio, ele acabou descobrindo que tinha um timbre vocal diferente de Crosby, de Jolson, e com essa passagem como cantor de rádio, fez tornar-se popular em toda a América através daí, e foi assim que o mundo inteiro também conheceu Frank Sinatra, pelas ondas sonoras (ainda que com chiados e tudo) do rádio. 
Mas, como em todo seu grande começo, sempre tem um pequeno impasse para deixar a carreira um pouco complicada, algum episódio osso dentro disso tudo, e foi uma prisão em 1938 (que até rendeu uma imagem famosa), por se envolver com uma moça - casada por sinal, o que rendeu uma imagem suspeita ainda, pois se diz que houve adultério. Mas, no ano seguinte, viu a sorte grande acontecer: já casado e tendo experiência na rádio, Sinatra iniciara sua jornada de vez sendo um dos crooners da orquestra de Harry Arden, e depois consolidara-se verdadeiramente como um artista a nível nacional. Começava a ser reconhecido por nomes diversos, dentre eles, Harry James, trompetista da famosa orquestra de Benny Goodman, e que para tentar se manter em turnê com uma das orquestras mais populares, iria ter muitos desafios, situações financeiras, e até que segurar pra poder sustentar os filhos, pois Nancy já tinha dado a luz de duas crianças naqueles tempos. A orquestra chegou a se dissolver, mas Sinatra acabou sendo chamado para fazer parte de outro band leader, Tommy Dorsey - que juntamente de Goodman, de Count Basie e de Glenn Miller - formavam uma espécie de grupo sagrado dos regentes de orquestra, acabou dando uma visibilidade maior, e logo em seguida, assinava um contrato com a Columbia Records em 1942, a sua primeira gravadora onde fez seus primeiros registros fonográficos, considerados clássicos logo direto. Com uma gravadora e muitos shows ao redor da América, foi assim que se construiu um grande ídolo do pop e também um dos maiores nomes da história da música, obviamente. Passados os anos, estando entre os cantores mais populares, e fazendo um imenso sucesso entre as mulheres - que se desesperavam para conseguir alguma coisa dele, foto ou autógrafo (inclusive, foi o crush/amor platônico de eternas jovens daquela geração), em junho e em dezembro de 1945, grava algumas músicas que se resultaram num material que estaria tudo junto em uma caixinha com uma imagem, e dentro uns quatro compactos: assim surgiu o long-play, o famoso LP. Com uma contracapa, e oito faixas (duas em cada compacto), o álbum The Voice of Frank Sinatra, seu primeiro registro completo na discografia, entra para a história da música com este trabalho lançado em março de 1946, com a orquestra de Axel Stordahl, conseguiu mudar de vez o universo da música e do mercado fonográfico em especial.
Sinatra e Axel Stordahl em estúdio, nos anos 1960, anos depois
do álbum "The Voice" lançado pela Columbia.
Para falarmos sobre este álbum, The Voice of Frank Sinatra, vamos também tratar de um contexto histórico, o disco surgiu em meio a tantos fatos históricos: o mundo estava de boas com o final da II Guerra Mundial, embora muitas vidas haviam sido perdidas, inclusive, a do maestro Glenn Miller, mas ainda haveria um legado trágico deixado no Japão após a bomba atômica que tirou vidas em Hiroshima e Nagazaki. Os EUA ainda começavam uma guerra pesada contra a então União Soviética, que envolvia para ver quem tinha mais armamento e quem iria conquistar o espaço - o que resultou na Guerra Fria, e que duraria até a derrubada da URSS apenas 45 anos depois. Desde então, o mundo começou a mudar pelos conceitos, tanto pelo político e social, quanto da questão de avanços na tecnologia, o mundo ia mudando de vez, a televisão - nova companhia da sociedade para se entreter - ainda era algo que só viria ao Brasil anos mais adiante, mesmo porque o único jeito de entreter o público ainda era o rádio, aonde a voz de Sinatra ganhou presença mundialmente. Com isso, vamos resumindo este trabalho como sempre, faixa por faixa: a começar com You Go to My Head, que começa com doces melodias de cordas, que são sucedidas pelo vozeirão de Frank, nos fazem se sentir apaixonados, com a cabeça em outro planos, é um dos grandes temas de destaque deste trabalho; já mais adiante, temos aqui uma da dupla George e Ira Gershwin, que fez Someone to Watch Over Me, com seu belo conjunto de harmonias em mais de três minutos, e é algo indescritível mesmo; outro clássico muito conhecido por nós que figura neste disco é These Foolish Things (Remind Me of You), que aqui na sua voz trouxe uma potência enorme e é um tema que todos os fãs reconhecem a versão deste álbum com os arranjos; e para completar, ainda temos também neste repertório um tema do lendário compositor Cole Porter, que foi diversas vezes regravado por Frank, e Why Shouldn't I? traz uma sutileza melódica nos arranjos dignos de temas dos anos 40, que ganham os ouvidos e os corações de diversos fãs, não importando a geração que veio - se junto dele ou depois dele; ainda podemos contar também com I Don't Know Why (I Just Do), que complementa o repertório e mantendo esse equilíbrio entre as canções, ainda com uma guitarra a se juntar nesse conjunto de harmonias da canção; e um outro grande tema de destaque presente neste disco é Try a Little Tenderness, um clássico originalmente feito em 1932 composto por Jimmy Campbell, Reginald Conelly e Harry M. Woods, uma das mais belas canções que depois ganhou também a voz de Patti Page, Sammy Davis Jr, Tom Jones e a imortal versão do lendário soulman Otis Redding, exatas duas décadas depois da versão do vozeirão de Hoboken, para ser mais preciso; na sequência, o disco ainda conta com um tema de um dos cantores que se tornou referência para ele - Bing Crosby, que juntamente de Ned Washington e Victor Young compuseram (I Don't Stand) A Ghost of Chance, que aqui não decepciona a gente de vez ao ouvir, e Bing deve ter gostado também; e para fechar o disco, nós ainda temos a faixa Paradise, uma das mais antigas canções deste disco, é de 1931, e é da autoria de Nacio Herb Brown em parceria com Gordon Clifford, e acaba combinando com o final do disco, com a voz bem suave e os arranjos com tons quase calmos, fechando assim o primeiro de muitos discos da carreira dele. Apesar de não estar em muitas listas, ele merece valor pela forma como introduziu o formato de disco mais completo, ainda que sendo um mero conjunto de 78rpms na época, e como disse, mudou para sempre, a forma de consumir música, que nunca deixou de ser coisa ultrapassada até hoje.
Set do disco:
1 - You Go to My Head (Haven Gillespie/J. Fred Coots)
2 - Someone to Watch Over Me (George Gershwin/Ira Gershwin)
3 - These Foolish Things (Remind Me of You) (Holt Marvell/Jack Strachey/Harry Link)
4 - Why Shouldn't I? (Cole Porter)
5 - I Don't Know Why (I Just Do) (Roy Turk/Fred E. Albert)
6 - Try a Little Tenderness (Harry M. Woods/James Campbell/Reginald Connelly)
7 - (I Don't Stand) A Ghost of Chance (Bing Crosby/Ned Washington/Victor Young)
8 - Paradise (Nacio Herb Brown/Gordon Clifford)

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