Um disco indispensável: OK Computer - Radiohead (Parlophone Records, 1997)

No decorrer dos anos 1990, grupos diversos tentavam romper barreiras, fazer um som sem comprometer com um tempo que as rádios exigiam ou o excesso de barulhos e seguirem o emblema do-it-yourself, faça você mesmo, embora muitas bandas tenham saltado ligeiramente para o mainstream, e mudado um pouco o jeito de fazer música. Talvez algumas conseguiram se manter fieis ao som que fazem pelo público e pela crtítica, e algumas mudavam, ficavam mais uns dois discos e terminavam de vez, pois pareciam comerciais demais para aquele público. É, e eu acho que uma das poucas bandas que conseguiu inovar e agradar os fãs de verdade foi o Radiohead, que não estava para os clichês do grunge e do britpop e se manteve na crista da onda graças à música Creep, do seu primeiro álbum intitulado Pablo Honey (1993), mas ainda estava vivendo muito preso ao sucesso desta até lançarem The Bends, em 1995, outro grande álbum da banda que também foi relevante para a carreira da banda. Para a banda de Thom Yorke - vocalista, guitarrista e a principal cabeça pensante por trás de todas as canções do grupo, os irmãos Greenwood: Colin, nos baixos e sintetizadores, mais a percussão, e Jonny, na guitarra, pianos e teclados, somando o guitarrista Ed O'Brien e o baterista Phil Selway, nada estava perdido, mas nada mesmo, e o grupo parecia estar buscando novas formas de lançar sons que agradassem crítica e público, e unindo o útil ao agradável ao mesmo tempo, para ser bem preciso. Pois bem, o grupo estava preparando mais um grande trabalho já em 1996 após uma colaboração a pedido de Brian Eno - uma faixa para o  disco de caridade The Help Album, organizado pela instituição The War Child, e desta vez com um parceiro fixo definitivo nas produções deste álbum, Nigel Godrich estava colaborando em definitivo com o Radiohead desde The Bends, e na altura do campeonato, já era visto como um sexto integrante do grupo. No começo daquele ano, a banda juntamente de Godrich iniciava as atividades de produção deste álbum com as primeiras quatro faixas que fariam parte de OK Computer, e sem pressão da Parlophone (leia-se: a mesma gravadora dos Beatles), que deram a eles 100 mil libras esterlinas para realizarem e não deram um prazo definitivo, ou seja: cagaram e andaram pro próximo disco e duvidaram de que não seria um grande sucessor de The Bends - mas se enganaram ao ouvirem o resultado. Sem ser totalmente comercial, o álbum OK Computer conseguiu ser um grande divisor de águas na carreira do grupo: algo que eles imaginavam ser o som que seria feito daqui a 10 anos, concretizado, e totalmente experimental. Godrich ficou apenas dando assistência e ajudando como podia, como técnico de gravação e também intermediando nas sessões realizadas e ajudar, e nesse processo, desenvolvido entre a turnê de verão com Alanis Morrisetette até o ano seguinte, o material foi inicialmente produzido em Didcot (cidade do estado de Oxfordshire), nos estúdios Canned Applause a partir de julho e encerrados na lendária mansão St. Catherine Court - em Bath, as cordas só vieram ser gravadas em janeiro de 1997 - cinco meses antes da entrega do produto - nos estúdios da Abbey Road, e a mixagem demorou apenas dois meses porque Godrich trabalhava muito em uma música por dia, um desafio e tanto. 
