Um disco indispensável: The Rolling Stones - The Rolling Stones (Decca Records/London Records, 1964)

Como nascem os mitos? Como se constroem lendas? Como é que surgem os fenômenos que invadem o mundo feito abalos sísmicos, furacões, desastres naturais, mas que conquistam a gente de cara? Essas e outras perguntas estão bem relacionadas a uma das maiores bandas de rock do mundo, estamos falando deles, os Rolling Stones - e de quem mais seria, hein caros leitores? A jornada pelo grande estrelato e a consagração de os senhores VIVOS (prestem bem atenção) do rock and roll começa bem antes de serem senhores literalmente, quando jovens ainda em caminhos diferentes tinham outras vidas e sonhos, antes de agitarem com seu som puro e derivado da música negra, em especial do soul e do blues, gêneros que misturaram em vários de seus sons no longo dos anos. É muito difícil definir a trajetória de grandes deuses vivos do rock, e saber que tudo isto veio a nascer de um encontro, o primeiro a selar a amizade de dois jovens amantes do blues e velhos amigos de infância, um deles era o estudante de economia Mick Jagger, ou Michael Phillip Jagger (26 de julho de 1943) e um vindo da Sidcup School of Art, o futuro monstro vivo Keith Richards (18 de dezembro de 1943)  num trem na estação ferroviária de Dartford - cidade onde nasceram, e descobriram em comum a apreciação por Elvis Presley, Little Richard, Muddy Waters, Willie Dixon, e na época Jagger cantava com um conjunto chamado Alexis Korner's Blues Incorporated, da qual também fazia um baterista, sempre na elegância - até hoje não perde a fineza na hora de se vestir - estamos falando de Charlie Watts (2 de junho de 1941), e um guitarrista louro que tinha virtuosidade e talento, além de ser um excelente multi-instrumentista, logo Brian Jones (28 de fevereiro de 1942 - 3 de junho de 1969) - e dessa vontade de Brian poder formar uma banda, que acabou convidando eles e um baixista chamado Bill Wyman - o mais velho do grupo (nascido em 24 de outubro de 1936), pronto, nascia uma grande banda. Richards, que começou a se tornar guitarrista por influência de seu avô Gus que tinha um violão velho com cordas de tripas, conforme disse anos mais adiante em sua autobiografia Vida (2010), e dali em diante algum som, se mostraria um nome forte das guitarras e dono de incríveis solos, em geral. Na banda, que levaria o nome de uma canção do ícone blueseiro estadunidense Muddy Waters, principal referência na trajetória da banda, e dono da canção Rollin' Stone, tiraram a abreviação e o resto da história todos nós já sabemos, mais ou menos né non?! Sua primeira apresentação foi no lendário clube Marquee, o templo inglês do rock, em 12 de julho de 1962, e já contava com um sexto membro, embora não-oficial, o pianista e gerente de palco Ian Stewart (18 de julho de 1938 - 12 de dezembro de 1985), rosto facilmente conhecido e lembrado por muitos fãs como o Sexto Stone, havia sido membro fixo por pouco tempo, porém um sexteto não estava visto como opção e seguiu participando tocando piano e acompanhando a banda na estrada. E com isso, eles adquiriram um forte público, e com a mão de um empresário à altura de Brian Epstein, dono da loja de discos NEMS e manager de um dos maiores conjuntos musicais famosos da Inglaterra, um tal de The Beatles aí, que ajudara e muito no sucesso da banda, inclusive como produtor, estamos falando de Andrew Loog Oldham, presente nos primeiros cinco anos da banda. Com isso, a banda assina de cara um contrato com a Decca Records e gravam um compacto interpretando Come On, de Berry, e do ídolo que inspirou o nome da banda foi I Want to Be Loved, e pela boa repercussão dos shows e o forte esquma de promoção do empresário, conseguiu fazer dos Stones uma imagem oposta, mais rebelde e reversa ao quarteto de Liverpool, tornando famosa a pergunta "você deixaria sua filha namorar com um Rolling Stone?" caindo como uma luva entre os jovens de cara da noite pro dia.
