Um disco indispensável: Guitarra Portuguesa - Carlos Paredes (Columbia/EMI Valentim de Carvalho, 1967)

Fala-se que não existem grandes músicos portugueses. Isto está errado. Pois até hoje não vejo muitos críticos brasileiros falarem de Carlos Paredes, mestre das cordas, um guitarrista genial. Mas não falo da guitarra elétrica de Jimi Hendrix, Eric Clapton, Steve Vai não... falo mesmo é da guitarra portuguesa, com certeza! Sim, a guitarra portuguesa, instrumento que lembra um bandolim, com um braço até pouquinho maior que o mesmo, ela é um instrumento que ganhou seu valor com o passar dos anos, e tem três tipos de guitarras: a de Coimbra, a de Porto e a de Lisboa, e cada uma das três se distinguem pelas afinações e pelo tamanho, óbvio. A história do talentoso Paredes quase se confunde com a do próprio fado, pois é filho de compositor e guitarrista Artur Paredes, neto e bisneto de Gonçalo e António Paredes, ou seja: seu sobrenome carrega peso e leva dentro de si a música. Nascido na capital do amor em Portugal, a famosa Coimbra em 16 de fevereiro de 1925, oito anos antes do início da ditadura de Salazar, foi aprender com o pai a tocar guitarra aos quatro anos, porém sua mãe queria que ele tocasse piano, e começa também a aprender violino na Academia de Amadores de Música, e aprendeu com duas senhoras o piano e o violino, meio que por vontade de sua mãe. Aos 9 anos, vai para Lisboa com a família, pois seu pai trabalhava como funcionário do BNU e larga de vez o piano e o violino, e se dedica apenas à guitarra. Em entrevistas feitas mais tarde, ele assume que começou a fazer sons e descobrir seu estilo de tocar guitarra, muito diferente de seu pai e de seu avô - vindo pela frente um músico de personalidade impressionante. No final dos anos 1940, encerra os estudos num colégio particular e começa a colaborar com seu pai na Emissora Nacional e trabalha como funcionário administrativo do Hospital São José. Porém, assim como muitos artistas, Paredes sofreu a perseguição do regime salazarista, e foi preso pelo PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado) pelo fato de se opor ao governo ditatorial português e assim, vivendo muitos de seus anos, combatendo através de suas músicas - um dom hereditário. E foi assim, nesse período meio negro em que esteve atrás das grades por militar no Partido Comunista, ficou um tempo distante dos palcos, sem poder tocar os portugueses com sua canção, e fora denunciado por um colega de trabalho no hospital. Mas deu a volta por cima na década de 1960, primeiro compondo a trilha sonora do filme Os Verdes Anos, a convite do cineasta Paulo Rocha, e acabou tendo um enorme reconhecimento pelo seu trabalho ao compor a trilha sonora deste filme. Mais em diante, sairia a acompanhar nomes como Carlos do Carmo e também Adriano Correia de Oliveira, dois grandes nomes da música portuguesa e dos fados, para ser mais específico, e seguiu compondo para filmes até que lançasse um álbum individual mostrando todo o seu talento através de Guitarra Portuguesa, seu primeiro álbum, gravado nos estúdios de Paço de Arcos da lendária gravadora Valentim de Carvalho, com o engenheiro Hugo Ribeiro registrando tudo e acompanhado por Fernando Alvim na viola.
