Um disco indispensável: Moving Pictures - Rush (Mercury Records, 1981)

Existiam poucas bandas que se mantinham na vibe do rock progressivo naqueles anos 80, aliás, a juventude via os grupos como dinossauros, em especial Yes, Genesis e Pink Floyd, que estavam se desvincilhando da imagem de retrógrados e tentando fazer discos mais modernos, atuais, mas tinham também os canadenses do Rush, famosos por lançarem um disco ao vivo a cada quatro álbuns de estúdio ocasionalmente. Donos de técnicas musicais impressionantes e surreais ao mesmo tempo, não é à toa que conseguiam ser, um dos maiores power trios de peso do rock a conquistarem multidões. O que esperar do resultado da alquimia sonora de Geddy Lee, o baixista e tecladista com uma voz, que, apesar de ser muito zoada, carrega um pouco de força e potência, a guitarra de Alex Lifeson transforma melodias em jogos enigmáticos para qualquer instrumentista e a bateria pulsante e pesada de Neil Peart, que toca de uma forma muito desafiante, e também exige muito tempo de ensaio e dedicação (olha aí, bicho!). O grupo já havia se consolidado de vez em álbuns como Rush (1974), Fly By Night, Carress of Steel (1975), o clássico 2112 (1976), além de Hemispheres (1978) - e começando aqueles anos 1980 com o álbum Permanent Waves, mais outro grande sucesso. Além disso, seus shows lotados eram provas de como agradar multidões em grandes casas de espetáculos e o duplo ao vivo The World is a Stage (1976) era um exemplo de prova à risca. Ao invés de ficarem se mantendo naquelas estéticas que pros jovens da geração 80 parecia ainda um pouco fora de moda, e eles estavam sempre antenado com as novidades, e o barato daquela virada de década era o reggae e o new wave, e artistas como Blondie, Police, Talking Heads, Elvis Costello, B-52's entre outros dominavam o cenário daqueles tempos. De acordo com o próprio Peart em uma entrevista feita para um jornal, toda essa mistureba se deve ao fato de que ele ouvia uma rádio onde se tocava de tudo "vai do reggae ao Rhythm & Blues, do jazz ao new wave e tudo que é bom, é interessante", concluiu o mestre das baquetas. Bom, parece que eles acertaram em cheio nessa explicação sobre se sentirem influenciados pelas novas vertentes do rock, mais uma breve explicação aqui, embora no seu primeiro disco chegavam a soar como um Zeppelin - uma banda em alta no cenário, e depois começaram a ir muito além no seu trajeto musical, pois estavam melhorando mais a cada disco, e passados alguns meses do lançamento de Permanent Waves, eles já estavam preparando material para mais outro disco, que também pudesse continuar nessa linha de progressivo com um toque pop, cheio de sintetizadores e enérgico como em quase todos os trabalhos. E, que conseguiu também abrir portas para um metal com suas influências até do progressivo, e bandas como Dream Theater absorveram da obra deles, além dos americanos do Primus e até mesmo os próprios Engenheiros do Hawaii, uma vez que Humberto Gessinger já havia declarado que bebeu muito na fonte deles e do Pink Floyd. Pois bem, era hora de gravarem mais um disco, com muito material pronto para ser divulgado, e ficaram trabalhando durante outubro e novembro de 1980 no Le Studio, em Quebec, e com Terry Brown pilotando a mesa de som novamente.
