Um disco indispensável: Smetak - Walter Smetak (Philips/Phonogram, 1974)

Alguns instrumentistas merecem reconhecimento nestes últimos anos, estes que lançaram raridades que hoje ficaram no caminho de sebos que colocam discos a preços caros que são de deixar muitos ouvintes e fãs sem vontade de comprar o vinil, o que leva alguns a descobrirem certas pérolas da música brasileira que ficam perdidas. Uma destas preciosidades é um LP de Anton Walter Smetak, filho de um casal checo que se radicou na Suíça e nascido em Zurique no dia 12 de fevereiro de 1913, estudou 4 anos no Mozarteum de Salsburg e diplomando-se como concertista, no conservatório de Viena ao lado de Pablo Casals. Com as dificuldades financeiras e a 1ª Guerra Mundial abalando mais as dificuldades financeiras, decidiu tentar a sorte fora do Velho Mundo e assim, Smetak veio para o Brasil em 1937, atônito, vindo para fazer parte da orquestra sinfônica na cidade gaúcha de Porto Alegre e com essa orquestra já em atividades encerradas. Com a orquestra já em ativdades acabadas, Tak, como ficou conhecido, teve que passar anos em São Paulo e no Rio de Janeiro, tocando em festas, cassinos e em orquestras de rádio, além de ter acompanhado grandes cantores internacionais, inclusive Carmem Miranda. No ano de 1957, H.J. Koelrutter o chama para a Universidade Federal da Bahia, em Salvador aonde ele se instalaria para as suas pesquisas musicais e começa a se interessar pela teosofia e instala no subsolo da Escola de Música, a sua própria oficina e sua figura começou a ser popularizada pela cidade, montado numa motocicleta BMW que ele chama de "prostituta da Babilônia", o que deixou ele meio encurvado e mal das pernas, e isso o deixou assim até a sua morte, em 30 de maio de 1984 já aos 71 anos. Na sua oficina, ele conseguiu conceber instrumentos (que também eram como esculturas, que faziam sons), era uma espécie de Professor Pardal, inventava com materiais feitos de isopor, cabaça, plástico e bobina, e também tinha atividades, além de ser compositor, músico e teórico musical, Smetak também se aventurou em rumos astrais sendo um místico esotérico incansável: enfim, Walter Smetak era um homem hiperativo em suas atividades, deixando muitos músicos interessados, tanto na área erudita quanto na popular e alguns destes, jovens futuros tropicalistas e posteriores que deram ouvidos a este homem.
Encarte interno do LP, com as "geringonças" feitas por Smetak e fotos do suíço radicado na Bahia,
além de textos de Norma Freire e de Caetano Veloso (Reprodução/Phonogram)
Quem o descobriu foi um produtor baiano chamado Roberto Santana, que juntou em 1964 Caetano Veloso e Gilberto Gil, produtor e realizador de grandes espetáculos na cena baiana, que havia tido conhecimento sobre esse sujeito, cuja uma de suas frases acabou sendo uma definição smetakiana sobre música "Falar sobre música é uma besteira, executar é uma loucura" e tanto o próprio Santana quanto Gil e o artista Rogério Duarte tiveram contato com Tak após os dois membros do movimento tropicalista terem sido presos e sido obrigados a passar o resto dos meses na terra natal, Caetano relembra sobre Gil e Rogério já terem contao permanente com ele "um músico entre outros tantos na Orquestra da Universidade". Outro que tinha contato era o saxofonista e flautista Tuzé de Abreu, outro visitante da oficina do suíço e Caetano só viria mais a se encontrar com Smetak por volta de 1972 quando este, já retornado do exílio, acabou se fascinando com os instrumentos que concebia, alguns com nomes de animais como "beija flor" e "peixe", além do "piano eletrofinado", da "flauta selva", o "piston cretino" e os "violões em microtom" que hoje estão expostos na Biblioteca Reitor Macedo Costa, no Campus de Ondina que se situa na capital baiana. Existe uma exposição nesta biblioteca com todos os instrumentos. Caetano já o havia reverenciado na faixa Épico do LP Araçá Azul (1973) nos versos "êêêêêêêêê Hermeto/Smetak, Smetak, Muzak & Smetak & Muzak & Smetak & Razão/êêêêêêêêê cidade..." e Gal havia interpretado de Gilberto Gil, Língua do P em LeGal (1970) "Smetak tak tak tak (tak tak tak tak tak)/Mariá bababa baba baba/Catuaba/Cachoeira" tornando assim, uma forte referência para um som instrumental, inclusive para o pessoal do UAKTI (Marco Antônio Guimarães, aluno de Smetak, formaria o grupo nos anos 80), que fazem instrumentos com materias que podem ser reutilizados, como canos em PVC, madeira, metais e vidro.
