Um disco indispensável: Kinks - The Kinks (Pye Records, 1964)

A cena roqueira inglesa começava a efervescer a partir de 1962, tudo isso porque um conjunto musical chamado The Beatles com uns quatro rapazes cabeludos, todos bem-vestidos, de terninhos e cantando coisas positivas sobre o amor, tudo isso também envolvia um quê de marketing que estava nas mãos de seu empresário Brian Epstein, um homem que lidava com mãos de ferro os negócios da banda. E nisso surgiram grupos novos, que pegavam carona no que chamamos de estouro da boiada, que é quando a coisa acontece e pega muita gente de surpresa, e eis que surgem Gery & The Pacemakers, The Yardbirds, The Pretty Things, uma galerinha aí chamada Rolling Stones que surgiram como os branquelos ingleses que tocavam blues na cena, depois veio um tal de The Who que abalou as estruturas e dominaram o palco quebrando tudo LITERALMENTE, nos espetáculos que faziam. Porém, havia uma banda que também estava a ocupar um espaço nesse time de bandas da invasão britânica e também queriam conquistar a América como os Beatles, estamos falando dos The Kinks, surgida no início dos anos 1960 originalmente como The Ravens, e como todas as bandas da época, com um repertório cheio de temas do blues, os membros eram dois irmãos vindo do subúrbio norte de Londres, e cresceram num ambiente musical que ia do jazz ao skiffle e do clássico ao rhythm and blues, estamos falando de Raymond Douglas Davies (21 de junho de 1944) ou simplesmente Ray Davies e de David Russell Gordon Davies (3 de fevereiro de 1947) ou apenas David Davies, os guitarristas e vocalistas que se mantiveram na banda com o tempo. Ray deixou a casa aos 18 anos para estudar na Hornsey College of Art, uma das mais bem-requisitadas escolas de arte na cidade, porém, se esbarrou com o mundo da cena blueseira em Londres, como estava efervescendo de coisas novas, e uma delas eram grupos como o Alexis Korner's Blues Incorporated, da qual saíram muitos nomes do rock e do blues inclusive. Ray estava começando a se envolver naquilo, e se juntou ao conjunto de Dave Hunt ainda no começo da sua carreira, depois saiu para fazer parte do Hamilton King Band, e depois se juntara ao grupo do baixista Pete Quaife, só mais pra frente foi que chamou o irmão novamente para uma nova fase dos Ravens, a antiga banda de escola que chegou a ter um certo Rod Stewart como vocalista nos primórdios ainda. Pronto. O conjunto estava com um baterista chamado Mickey Willet na época, porém uma grande mudança iria fazer a cabeça daqueles jovens, pois o produtor musical estadunidense Shel Talmy mais dois empresários e a sorte grande foram os responsáveis por grandes coisas que aconteceram: um contrato com a gravadora Pye Records, que tinha entre seus artistas, nomes como Petula Clark, The Brook Brothers, Carl Douglas, Benny Hill dentre outros nomes, e agora os Ravens eram a nova prata da casa que iam fazer sucesso de vez. Porém, aconteceram duas baixas: a primeira foi de Willet, que saiu antes de assinar com a Pye, e o nome da banda acabou sofrendo uma mudança, permanente e definitiva: adeus Ravens, olá Kinks e pronto, temos uma das melhores bandas de rock de sempre da história. Eles buscavam no novo nome algo que surpreendesse, moderno para aqueles tempos, e ao aceitarem Kinks como novo nome, era como se eles estivessem participando de um ritual pop homenageado, bizarro e surreal, mas era esse um dos pontos de vista para essa origem do novo nome que consagraria-os.
Pois bem, de contrato assinado, agora era hora de a banda fazer valer a coisa e acontecer mesmo, e com um novo baterista pintando no conjunto, Mick Avory, agora sim, a formação clássica estava formada e pronta para invadir os EUA como as outras bandas aí. Mas antes, as tentativas: sim, achou que uma banda boa dessas começa com um grande salto instantâneo para o sucesso? Achou errado! Com um contrato em mãos e tendo um produtor ajudando no estouro da banda, era preciso ensaiar muito e preparar uma música que renda mesmo a popularidades deles, e seu primeiro compacto lançado em fevereiro de 1964 foi uma versão para Long Tall Sally, de Little Richard no lado A e também uma composição de Ray intitulada I Took My Baby Home, não foi pra frente. Mais um outro compacto gravado - com os temas You Still Want Me e You Do Something Me, e, olhem só o que o destino estava querendo fazer com a banda, os executivos da Pye disseram que se eles não lançassem uma música de peso forte nas paradas, o contrato deles podia acabar ali. Mas, o destino não ia deixar a carreira da banda morrer de jeito nenhum, e os Kinks conseguiram sair da escuridão e foram iluminados com You Really Got Me: uma guitarra que gritava ao extremo, a fórmula para conseguir esse som foi: furar o amplificador com uma agulha para deixar seu som extremamente pesado, e isso ajudou eles a germinarem a semente do que seria o hard rock, o heavy metal e também o punk rock inclusive. Bom, o grupo já estava com material pronto e gravado para o que viria a se tornar seu primeiro disco, sim! Lançado em 2 de outubro de 1964, quase um ano depois da tragédia que tirou a vida de John Fitzgerald Kennedy, presidente estadunidense assassinado sob os olhos de muita gente no Texas, e seis meses depois que um golpe derrubou o presidente João Goulart instaurando um regime/ditadura militar no Brasil que pareceu durar mais do que se imaginava, o mundo parecia rodar freneticamente nisso tudo. Ainda que tínhamos o grande sucesso da Beatlemania ao