Um disco indispensável: Never Mind the Bollocks, Here's the Sex Pistols - Sex Pistols (Virgin Records, 1977)

Dez anos depois da efervescência e do florescer psicodélico, Londres parecia mudar o conceito de cultura, os hippies eram poucos, mas também já não havia um clima para a geração que curtia rock progressivo e semelhantes: em todo o lugar que iam, havia frases detonando bandas como Pink Floyd, que à altura estavam com o álbum Animals, totalmente diferente do que se estava sendo feito, e também dizeres pedindo a morte da rainha Elizabeth e de toda a família real britânica. O underground britânico respirava a bandas que vomitavam - literalmente e musicalmente, gritavam nas guitarras e seus ideais originavam-se do movimento anarquista. Roupas coloridas e cheia de referências indianas, com desenhos totalmente de ares lisérgicos? Não, a moda agora eram roupas rasgadas, calças jeans surradas, jaquetas de couro e coturnos, as camisetas também tinham rasgos, além de pulseiras com tachinhas... ah, e não vamos esquecer dos cabelos, em especial o popular moicano, aonde você raspava pelos lados e ajeitava parecendo quase um nativo indígena, até mesmo com as cores que você podia deixar seu moicano. A moda punk - baseada no estilo teddy boy dos anos 50 com um pouco de bagunça e que estava sendo revivido - tinha seus principais propagadores, dentre eles os Sex Pistols, um grupo de rock vindo da própria London que têm suas origens lá por volta de 1972, quando ainda era um simples trio formado pelo guitarrista e fundador Steve Jones - na época vocalista, o baterista Paul Cook e o guitarrista Wally Nightingale: ambos roubavam instrumentos esquecidos nas casas de shows precárias, e mesmo assim tentavam se arriscar como uma banda de garagem, de baixa repercussão na cena. Tudo começou a mudar depois que houve uma invasão norte-americana na terra do chá e das raízes do futebol, através da banda The New York Dolls, que acabaram sendo quase uma novidade aqueles rapazes travestidos como mulheres vindos para o país com a ajuda de um sujeito Malcolm McLaren, empresário e dono de uma loja de roupas com sua namorada Viviene Westwood, estilista, a Sex, e dentre os clientes, um rapaz que vestia uma camiseta escrita "I hate Pink Floyd" e um cabelo todo zuado: era John Lydon, que depois viria a receber o célebre apelido de Johnny Rotten (Joãozinho Podre - tradução livre) pela sua falta de cuidado com a higiene bucal, coincidência né gente? Além de um jovem chamado John Simon Ritchie, com o cabelo bagunçado e que tinha o apelido de Sid Vicious, era um dos conhecidos frequentadores da loja Sex naquela época. E foi de McLaren o empurrãozinho definitivo para a banda acontecer, Jones já havia chamado Glen Matlock para o baixo antes, e como agora o novo manager tinha dado ao grupo o nome de QT Jones & His Sex Pistols, sabia que o seu local não estava como vocalista, então decidiu assumir as guitarras - Rotten foi chamado para ser o vocalista principal do grupo e: pronto, nascia os agora Sex Pistols. 
