Um disco indispensável: Presnting Isaac Hayes - Isaac Hayes (Stax Records/Enterprise Records, 1968)

Pensem bem: você é executivo de uma das maiores gravadoras especializadas em soul americano, com astros de peso, agora se veja em uma situação difícil que nem os funcionários imaginavam. Agora, se veja obrigado a refazer a trajetória do selo após um trágico divórcio em pouco tempo e lançar instantaneamente. Esse foi o caso da Stax Records, que surgida em 1957 pelos irmãos Estelle Axton e Jim Stewart, que levava o nome inicialmente de Satellite Records, veio a mudar para Stax, que eram as duas primeiras letras dos sobrenomes do casal. Nomes como Rufus Thomas e sua filha Carla, além de Wilson Pickett, Booker T. & The MG's, The Bar-Kays e também o grande soulman Otis Redding, um dos artistas que mais vendia no selo. Além de um time de músicos e compositores que não faziam feio acompanhando ou dando canções para serem gravados pelos figurões da gravadora, destaco aqui uma dupla de compositores de peso que se aclamaram como a dupla à frente dos vários hits da Stax, refiro-me aqui à David Porter e Isaac Hayes, que de compositor e arranjador, se tornaria um dos artistas da Stax mais adiante, calma que a gente ainda vai chegar nesse ponto. Então, a gravadora de Memphis estava em um belo casamento com a Atlantic Records, que também tinha um elenco de peso e não fazia feio em lançar bons discos, e eram vistos como o melhor entrelaço comercial-artístico, porém, foi preciso que uma tragédia acabasse mudando de vez o rumo da história da gravadora, e deixasse uma pergunta pairar no ar sobre quem seria o novo ídolo da casa: em 10 de dezembro de 1967 falecia o cantor Otis Redding, estrela máxima do cast da gravadora, e junto dele quase todos membros do The Bar-Kays, que faziam suporte para ele, deixando apenas o trompetista Ben Cauley como o único sobrevivente daquela tragédia (veio a falecer em 2015), e ajudando a recomeçar a banda depois de perder seus parceiros ali. E Isaac, um cara vindo de uma cidadezinha do Tennessee chamada Corvington, que perdeu os pais de forma prematura, criado pelos avós, trabalhava desde pequeno nas plantações de algodão, viu que o mundo conspiraria a favor dele uma hora ou outra. Já nos seus cinco anos de idade ele começou a cantar em uma igreja local e depois começou a tocar de forma autodidata piano, órgão Hammond, flauta e saxofone, e descobriu na música uma forma de poder se sentir iluminado com seu talento e sua forma de conceber pérolas, junto de David Porter, com quem formou uma ótima dupla de composição à frente de vários hits do selo, compondo para Redding, Carla Thomas, Sam & Dave entre outros nomes. Inclusive, há uma declaração muito conhecida deles a respeito do Black Moses de que ele foi o principal responsável pela construção de seu som e estilo, ou seja: né brinquedo não, o cara era um arranjador ousado mesmo. Como consequência disto, o momento era lançar um ídolo novo, mas a Atlantic acabou que rompera laços logo que iniciara-se um novo núcleo da Stax: a Enterprise Records, e ela inaugurara com um álbum de Hayes, o seu primeiro trabalho em que ele canta, mas acaba introduzindo uma pegada mais morna e natural do que se imaginava.
