Um disco indispensável: My Way - Frank Sinatra (Reprise Records, 1969)

Estamos em 1968, nos últimos suspiros daquela década marcante e cheia de fatos que inovaram o mundo, o rock ganhava cores e tons de muito sexo e drogas como a maconha, o LSD e outros ácidos, além da cocaína e com vários artistas que mostravam suas viagens sonoras através de shows e discos, protestos pelos direitos iguais dos negros, LGBTs e mulheres além de baterem de frente contra a guerra do Vietnã, que ainda fervilhava, deixando mortos nos dois lados. Ou seja: os anos 60 ainda não acabaram e muita coisa ainda iria pipocar até 31 de dezembro de 1969, mas muita coisa mesmo: desde revoluções políticas e culturais até sociais pra resumir bem. Na época, quem ditava no cenário eram bandas como Jefferson Airplane, Grateful Dead, The Band, Cream, The Doors e nomes como Jimi Hendrix com sua Experience e a voz de Janis Joplin, ainda com o Big Brother & The Holding Company, sem esquecer dos Rolling Stones que estavam com a corda toda em seu Beggar's Banquet editado em dezembro, e os Beatles voltavam de uma temporada de meditação na Índia e preparavam o seu próximo material, o álbum The Beatles que viria a ser conhecido como Álbum Branco, e que todos nós conhecemos aqui. Porém, o soul também se vingava com peso, após a morte de Otis Redding, o maior vendedor de discos da Stax, a gravadora contra-atacou com Isaac Hayes, além de seguirem com nomes como Booker T. & The MG's, Carla Thomas entre outros, enquanto a Motown reinava soberanamente com Temptations, Supremes que ainda contava com Diana Ross no grupo, Stevie Wonder, Tami Terrell, Marvin Gaye, Smokey Robinson & the Miracles. Sua majestade do soul, a soberana Aretha Franklin botava Lady Soul na praça e seguia botando pra quebrar como sempre. A dupla folk Simon & Garfunkel estourava e vendia disco feito água, para se ter noção, após o sucesso nos dois discos anteriores, eles gravaram a trilha sonora do filme The Graduate (A Primeira Noite de Um Homem, no Brasil), e que ajudou também a emplacar um hit nesse filme, seguiam em alta como nunca. Mas, tem nomes que ficaram meio esquecidos, meio apagados para aquela geração, pareciam fora de moda, ultrapassados do cenário musical e um desses nomes era Frank Sinatra. Mas o quêêêêêêê?? Como ousa falar assim de um dos maiores cantores do século 20, um cara que fez muito sucesso mundialmente e ainda segue a fazer sucesso mesmo ter nos deixado há 20 anos? O problema é que desde o estouro de Elvis e Beatles, os jovens queriam mais era barulho, gritos, acidez, e o Sinatra parecia coisa de velho ao ver daquela juventude nos anos 60 que bradava por liberdade, por paz e amor. Mas, mesmo assim, ele ainda seguia em alta até para os críticos, estava bem como o artista contratado da gravadora que ele mesmo criou, a Reprise Recordsinclusive fazendo muitas parcerias que iam desde Count Basie e seus filhos Tina, Frank Jr. e inclusive Nancy que estava popularesca - com quem dividiu junto deles um álbum natalino, até mesmo o maestro Duke Ellington e um brasileiro - olhem só! - Tom Jobim, isso um ano antes. Mas, seus discos individuais pareciam muito comuns, óbvio que tendo arranjos de peso feitos por Nelson Riddle, Don Costa, Claus Orgerman, parecia pouco, mas ao mesmo tempo estava interpretando canções recentes, de autores do momento, e isso ajudou a manter a popularidade que têm desde os anos 1940 para ser preciso.