Neste disco, o guitarrista consegue romper um conceito de se manter preso à tradição no instrumento, meio minimalista, no estilo das guitarras de Coimbra, e tende a construir peças sonoras e clássicas a cada melodia, como se fosse guitarra clássica: esse é o Carlos Paredes instrumentista, dono de um perfeccionismo incrível. Para falarmos sobre este disco, já começamos bem, a Variações em Ré Menor nos orienta de cara a um som que lembra pouco as cantigas medievais, às origens de Portugal, com os solos mais maravilhosos, deixa o som fluir mais nos nossos ouvidos; já na faixa seguinte, Porto Santo, talvez não seja aquele tema que esperávamos no começo, mas quanto mais se aprofunda nesse universo muscal dele, mais se entende a linguagem sonora proporcionada; e se é para viajarmos nesse universo musical, que seja repleta de Fantasia, uma das melhores faixas deste álbum, talvez, a mais repleta de solos encantadores, apenas isto; já os tons mais tristes deste disco estão em Melodia Nº 2, com um peso bem ao nível de um fado que arrepia os ouvidos dos mais fieis ouvintes e fãs do gênero; e quando é para animar um pouco, temos Dança com um ritmo mais festivo e alegre pelos tons, como se estivesse sendo executada em alguma festa portuguesa onde o vinho e a boa comida nunca faltam para complementar - aliás - uma boa opção como música-ambiente desse tipo; e aqui também é revivido um pouco dos temas feitos para o cinema, e é o caso de Canção Verdes Anos, que fora feita para o filme de Paulo Rocha em 1962 e ajudou a ter seu talento reconhecido, aqui mantendo sua boa essência que agrada os amantes da guitarra; na sequência, temos Divertimento, que parece estar perdendo o ritmo e a magia, mas ela traz uma sensação da poesia lusitana através das melodias, e isso é maravilhoso por demais até; na sequência, temos os Romances Nºs 1 e 2, os melhores momentos desse disco em geral enquanto o Romance Nº 1 apresenta uma identidade mais clássica e de forte peso melódico que lembre as velhas cantigas, já no Romance Nº 2 você acaba se encantando ainda mais pela dosagem de sentimentalismo musical, e pelo momento em que chega a imitar uma harpa no meio da música - também com ares voltados um pouco para o erudito, talvez recordava nos acordes um pouco do que aprendeu com seu Artur basicamente; se nos Romances tivemos uma dose extrema de clássico, já em Pantomina, ainda carrega toda a linguagem sonora portuguesa por cada acorde executado, traz essas raízes com um pouco de inovação ao tocar, soa como uma peça musical de Beethoven ou de Handel, óbvio que nem tanto, né? E para terminar, temos a Melodia Nº 1, bem executada e sem fugir da intenção que é mexer nossos ouvidos e corações com seus fados instrumentais, e nos põe de pés no chão ao fim de sua viagem sonora pelo seu universo guitarreiro, uma viagem instrumental que vale muito a pena mesmo ser ouvida.
Com o passar dos anos, Paredes têm levado seu som ao redor do mundo, enchido casas de espetáculos ao redor do mundo, e deixando sua marca às vezes em filmes, ou colaborando com outros nomes da música, mas acabou passando por problemas de saúde a partir de 1992 e iniciara seu afastamento dos palcos aos poucos devido à mielopatia, uma doença do sistema nervoso central que o impedia de tocar, vindo a falecer 11 anos depois, em 23 de julho, considerado o dia em que as guitarras choraram pelo seu maior ícone. O disco foi escolhido pela Blitz como um dos melhores álbuns da música portuguesa dos anos 60, e até hoje é ponto de referência para os músicos, sendo assim um clássico de respeito que serve como uma aula de aperfeiçoamento na guitarra, que é autêntica e portuguesa, ó pá.
Set do disco:
1 - Variações em Ré Menor (Carlos Paredes)
2 - Porto Santo (Carlos Paredes)
3 - Fantasia (Carlos Paredes)
4 - Melodia Nº 2 (Carlos Paredes)
5 - Dança (Carlos Paredes)
6 - Canção Verdes Anos (Carlos Paredes)
7 - Divertimento (Carlos Paredes)
8 - Romance Nº 1 (Carlos Paredes)
9 - Romance Nº 2 (Carlos Paredes)
10 - Pantomina (Carlos Paredes)
11 - Melodia Nº 1 (Carlos Paredes)

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