O disco que fizeram com ele, lançado em 1974 pela gravadora de Gil e Caetano, a Philips, foi produzido pelos último citado mais Santana, que já apostava num possível material histórico e logo decidiram aproveitar uma única madrugada em um grande sótão da escola de dança embaixo do lendário Teatro Castro Alves, na capital baiana e só aconteciam mais no horário em que o povo mais dormia pelo fato de sempre o barulho de buzinas e do trânsito atrapalhar as sessões durante o dia, e numa nota que se pode ler no encarte interno, as gravações tinham uma espécie de alto astral "Não houve nenhum preparo especial. As pessoas se encontraram e tocaram. Às vezes, o santo baixava e animava todo mundo. Outras vezes, era necessário repetir, e tentar de novo." e assim seguia esse clima livre, com presença de Gil, Caetano, Gereba, Tuzé de Abreu, o percussionista Djalma Corrêa, Gereba e outros que acabavam fazendo esse som que se resulta em menos de 50 minutos recheados de elementos sonoros que soam como uma música-ambiente de avant-garde. A faixa Tijolinhos, Material de Construção, Audição Espontânea do Silêncio, Violão Eólico é uma representação dessa bagunça sonora, mistura de elementos e de improvisos feitos com os instrumentos; em AKWAS, aqui o clima segue o mesmo, em apenas 8 minutos e 40 segundos, com a bagunça e o improviso reinando de vez; em Dos Mendigos, o que lembra uma rabeca ou um violoncelo, sons bem semelhantes, além de uma "harpa" envolvida; na sequência, temos Sarabanda, Projeção Improvisada, uma das tantas faixas aonde Smetak e seus "músicos" interpretavam os intervalos dissonantes de Johann Sebastian Bach (1685-1750) e com solo de violoncelos feitos pelo próprio Smetak; na sequência temos os temas DANSON, MANTRAM e IÊÉÉAÓÔU - todos os 3 temas seguidos mostram uma atmosfera sotisficada, única, cheia de sons, executados em instrumentos como a vina, a ronda, o colóquio, a árvore (sim, na verdade traz um som percutido e friccionado e lembra o formato de uma árvore), chóris dentre outras plásticas sonoras; em Música dos Mendigos, uma coisa que lembre um pouco de chorinho com algo mais world music, uma coisa bem tocante por sinal, pela melodia improvisada e por lembrar algo mais de violão clássico instrumental; os 10 minutos de Indiferenciações são mais um resultado do que geraram essas madrugadas, cheias de referências a sonoridades que podem nos remeter aos sons indígenas, que depois de 9:20 se converte numa coisa mais bagunçada, começa a rolar um astral mais grandioso até encerrar a música; em Preludiando com JOSEBA, aqui é onde rola a famosa interpretação smetakiana dos intervalos dissonantes do eterno Bach, com violoncelos e outros instrumentos de corda e com algo mais de música clássica mesmo pelos solos; em Ubitus e Beija-Flores, Poluição Quebratória se nota muito a presença de percussão, algo como se fosse do Oriente Médio e deixando por fim a expressão "uibitu", nome de um dos tantos instrumentos concebidos pelo suiço e muito barulho pra encerrar total com o trabalho de Smetak.
O disco não tem muitas vendagens e cópias, mas também não é fácil de achar na internet e as pouqíssimas cópias que se tem conhecimento estão à venda por preços que custam nada mais do que R$200 ou até R$1000 por ser uma raridade e nunca ter sido relançado. O disco está mais fácil de achar pela internet nos sites de download. Para saber mais sobre o próprio Smetak, o site de sua exposição em parceria com o projeto cultural da Natura têm muita coisa sobre ele, seus instrumentos. Confira lá!
Set do disco:
1 - Tijolinhos, Materiais de Construção, Audição Espontânea do Silêncio, Violão Eólico (Walter Smetak)
2 - AKWAS (Walter Smetak)
3 - Dos Mendigos (Walter Smetak)
4 - Sarabanda, Projeção Improvisada (Walter Smetak)
5 - DANSOM (Walter Smetak)
6 - MANTRAM (Walter Smetak)
7 - IÊÉAÓÔU (Walter Smetak)
8 - Música dos Mendigos (Walter Smetak)
9 - Indiferenciações (Walter Smetak)
10 - Preludiando com JOSEBA (Walter Smetak)
11 - Uibitus e Beija-Flores, Poluição Quebratória (Walter Smetak)











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