Eis que começa a se fechar as cortinas de 1968, e ele entra no estúdio para gravar novos temas em um mês após o lançamento de Cycles, que se saiu bem nas paradas, e nos estúdios EastWest com Don Costa na produção e os arranjos de Sonny Burke, não parecia ser mais um disco dele, e sim O DISCO que voltou as atenções ao dono deste vozeirão, e estamos falando de My Way, que foi gravado no últimos dias de 1968 até 24 de fevereiro, e sendo editado naquele março de 1969 florido, bem no momento em que a primavera no Hemisfério Norte se abria e floria total. Quando a gente começa a ouvir o disco, a gente já sente que o álbum é bom mesmo, e começando com Watch What Happens, escrito por Michel Legrand, Jacques Demy e com a mãozinha de Norman Gimbel, e a prova de que ele segue a manter sua voz por aqui com uma orquestra que não decepciona, já vemos que o começo aqui é de peso mesmo, e não faz a gente perder o rumo nesse disco; em seguida, um tema mais melódico com um pianinho triste, essa é Didn't We?, da autoria de Jimmy Webb, que estava fazendo sucesso com suas composições àqueles tempos, agrada a gente também; nesse repertório, é incluído também um tema de peso do soul, estamos falando de Hallelujah I Love Her So, um blues de Ray Charles que ganha vigor com os metais, e uma das melhores interpretações de uma das canções do Gênio, obviamente; e dentre esses compositores atuais presentes, poderia uma banda de rock fazer parte? Sim, embora esta música seja creditada a Lennon & McCartney, aqui a letra é totalmente do segundo, e o velho Frank manda muito em Yesterday, que fez sucesso imediato, embora não fosse um single de peso nos EUA da banda, e que ele já declarou sobre os liverpudianos mais famoso da música "É a pior banda do mundo, mas tem senso de humor e eles sabem se divertir" e se o The Voice falou, então é verdade, mas faz uma versão de peso aqui que agrada até os beatlemaníacos mais roxos da face do Universo, inclusive o ser humano que vos escreve aqui; há temas que já foram gravados diversas vezes pelo cantor, como no caso de All My Tomorrows, que fora lançado em 1961 no álbum All The Way, um dos últimos pela Capitol, e dois anos antes como single, na versão deste álbum aqui não fica nenhum tropeço das versões anteriores, e as cordas nos deixam apaixonado pelos arranjos, pela suavidade e pela levada, que fazem nos sentir em algum romance antigo pelo jeito; na sequência, depois de tantos temas bons, temos o principal destaque deste disco, estamos falando mesmo é de My Way, uma versão de Paul Anka para a canção francesa Comme D'Habitude, interpretada em 1967 por Claude François, e aqui soa como a história de um homem vivido com suas aventuras que teve e seus arrependimentos e vendo que seu fim está próximo, converte-se de cara no maior sucesso do senhor Francis Albert Sinatra e presente nos shows até se aposentar em 1995, uma música que emociona até a alma de forma profunda, enfim, o melhor tema de toda sua trajetória que é indispensável para todos os que curtem ou não seu trabalho; depois de um hino que abre com tudo o lado B do disco, temos um pouco do Brasil agringalhado, e a bossa regressa com tudo no seu repertório com Manhã de Carnaval, composição de Luiz Bonfá letrada por Antonio Maria para o filme Orfeu Negro em 1959, aqui vira A Day in the Life of a Fool, ganha tons suaves no quesito instrumentalidade, e não faz feio aqui conosco não; mais adiante, um tema que ganha cara de standard é For Once in My Life, que fora sucesso na voz de um jovem chamado Stevie Wonder, o peso sonoro e a voz colaboram com que nossos ouvidos se apaixonem de cara e nos deixe pensando no quão bela é a vida e outras coisas mais; outro tema oriundo de outro país que ganha versão em inglês presente neste disco é Ne Me Quitte Pas, do belga Jacques Brel (1929-1978) é convertido para o inglês como If You Go Away, até que encanta a gente mesmo, a versão é fiel à original e não traz decepção pra quem é fã das chansons aqui não; e o disco não podia encerrar de outra forma, como ele sempre gravou nomes clássicos, aqui o autor reverenciado é Paul Simon, que tinha uma dupla com Art Garfunkel e famosa pelas canções folk que estouravam na época, deles Frank gravou Mrs. Robinson, com um arranjo mais pra cima, trazendo um ar de anos 1940/50 para um tema de 1968 lançado no filme que eles fizeram trilha sonora, logo The Graduate, e com esse pique mais alto-astral encerra-se um disco que têm um valor enorme na coleção de fãs, não somente de Sinatra mas de quem curte música mesmo.
Set do disco:
1 - Watch What Happens (Michel Legrand/Jacques Demy/Norman Gimbel)
2 - Didn't We? (Jimmy Webb)
3 - Hallelujah I Love Her So (Ray Charles)
4 - Yesterday (John Lennon/Paul McCartney)
5 - All My Tomorrows (Sammy Cahn/Jimmy Van Heusen)
6 - My Way (Comme D'Habitude) (Claude François/Jacques Revaulx/Gilles Thibault/versão em inglês: Paul Anka)
7 - A Day in the Life of a Fool (Manhã de Carnaval) (Luiz Bonfá/versão em inglês: Carl Sigman)
8 - For Once in My Life (Ron Miller/Orlando Murden)
9 - If You Go Away (Ne Me Quitte Pas(Jacques Brel/versão em inglês: Rod McKuen)
10 - Mrs. Robinson (Paul Simon)

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