Iniciava-se uma eterna disputa pelo título de maiores do rock britânico: de um lado, um grupo de branquelos fazendo música negra com uma dosagem de rock and roll, e de o outro quatro rapazes que se vestiam e tinham penteados iguais, tocavam canções todas perfeitas poeticamente e musicalmente, pareciam uma boy band, e eram mesmo. E foi desses quatro rapazes um dos primeiros grandes sucessos da turma de Jagger & Richards, e nós estamos falando de I Wanna Be Your Man, como uma prova de que a rivalidade era só papo furado mesmo, pois fora dos holofotes era sempre uma festa quando alguns deles se juntavam. A partir de janeiro até fevereiro de 1964, a banda decidira entrar em estúdio novamente para gravarem um conjunto de músicas que se resultariam em seu primeiro álbum, uma vez que já haviam gravado compactos, era uma forma de impulsionar o sucesso da banda fora da Inglaterra, e seguindo os passos dos besouros, também queriam tomar a América e dominarem o mundo, o que acabou sendo realizado como bênção dos deuses do rock, é claro. O primeiro disco não tinha muitos dos grandes sucessos, mas já mostrava uma banda sempre afinada e não decepcionando a gente de vez, a capa os mostrava em um fundo escuro, mas também iluminados, provando que não eram muito mais do que rostinhos perfeitos apenas. Prontos para conquistarem o mundo com este disco, a banda estava destinada a seguir o resto do caminho que os Beatles também estavam galgando em terras ianques, com uma diferença tanto lá quanto nos EUA: a distribuição fonográfica, no país que fazia a coisa acontecer, seu álbuns foram distribuídos pela London Records daquele ano até 1970, ano em que se encerra o contrato também com a Decca, de forma coincidente. A única diferença pra edição americana é que pra eles, o disco ficou com o  subtítulo de England's Newest Hitmakers, e tem uma faixa que acabou sendo substituída por um tema que fez parte do terceiro single e que abre esta versão, intitulado Not Fade Away, da autoria de Norman Petty e de Charles Hardin e que foi muito contribuinte para que o grupo tivesse notoriedade instantânea nas rádios. Mas, na versão original (inglesa) o repertório aqui segue com as faixas até nas reedições, e já abrimos esta estreia em disco com um tema bem roqueiraço mesmo, (Get Your Kicks On The) Route 66, popular na versão de Chuck Berry gravada em 1960 e tomando conta do rolê sem decepcionar a gente; na sequência, temos aqui um clássico de Dixon presente no álbum, e que mostra branquelos mandando ver num blues, I Just Want to Make Love You é aonde Jagger prova ser um bom cantor e o ritmo acelerado dá um gostinho a mais, e é uma excelente interpretação aqui no álbum que prova o porquê de eles já estarem conquistando até os próprios fãs do blues até, o que era difícil; ainda em diante, você quer blues de qualidade, @? Os Stones seguem a desfilar temaços e a oferecer clássicos como este, Honest I Do, de Jimmy Reed, também consegue nos conquistar e nos deixar hipnotizados e seduzidos de vez através da voz de Mick e dos solos de gaita sem perder todo seu primor de sempre; além disto, não temos do que reclamar das covers que a banda faz neste disco, embora também haja reverência a figurões como Bo Diddley, outro grande nome em alta dos primeiros anos do rock, têm sua Mona (I Need You Baby) fiel ao estilo, que soa psicodélico pela vibe da guitarra, a levada rítmica parece caribenha e engrossa ainda mais o caldo do repertório; e na sequência uma canja instrumental para que nosso astro consiga recuperar parte do pique, em Now I've Got a Witnes (Like Uncle Phil and Uncle Gene), composta por um suposto Nanker Phelge, na verdade era um pseudônimo usado pela banda à época dos primeiros anos, e que traz Brian mandando muito na harmônica, e um