Após meses de produção e de trabalho, o trio apresentou no dia 12 de fevereiro de 1981, o seu mais pop de todos os discos, considerado por 8 entre 10 fãs o melhor trabalho do conjunto, é claro, estamos falando de Moving Pictures, com sua capa icônica onde pessoas se impressionavam com a saída de quadros levados por funcionários com a Legislatura de Ontário, situada em Toronto como pano de fundo. As imagens levadas na foto da capa são uma das pinturas da série Dogs Playing Poker (Cachorros Jogando Pôquer) de Cassius Marcellus Coolidge (1844-1934), além do homem-estrela presente na arte do álbum 2112, e uma representação de Joana D'Arc sendo queimada viva na fogueira, e como já diz o título, eles estão movendo as imagens e levando para algum lugar, bem nesse sentido. O álbum já começa bem, com um dos melhores temas da carreira do grupo, estamos falando de Tom Sawyer, escrita por Peart em parceria com Pye Dubois, baseado também na história do personagem de Mark Twain, traz aqui um momento matador do baterista a cada momento instrumental e os solos de sintetizadores executados por Lee nos fazem viajar de vez; a próxima faixa tem apenas seis minutos e onze segundos, mas já mostra ser realmente um baita tema, e estamos falando de Red Barchetta, a história de um cara que guarda em casa sua Barchetta (um carro pequeno para duas pessoas, em italiano) embora haja uma lei que proíba esse tipo de automóvel, uma boa história feita pelo baterista e principal compositor da banda, mas o bom também fica é para o instrumental da música, elaboradíssimo demais e bem construída as linhas melódicas que habitam; o que acontece quando há um problema de pouso no avião após um show quando só pensam em voltar pra casa? Bom, um dos códigos usados no Aeroporto Internacional de Toronto se chamava YYZ, nome da música e cuja base rítmica é como se fosse escrever no Código Morse (-.--/-.--/--..  deste jeito), e é uma das melhores faixas instrumentais, onde ninguém soa melhor que ninguém: Peart e Lee a desenvolveram em estúdio para mostrar uma banda que mostra toda sua essência, além de não errar feio, e é uma das músicas mais difíceis de tocar em qualquer instrumento porque exige muito esforço e concentração, inclusive a bateria - com os melhores solos executados; ainda que haja espaço de sobra para que Neil pudesse desabafar sobre como vê a fama e também o fato de ele nunca ter sabido lidar bem com a fama - isso leva ao fato de ele ter incentivado a banda encerrar suas atividades recentemente, é disso que ele quis dizer em Limelight, que carrega essa pegada bem hard rock, bem a cara de música dos anos 80 realmente, e Lifeson manda ver pra caramba na guitarra, um de seus melhores momentos como instrumentista está aqui nesta música, outro grande destaque do álbum; outro grande tema presente neste trabalho é The Camera Eye, que antes eram apenas dois temas separados que levam o nome das duas maiores cidades do mundo: a primeira se chama New York e mostra um pouco de referência à sua união do clássico com o moderno na arquitetura, e a segunda é London, que traz um pouco do seu conservadorismo e da sua tradição, a cozinha manda muito bem nos arranjos, e foi a última música longa com mais de 10 minutos a ser feita nos discos de estúdio, a mudança mostra a sintonia poético-musical que agrada mesmo; eis que você ouve um som que nos remete a música para bebês e começam a surgir gritos de fundo e uma sonoridade mais profunda e sombria, pegue tudo isso e se surpreenda com Witch Hunt, conhecida como a terceira parte da série de canções Fear, na qual a primeira parte é The Enemy Within, do álbum Grace Under Pressure (1984), a segunda é The Weapon, que faz parte do trabalho seguinte intitulado Signals (1982) e a quarta parte é Freeze, de Vapor Trails (2002), e ainda podemos contar com Hugh Syme tocando parte dos sintetizadores neste tema aqui, encerrando com peso total e mantendo essa pegada viajante que se mantêm nas canções; e para terminar com chave este álbum, temos aqui uma vibe mais pro som da Jamaica, é, o trio canadense não faz só hard rock e prog não, eles carregam um pouco de Specials e Police em temas como Vital Signs, e pra ser sincero aqui, lembra até um pouco o Police pela levada, e mostra que não decepcionam seus fãs, mas agradam com um petardo deses, bicho, e assim encerra-se uma das melhores obras do Rush de sempre.
Sendo considerado como um de seus melhores trabalhos,  o grupo conseguiu manter-se popular através do sucesso deste disco naquela época, e rendeu uma das suas grandes turnês da banda na época, que foi registrada em novembro daquele ano como Exit... Stage Left (1981), e depois de quase 30 anos, a banda reviveu o disco tocando-o na íntegra durante a turnê Time Machine, mostrando que clássicos não envelhecem, soam modernos e atuais como nunca.  Para completar aqui, o disco está em diversas listas dos melhores álbuns de rock da história, e, coincidência, ele figura naquela gigantesca lista dos 1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer, provando sendo essencial pra todos os fãs da banda e de boa música, é claro. Recentemente, ao divulgarem um comunicado à imprensa e nas redes sociais - uma vez que a banda tenha deixado de fazer shows em 2015 com a vontade de Peart se aposentar, muito se foi lembrado da importância da banda para o rock e desse disco para o pop rock dos anos 80 inclusive, e não é de agora que se diz isso sobre Moving Pictures, não, essa conversa já é de tempos.
Set do disco:
1 - Tom Sawyer (Neil Peart/Pye Dubois/Alex Lifeson/Geddy Lee)
2 - Red Barchetta (Neil Peart/Alex Lifeson/Geddy Lee)
3 - YYZ (Neil Peart/Alex Lifeson/Geddy Lee)
4 - Limelight (Neil Peart/Alex Lifeson/Geddy Lee)
5 - The Camera Eye: Part I - New York/Part II - London (Neil Peart/Alex Lifeson/Geddy Lee)
6 - Witch Hunt - Part III of Fear (Neil Peart/Alex Lifeson/Geddy Lee)
7 - Vital Signs (Neil Peart/Alex Lifeson/Geddy Lee)

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