O grupo começou a fazer shows, com um público que variava da idade de 15 a 21 anos, e de cara conseguiram um contrato em 1976 com a gravadora EMI, aonde lançaram seu primeiro single: Anarchy in the U.K., um protesto que causou controvérsias no cenário musical britânico, e após uma apresentação célebre na televisão - onde abusavam de diversos palavrões, o grupo perdeu seu contrato da noite pro dia. Assim conquistaram as páginas dos tabloides, que os criticavam pelas suas atitudes e pelo comportamento que mostravam, e óbvio que era uma afronta ao povo britânico, sendo vistos totalmente como inimigos públicos. Mais em diante, chegaram a assinar com a A&M Records, cujo os artistas que mais vendiam no selo eram os Carpenters com suas músicas sofisticadas para a época, mas eles perderam o contrato antes de lançarem God Save the Queen e após ouvirem o não de diversas outras gravadoras, eles assinaram de vez com um pequeno selo na época, a Virgin Records, do hoje multibilionário Richard Branson, e como já tinham feito materiais nos estúdios Wessex com Chris Thomas, o mesmo se responsabilizaria sobre a produção do restante do material que complementaria um dos discos que agitou a cena britânica, e totalmente diferente de tudo que se estava sendo feito. Precisava-se de uma banda diferente daquelas que enchiam seus discos de faixas longas, com sintetizadores que pareciam ser ruídos futurísticos e que não tinham nada a ver com a Londres daquele momento: cheia de jovens que queriam combater o sistema, quebrar tudo e promover uma verdadeira anarquia - como no polêmico single. Sid Vicious - que substituiu Matlock a tempo nas gravações do álbum tocando baixo em duas faixas - se tornou um modelo dessa rebeldia, namorava Nancy Spungen, e viveram uma relação totalmente conturbada, movida a muitas drogas e isso custou muito caro para os dois, uma vez que Nancy veio a falecer após a banda se dissolver em 1978 - até hoje as causas são duvidosas, várias hipóteses como a de que o próprio Sid teria assassinado ela ou de que ela teria sofrido uma overdose. O polêmico baixista faleceu aos 21 anos mais tarde em New York, de uma overdose, enquanto dormia, e assim foi pra história como uma imagem do que era ser astro do rock no final dos anos 70: drogas, sexo e polêmicas eram a fórmula que construiu esse mito e outros tantos que já nos deixaram. O título do disco era Never Mind the Bollocks, outra polêmica dentro deste disco: o "Bollocks" se referia a testículos em um britânico mais informal, porém se diz que referia-se a sacerdotes ou também o termo escrotos "nunca ligue para os escrotos", e a capa era uma ideia bolada de Jamie Reid, uma forma meio artesanal e independente de conceber a capa, como se extraísse as palavras e as letras de recortes de jornais e revistas: totalmente original.
Com 12 faixas, mesmo que algumas prensagens originais vinham com uma faixa meio de fora, o disco já chegou causando nas lojas, quando foi lançado em 28 de outubro de 1977, muitos varejistas o proibiram o único disco da banda por conter letras obscenas, vulgares e que não traziam valores educados para os ingleses - ou seja, não havia perdão para uma banda nada a ver com o que a Inglaterra havia de melhor. Ponto para as lojas independentes, que ajudaram nas vendagens e a fazer o disco estar entre os mais vendidos durante um breve período, e a banda começou a decair mesmo assim, se separando em janeiro de 1978, com todas as polêmicas e o caos que era a vida da banda, até a impressão dos locais por onde passavam. Bom, chega de conversa e vamos entendendo aqui o disco através das faixas, começando por Holidays in the Sun, que começa com batidas e uma marcha militar, bem crua e suja, a guitarra de Steve Jones consegue gritar de forma alta e o som prova para o que eles vieram - o grupo escreveu este tema após um período de descanso na Alemanha Oriental, merecidos por sinal; em seguida temos a faixa Bodies, onde Rotten vem a cantar sobre engravidar e em seguida abortar a criança - aliás, um tema muito polêmico para ser discutido naqueles tempos, e o peso segue com tudo; ainda temos um momento total guitar hero de Jones em No Feelings, uma das canções mais curtas do disco aonde o eu-lírico assume não ter nenhum sentimento, a não ser para ele mesmo, algo meio nonsense, mas que agrada mesmo assim; já na sequência, ainda temos Liar, um tema já bem mais redundante - a mesma pegada, a mesma levada de guitarra - óbvio que tem uns certos riffs no meio e tudo, tratando sobre alguém que mente e acaba sendo colocado em suspensão de forma autoritária - por enquanto, beleza; a faixa a seguir é um destaque e tanto deste disco, estou falando de God Save the