orgãozinho envolvente tocado por Stewart que nos agrada de jeito; e já para fechar o lado A do vinil, aqui temos uma canção falando de um amor que se vai peredndo aos poucos, essa é Little by Little, de Phelge em parceria com Phil Spector, e que mostra Keith inspiradíssimo nos solos e Jagger tocando harmônica como se fosse um belo blues pelo arranjo e as melodias também nos deixam fascinados por completo; já a próxima música do repertório ainda carrega essa essência do blues, outro clássico revistado: I'm a King Bee mostra uma banda bem afiada na sonoridade e mostra no tema de James Moore um quê de precisão; e como já dissemos, aqui os caras só reverenciam os mestres e os hinos, o rei Chuck Berry não é ignorado e ganha uma bela versão do quinteto em Carol, que chega a lembrar um arranjo original do mestre da guitarra de tão igual que estava; e na sequência, o primeiro grande tema da dupla Jagger & Richards presente no disco, mesmo não sendo um tema que lembre os futuros hits da banda, Tell Me (You're Coming Back) é uma balada morna, mas agradável por sinal; como estamos nos anos 60, há de se ouvir falar em grandes nomes da composição pop àqueles tempos, como os irmãos Brian e Eddie Holland e também de Lamont Dozier, eles foram conhecidos por suas músicas de grande sucesso, como Can I Get a Witness, trazendo já um ar mais dançante, quase um rockabilly, mas puxado pro R&B/Soul mesmo e com todo o gás de sempre, óbvio; uma música que tenha no título uma frase motivacional, acaba sendo um bom tiro de misericórdia, a exemplo de You Can Make It If You Try, da autoria de Ted Jarrett, uma baladinha soul agradável que não deixa a essência se perder, e deixa aquele ar nos nossos ouvidos pra sempre mesmo com uma duração apenas dois minutos, dá pro gasto; e encerrando este álbum aqui, temos um tema do grande cantor e DJ estadunidense Rufus Thomas, famoso também por ter gravado diversos discos na Stax com músicas relevantes, dentre elas, Walking the Dog - composto e gravada em 61, que a banda teve questão de arrasar com tudo nesta versão que arrasa com tudo e fecha o álbum com cara.
Sendo um disco que não teve muita relevância no começo, ajudou muito a estourar fora e conquistar um grande público em terras ianques, assim como os contemporâneos liverpudianos, e esses dois, juntos, abriram as portas para bandas como The Who, The Kinks, The Yardbirds dentre outras, também a conquistarem e fazerem a América, resultando-se na invasão britânica, que durou de 1964 até 1966. O disco influenciou muito no cenário blues-rock e antecedendo o que viria por diante, inclusive um pouquinho da psicodelia, embora o estilo da banda não fosse tanto esse, têm seu culto mesmo assim tempo após tempo e antecedeu muita coisa na carreira da banda, de Satisfaction (1965) obviamente, até o mais recente álbum de reinterpretações do blues, Blue & Lonesome (2016) que trouxe de volta clássicos na boca da galera. E as pedras ainda seguem a rolar solta, como sempre...
Set do disco:
1 - (Get Your Kicks On) Route 66 (Bobby Troup)
2 - I Just Want to Made Love You (Willie Dixon)
3 - Honest I Do (Jimmy Reed)
4 - I Need You Baby (Mona) (Ellas McDaniel)*
5 - Now I've Got a Witness (Like Uncle Phil and Uncle Gene) (Nanker Phelge)
6 - Little by Little (Nanker Phelge/Phil Spector)
7 - I'm a King Bee (James Moore)
8 - Carol (Chuck Berry)
9 - Tell Me (You're Coming Back) (Mick Jagger/Keith Richards)
10 - Can I Get A Witness (Brian Holland/Lamont Dozier/Eddie Holland)
11 - You Can Make It If You Try (Ted Jarett)
12 - Walking The Dog (Rufus Thomas)

* Na edição da London Records, a faixa substituta foi Not Fade Away (Buddy Holly/Norman Petty), a primeira do disco e até hoje presente em reedições posteriores

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