Dito e feito, o trabalho, quando apresentado, trouxe muitas dúvidas sobre o quanto iria vender, esperavam que fossem menos de milhões de cópias, mas em questão de meses, o álbum vendeu 9 milhões de cópias - e esteve no topo dos 200 álbuns semanais da Billboard, dá pra acreditar? É, parece que este trabalho superou várias expectativas da gravadora e se tornando o favorito de muita genteO disco já traz um conceito de capa totalmente incrível: uma colagem de imagens feita através do computador por The White Chocolate Farm - pseudônimo usado por Yorke, conseguiu ser uma das melhores capas já feitas nos 90, óbvio, juntando outras tantas capas excelentes. Vamos abrindo a análise das faixas com Airbag, que traz fuzzes de guitarras estridentes, e cuja letra teve sua origem em um acidente que Yorke sofreu no final dos anos 1980 e que o fez pensar muito sobre a vida, a bateria - ou o sampler dela - foi editada em um computador Macintosh e prova que a banda conseguiu fazer um som que agrade mesmo; a próxima faixa foi a que me levou realmente a gostar da banda há anos atrás - Paranoid Android, que é dividida em quatro partes no decorrer de seus 6 minutos e 25 segundos, algo que nos remete a Beatles (faixas como A Day in the Life e Happiness is a Warm Gun basicamente), Queen (Bohemian Rhapsody de forma óbvia) e Pixies - começa com uma vibe bem acústica, depois ela vai ganhando tons mais agressivos, e depois vai diminuindo, até voltar para o momento pesado - a música foi escrita por Yorke após uma noite que não o agradou num bar de Los Angeles, onde viu uma mulher reagir de forma violenta uma pessoa que derramou uma bebida sob ela, olha só de onde o cara tira inspirações pra fazer canções brilhantes como esta, o grande destaque deste álbum e de todo o conjunto da obra da banda; temos na sequência o tom profundo e sombrio instrumentalmente e que carrega referências do progressivo e do space rock, e é com esse clima de ficção científica que vamos falando aqui sobre Subterranean Homesick Alien, onde temos um narrador isolado em seus relatos com fantasias sobre ser abduzido por alienígenas, o título da faixa é uma alusão à Subterranean Homesick Blues, de Bob Dylan, e também carrega influências de um grande álbum de Miles Davis - o clássico da fase fusion Bitches Brew, de 1970, é peça constante na sonoridade do disco em todo; outra faixa que traz uma profundidade sonora de impressionar é Exit Music (For a Film), baseada na obra de William Shakespeare - a clássica Romeu & Julieta, e aqui ela é totalmente acústica no começo e depois ganha mais corpo sonoro, mas também traz experimentos com pedal e um coral feito por Mellotron e no final encerra-se apenas Yorke com o barulho de mar ao fundo; em seguida, temos neste disco o tema Let Down, bem baladista na pegada, e com referências sonoras ao estilo Phil Spector de fazer músicas, o famoso Wall of Sound, onde reverberaram as camadas instrumentais, mas que traz aqui uma letra de emocionar a gente, tal como boa parte deste trabalho; a faixa seguinte também traz essa atmosfera melódica que reina de forma soberana no disco e não decepciona a gente, em Karma Police, onde Yorke canta o refrão "This is what you get/This is what you get/This is what you get/When you mess with us" (Isso é o que você obtêm/Isso é o que você obtêm/Isso é o que você obtêm/Quando você está conosco - tradução livre) em um tom sofrível para quem fez tudo por algo/alguém e não foi recompensado, profundo de verdade mesmo.
Mais adiante, nós temos a faixa Fitter Happier, a mais curta do disco, com uma pegada bem musique concrete, com versos entoados por uma voz sintetizada de um aplicativo da Macintosh chamado Fred para recitá-los, e que por pouco chega a se tornar a faixa de abertura do disco, um dos principais samples vêm do filme de 1975 Three Days of Condor, algo bem viajante mesmo essa faixa e seus menos de dois minutos; a faixa que vêm a seguir é o que difere essa maluquice eletrônica da anterior, Electioneering, mais pesada e totalmente roqueira, aqui as guitarras gritam de forma plena, onde uma delas, distorcida, carrega um solo envolvente, seguido de um cowbell (bem rock setentista, né gente?!) que ajuda na marcação do ritmo, traz um ambiente politizado e crítico nos versos, algo que torna a ser notável em diversas canções do grupo, e com referências ao livro Manufacturing Consent, escrito por Noam Chonsky, onde fazem uma análise da mídia como um negócio - bem a fundo os caras foram nas ideias para a letra da canção; de acordo com a lendária revista Melody Maker, a faixa seguinte, Climbing Up the Walls é um caos monumental, baseada em uma peça