Queen, uma crítica impiedosa ao império britânico, à família real, em especial a rainha Elizabeth, que teve seu rosto tampado pelo letreiro que levava o nome da canção e da banda na capa do single, lançado em maio, com uma apresentação do conjunto às margens do rio Tâmisa em meio a celebração do jubileu de prata (leia-se 25 anos) da rainha, e o título foi tirado simplesmente do hino oficial, olha só que incrível né gente?! Mais adiante, ainda temos Problems, um tema aonde podemos notar no decorrer da canção as narrativas sobre todos os típicos problemas de um adolescente vividos naquela época, com destaque para a bateria de Cook que se mantêm no ritmo da música total; a complementar, o repertório do disco é ainda formado por Seventeen, também de curta duração, ok, mas faz uma ode ao movimento punk, quase um hino necessariamente, e deixa aqui um rastro de rebeldia e bagunça nessa música, apenas; e em seguida temos aqui também outro destaque deste disco, o tema que alçou o grupo ao status de amados e odiados, o clássico Anarchy in the U.K. se tornou um clássico dos temas de protesto do punk, e segundo Lydon, a letra era uma forma de devolver o rock a quem eram os verdadeiros donos dele, logo os políticos - totalmente surpreendente demais, aqui a barulheira é garantida sem dúvida, pode confiar; ainda temos também uma que passa despercebida aos nossos ouvidos, é Submission, que ao contrário das outras, não tem nada de punk, não é totalmente um tema a cara da banda, mas dá um pouco pro gasto mesmo assim; em seguida, a barulheira segue total no álbum com outra canção que consegue ser um tiro nos nossos ouvidos e que também carrega essa essência do punk nos versos, estamos falando de Pretty Vacant (que também chegou a ser considerada uma letra suspeita por vulgaridade), e já faz provar que a banda se mantêm no pique, sem se importar com um som perfeito demais pra quem quer mais é vomitar total; ainda podemos contar também com um tema que, apesar de ter sido feita quando a banda nem tinha partido para uma turnê americana, já havia sido feita uma letra sobre a grande metrópole - estamos falando mesmo de New York, embora há mais referências sobre Japão na letra, até que se salva no decorrer do disco; e fechando o disco, de uma forma digna e impiedosa, uma singela homenagem do grupo à gravadora que chutou eles, acaba sendo um troco carinhoso de Lydon nos versos de EMI, e mostrando que tudo o que vai, volta, e sem nenhum perdão total.
Passados os anos, mesmo com Sid já morto e Lydon envolvido em outros diversos projetos como o Public Image Ltd (PIL), o grupo conseguiu provocar através deste disco aqueles que viam o underground como uma coisa pobre, feita de modo mais barato e sem tantos recursos que favorecem de vez um bom registro para as bandas. Passam os anos e ele segue sendo um capítulo marcante para a história do rock, quando definitivamente se transformam em nomes populares de um movimento que estava em alta e ganhando peso através dos tempos, conseguiu influenciar uma nova safra do rock que se consagrara mais no início dos anos 80, sendo uma guinada para a música alternativa que viria a acontecer nos anos mais adiante. O disco conseguiu figurar entre os mais importantes da lista dos álbuns dos anos 70, e inclusive de álbuns essenciais do punk, mas o posto mais importante é o de 41º lugar nos 500 Maiores Álbuns de Todos os Tempos feita pela revista Rolling Stone, provando que mesmo com um único álbum, a banda conseguiu espalhar suas mensagens contra o sistema e toda a aristocracia britânica, provando que eles eram realmente "the filth and the fury", ou traduzindo melhor: a escória e a fúria do que havia na Inglaterra e que não perdoavam nada nem ninguém, a cara da cena suburbana britânica que ganhara força e valor no decorrer dos tempos.
Set do disco:
01 - Holidays in the Sun (Steve Jones/Paul Cook/Johnny Rotten/Sid Vicious)
02 - Bodies (Steve Jones/Paul Cook/Johnny Rotten/Sid Vicious)
03 - No Feelings (Steve Jones/Glen Matlock/Paul Cook /Johnny Rotten)
04 - Liar (Steve Jones/Glen Matlock /Paul Cook)
05 - God Save the Queen (Steve Jones/Glen Matlock/Paul Cook/Johnny Rotten)
06 - Problems (Steve Jones/Glen Matlock/Paul Cook /Johnny Rotten)
07 - Seventeen (Steve Jones/Glen Matlock/Paul Cook /Johnny Rotten)
08 - Anarchy in the U.K. (Steve Jones/Glen Matlock/Paul Cook /Johnny Rotten)
09 - Submission (Steve Jones/Glen Matlock/Paul Cook /Johnny Rotten)
10 - Pretty Vacant (Steve Jones/Glen Matlock/Paul Cook /Johnny Rotten)
11 - New York (Steve Jones/Glen Matlock/Paul Cook /Johnny Rotten)
12 - EMI (Steve Jones/Glen Matlock/Paul Cook /Johnny Rotten)

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