redor do mundo, e a expansão do sucesso nas telas do cinema através do filme A Hard Day's Night, e assim como os liverpudianos e os Stones, os Kinks queriam também dominar a América, mas nos EUA o disco que se chama apenas Kinks foi lançado na América pelo selo Reprise Records sob o nome de You Really Got Me, mesmo assim com alterações nas faixas, fez muito sucesso também na terra do Tio Sam, embora o original mesmo seja o inglês. Vumbora começar a analisar as 14 faixas que ambientam neste disco, a começar por Beautiful Delilah, um tema originalmente composto por Chuck Berry muito conhecido pelos fãs do pai do rock and roll, e aqui o rock acelerado lembra um pouco a pegada protopunk, e embora não seja Avory que tenha gravado a bateria das músicas do lado A, aqui quem tocou foi um músico chamado Bobby Graham, dá pra sentir uma química na cozinha do grupo e Dave Davies grita e canta ao mesmo tempo, porém ajuda muito; na sequência, é Ray que começa a cantar os versos mais bem escritos por ele mesmo em So Mystifying, que têm uma levada puxada para country mais moderna daqueles tempos, e a guitarra faz uma perfeita combinação de melodias aqui; mais em diante temos outro tema de Ray presente e que ele mesmo canta, Just Can't Go to Sleep, sendo mais do que um rockão pelo peso melódico, é uma baladinha pesada que traz uma atmosfera roqueira de love song sessentista que funciona neste tema perfeitamente sem erro; a próxima música traz a entrada de uma guitarra que não erra feio e dá a deixa para Long Tall Shorty, que não deixa a banda se perder e mostra ser um tema de destaque no repertório do álbum sim; e reaparecendo no álbum, o tema que poderia ter sido um sucesso como single mantêm-se original desde que foi lançado em fevereiro, I Took My Baby Home é uma música meio doce demais, com essa pegada bem beat que estava em alta na música dos 60 obviamente, tem um solinho de gaita que não erra feio na melodia também; em seguida, nos dois minutos que a música I'm a Lover Not a Fighter, a precisão da música que traz as raízes, em geral o skiffle um pouco mais elétrico e pesado, deixa claro que os irmãos Davies sabiam o que estavam fazendo, Quaife e Avory também; porém, a gente tem que dar todas as atenções aqui para a canção You Really Got Me, que traz uma guitarra formada por estridentes toques, a primeira a ser formada por power chords, podendo ser tocados de forma invertida até, e a pegada da bateria mostra a potência, toda a força que ela têm, e não é à toa que ela aparenta estar na 82ª posição das 500 Maiores Canções de Todos os Tempos, lista feita pela Rolling Stone que a considerou anos mais tarde como a 4ª das 100 Maiores Canções de Guitarra, provando seu papel na história da música até hoje; e para abrir o lado B deste álbum nós temos um tema de Bo Diddley revisitado por eles, estamos falando de Cadillac, que mantêm essa pegada meio speed no ritmo, sem deixar nenhum vacilo conosco, e uma boa interpretação, claro; como em quase todo disco bom que exista na face deste planeta, sempre tem alguma coisinha do produtor nas composições, e Talmy recriou aqui um tema tradicional chamado Bald Headed Woman, com uma batida sequenciada que vai ajudando o tema a crescer com um violão e traz uma atmosfera sonora mais empolgante e depois para ali como se fosse o soar de um gongo, terminando ali rapidamente; mais por diante, temos uma das curtas músicas deste disco, a instrumental Revenge, é um rock com apenas 1 minuto e 35 segundos onde a banda arrebenta no som e Ray bota pra quebrar tocando gaita, e é barulheira garantida mesmo e dançante por sinal; ainda que houve tempo de sobra para Ray divulgar suas composições, ainda há reverências a Chuck Berry em Too Much Monkey Business, que carrega um pouco da onda rockabilly dos anos 1950 presente em quase todo o disco, lembrando aqui; e com a pegada suave que marca a introdução de I've Been Driving on Bald Mountain, que é também mais outro tema tradicional inglês que Talmy decidiu adaptar e que a banda gravou, até chega a desanimar a gente, mas nem tanto, uma vez que o tom da música bate bem nos nossos ouvidos até; na próxima faixa, também com mais de 2 minutos, ainda há gás de sobra em pedradas como Stop Your Sobbing, com um tom quase baladista, mas não tão lento demais e sem perder todo o pique que ambienta o álbum; e fechando aqui este álbum, temos outro nome do blues sendo reverenciado pela banda londrina, e estamos falando de Slim Harpo, de quem a banda interpretou Got Love If You Want It, um clássico de ouro do blues de primeira que acaba conquistando a gente sem forçar tanto a barra. Envolvente, cru e pesado, ele foi a porta de entrada para o hard rock em geral, e também se tornou a forma de como acabamos conhecendo a banda além do seu principal hit, para quem não buscava ouvir saber tanto sobre a banda.
Set do disco:
1 - Beautiful Delilah (Chuck Berry)
2 - So Mystifying (Ray Davies)
3 - Just Can't Go to Sleep (Ray Davies)
4 - Long Tall Shorty (Herb Abramson/Don Covay)
5-  I Took My Baby Home (Ray Davies)
6 - I'm a Lover Not a Fighter (Jay Miller)
7 - You Really Got Me (Ray Davies)
8 - Cadillac (Bo Didley)
9 - Bald Headed Woman (tradicional, arranjado por Shel Talmy)
10 - Revenge (Ray Davies/Larry Page)
11 - Too Much Monkey Business (Chuck Berry)
12 - I've Been Driving on Bald Mountain (tradicional, arranjado por Shel Talmy)
13 - Stop Your Sobbing (Ray Davies)
14 - Got Love If You Want It (Slim Harpo)

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