musical clássica do compositor polonês Kryzstof Penderecki, intitulada Threnody to the Victims of Hiroshima, e um tema que aqui Yorke canta com um tom mais melancólico, e a melodia arrepia todos os pêlos do corpo ao ouvirmos, de tão marcante que é; outra faixa aqui que se destaca muito, seja pelo conjunto de melodias que diferem ou seja pela letra, é No Surprises, que traz no início um piano suave, e que depois de meio-minuto entra a voz de Thom em uma levada que lembra um pouco a pegada de Wouldn't It Be Nice dos Beach Boys, mas também tenta fazer uma adaptação da pegada de What a Wonderful World de Louis Armstrong, ela apresenta uma coisa que lembra um pouco a vibe de Marvin Gaye - quase uma salada dentro dessa obra-prima do conjunto, que une a suavidade acústica recheada de violões, glockenspiel e um pouco da coisa mais elétrica nas melodias - um tema de respeito também aqui neste disco; mais em diante, os efeitos da Guerra da Bósnia, que teve sido colocado na tal faixa do The Help Album, mantêm-se aqui em Lucky, que foi inspirada nesses conflitos no país, traz uma poesia politicamente explícita, a mais crítica político-social de todas as canções deste álbum, e a sua sonoridade ajuda um tanto nisso, pois lembra também um pouco Pink Floyd e duas canções desta banda - a suíte Atom Heart Mother, do disco homônimo de 1970, e também Breathe - olha as referências, cara! E é simplesmente um som que vale muito a pena, de verdade; ainda temos aqui a faixa que encerra esta obra-prima, estamos falando de The Tourist, e ela é um pouco baseada na experiência que teve com os turistas americanos na França que estavam tentando ver todas as atrações turísticas possível, e a sonoridade que une a valsa e o blues chega ao seu estágio completo de melancolia sonora definitivamente, é o que te faz sentir no fundo de tudo e encerra definitivamente com chave de ouro. Em suma, era tudo que a banda queria dizer através de canções deste álbum: crescimento do consumismo, alienação social, isolamento e divergências políticas, conseguiu mostrar nesse disco uma visão do estilo de vida do século XXI, e é esse disco que antecipa o que seria a música desse período mais adiante.
O título OK Computer, aliás, foi extraído originalmente de uma série de rádio intitulada O Guia do Mochileiro das Galáxias, de 1978, em que o personagem Zaphod Beeblebrox diz "Okay, computer, I want a full manual control now" (Ok, computador, eu quero o completo controle manual agora - tradução livre), algo bem futurístico mesmo.Não precisamos dizer muito neste post o quanto este disco influenciou uma geração em diversos setores da música e do rock, seja a que veio antes e a que veio depois deste disco, e posso dizer que o rock conseguiu se salvar através deste clássico da banda, e também deu ao grupo diversas nomeações de melhores do ano, como da própria New Musical Express, da Melody Maker e da Rolling Stone, à época, ficando com o vice em quase todas elas, e hoje figura na lista da RS dos 500 Maiores Álbuns de Todos os Tempos na 162ª posição, enquanto na lista dos 100 Maiores Álbuns dos anos 90 ele aparece em 3º lugar. Também está na famosa e já repetida lista do livro 1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer, provando ser um álbum eterno para muita gente, que se influenciou através deste álbum e decidiu também pegar carona na vibe sonora deste disco mais adiante: triste, profunda, emocionante, mas que se tornou uma obra de arte que precisa ser ouvida e compreendida com o passar dos anos.
Set do disco:
1 - Airbag (Thom Yorke/Colin Greenwood/Jonny Greenwood/Ed O'Brien/Phil Selway)
2 - Paranoid Android (Thom Yorke/Colin Greenwood/Jonny Greenwood/Ed O'Brien/Phil Selway)
3 - Subterranean Homesick Alien (Thom Yorke/Colin Greenwood/Jonny Greenwood/Ed O'Brien/Phil Selway)
4 - Exit Music (For a Film) (Thom Yorke/Colin Greenwood/Jonny Greenwood/Ed O'Brien/Phil Selway)
5 - Let Down (Thom Yorke/Colin Greenwood/Jonny Greenwood/Ed O'Brien/Phil Selway)
6 -  Karma Police (Thom Yorke/Colin Greenwood/Jonny Greenwood/Ed O'Brien/Phil Selway)
7 - Fitter Happier (Thom Yorke/Colin Greenwood/Jonny Greenwood/Ed O'Brien/Phil Selway)
8 - Electioneering (Thom Yorke/Colin Greenwood/Jonny Greenwood/Ed O'Brien/Phil Selway)
9 - Climbing Up the Walls (Thom Yorke/Colin Greenwood/Jonny Greenwood/Ed O'Brien/Phil Selway)
10 - No Surprises (Thom Yorke/Colin Greenwood/Jonny Greenwood/Ed O'Brien/Phil Selway)
11 - Lucky (Thom Yorke/Colin Greenwood/Jonny Greenwood/Ed O'Brien/Phil Selway)
12 -  The Tourist (Thom Yorke/Colin Greenwood/Jonny Greenwood/Ed O'Brien/Phil Selway)

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