Gravado em um curto tempo, apenas dois dias de janeiro de 1968, o álbum de estreia Presenting Isaac Hayes o colocava em um trio de jazz, na qual ele cantava e tocava, acompanhado de músicos de respeito do conjunto Booker T. & The MG's, logo o baixista Donald "Duck" Dunn e também o baterista Al Jackson Jr., que coproduziu o disco, junto do vice-presidente da Stax e diretor artístico, Alvertis Isbell, mais conhecido também como Al Bell, que trabalhou em outro álbuns de Isaac mais adiante. Foi um dos últimos álbuns em parceria com a Atlantic, que ficou com todos os registros anteriores, inclusive este, mas depois foi para o catálogo da Stax/Enterprise mesmo. É um disco curto, apesar de ter uma sonoridade ambientada no jazz tradicional, com pegada voltada a um pouco pro estilo modal, livre e improvisado, a cozinha de Hayes, Dunn e Jackson funciona em todo o material, muito difícil não conseguir ouvir esse disco e sentir uma energia grande saindo destas músicas. O álbum já abre com um tema bem apegado ao estilo típico do jazz-soul, estou falando de Precious, Precious que é semi-instrumental. Explicando: apesar do soulman mandar uns grunhidos aqui, ele cita o nome da música aqui uma vez, com um piano suingado numa canção que originalmente tinha 19 minutos, ganha uma versão editada de 2 minutos e 47 segundos, e a original (mais longa) reapareceu anos depois em uma reedição de 1995 para o formato CD como faixa bônus, uma boa chance de aguentar a versão longa uma jam bem louca, como se o trio estivesse na Disney* bem doidões mesmo;  na sequência, temos aqui um tema mais suave, When I Fall in Love é revisitado num tom mais puro e que lembra os standards, com uma suavidade precisa no arranjo e aqui Hayes canta com uma pegada bem sensualizada, que viemos a conhecer basicamente, não faz feio aqui num tema que Nat King Cole já havia interpretado e popularizado anos antes; fechando bem o lado A deste disco, temos aqui um medley com dois temas clássicos do blues: o primeiro é de Willie Dixon, intitulado I Just Want to Make Love You, que também foi gravada anos antes pelos Rolling Stones em seu primeiro disco (leia mais sobre este disco aqui), com uma interpretação de peso de Ike (outro grande apelido do nosso reverenciado deste post), e na sequência temos fechando o medley um outro tema do blues, Rock Me Baby que é da autoria e interpretado por B.B. King e sucesso no fim dos anos 50, ajudando a engrossar este caldo de vez com seus 9 minutos bem blueseiros por aqui; ainda neste disco, temos mais outro medley de standards dos anos 50 aqui, desta vez é com um outro sucesso, desta vez de Count Basie, estamos falando de Going to Chicago Blues, com um arranjo bem combinado com a pegada que se mantêm no disco, e o outro tema é de Erroll Garner, mas ficou conhecido por Johnny Mathis, estamos falando de Misty, com uma pegada de jazz tradicional bem suave e um pouco psicodélica até - embora sejam só os três fazendo um som sem terem ensaiado nada e os caras entrarem no estúdio pra improvisar mesmo, como se sabe; o disco só encerra mesmo com um tema vindo da cartilha de Hayes & Porter, um dos seus vários sucessos na trajetória como compositor da Stax, estamos falando de You Don't Know Like I Know, popular mesmo na versão de Sam & Dave gravada em 1965, e aqui ganha um clima mais sofisticado, sem tanta firula e que dá um toque a mais aqui nos seus oito minutos, apenas aprecie e ouve uma das maiores maravilhas do mundo como se fosse um disco de jazz qualquer, e fecha com classe este álbum belíssimo. Bem, como todos já sabem, o disco encerra-se na edição CD a partir de 1995 com a versão longa e original de Precious, Precious, já falamos disto. O disco não andou muito, o sucesso foi pouco, porém acabou sendo o ponto de partida para seus grandes trabalhos que se sucederiam mais adiante, como o clássico Hot Buttered Soul (1969) que foi a salvação na nova fase da gravadora, To Be Continued... e The Isaac Hayes Movement (1970), a célebre trilha sonora de Shaft (1971) e o duplo Black Moses, do mesmo ano do álbum citado anteriormente. Além de mostrar uma voz que aromava a sensualismo e antecedera nomes como Barry White, uma fase seguinte de Marvin Gaye que estava começando a mudar no seu conceito de música, e até mesmo o nosso Tim Maia, que trouxe essa pegada para seus álbuns, além de ter colocado um pouco de sua voz durante quase dez anos na série South Park com o personagem Chef, e depois saíra por causa das piadas feitas no desenho com sua religião, a cientologia, e veio a falecer aos 66 anos em 10 de agosto de 2008 mantendo seu legado vivo entre tons vocais e samples por aí.
Set do disco:
1 - Precious, Precious (Isaac Hayes)
2 - When I Fall in Love (Edward Heyman/Victor Young)
3 - Medley: I Just Want to Make Love You(Willie Dixon)/Rock Me Baby(Joe Josea/B.B. King)
4 - Medley: Going to Chicago Blues(Count Basie/Jimmy Rushing)/Misty(Erroll Garner/Johnny Burke)
5 - You Don't Know Like I Know(Isaac Hayes/David Porter)
FAIXA BÔNUS DA REEDIÇÃO EM CD (1995):
6 - Precious, Precious (Isaac Hayes) - versão longa

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