Um disco indispensável: Jazz Samba - Stan Getz & Charlie Byrd (Verve Records, 1962)

21 de novembro de 1962, noite, New York, a grande capital onde tudo acontece, a grande metrópole, nesta cidade é recebida um evento que traz imensas proporções no ambiente musical e cultural nos Estados Unidos e que traria saltos maiores, inclusive. O local deste evento? O grande Carnegie Hall, casa de grandes espetáculos e que recebeu nomes como Benny Goodman, Duke Ellington, Frank Sinatra, Billie Holiday, Nina Simone dentre outros, ainda receberia uma banda de pop aí chamada The Beatles mais adiante. Porém, a atração que invadia aquela célebre casa era surpreendida por nomes que estampavam cartazes e soavam bem latinos: Antonio Carlos Jobim, João Gilberto, Carlos Lyra, Sérgio Mendes, Oscar Castro Neves, Agostinho dos Santos, Roberto Menescal, Milton Banana entre outros, invadiam o templo sagrado dos grandes recitais da cidade para promoverem a bossa nova, um gênero novo, que misturava o samba com o jazz sofisticado de Gerry Mulingan, Dave Brubeck, Thelonious Monk, Miles Davis e Chet Baker, alguns destes citados presenciaram o grande evento. Parecia estranho, mas o resultado do show não tinha o resultado dito, excesso de microfones, um violão de João que parecia soar baixinho demais, falava-se que o som de seu violão caberia mais num auditório, e a empreitada de Sidney Frey (1920-1968), dono a gravadora Audio Fidelity - que promoveu o fenômeno brasileiro na terra do Tio Sam - parecia não ter ido pra frente. Mas, segundo Roberto Menescal, não foi nada de ruim, e trouxe recortes de matérias vindas de jornais e revistas provando o contrário, e que a bossa nova já era um sucesso muito antes dos shows feitos na casa de shows neoyorkina, bem antes mesmo. Primeiro, foi com o filme dirigido por Marcel Camus baseado na peça de Vinícius de Moraes e oriunda da mitologia grega, misturando com o carnaval carioca, Orfeu Negro, que fez sucesso mundialmente o filme e a trilha sonora, com muita bossa nova, e as músicas de Jobim e Luiz Bonfá ganharam rapidamente o mundo, o primeiro grande boom da bossa ao redor do mundo foi esse. A trilha sonora ganhou um forte status de cult nos últimos anos, em especial pelo público gringo que viu ali a bossamania estava acontecendo nos quatro cantos desse globo terrestre, rendendo a Palma de Ouro no Festival de Cannes mais um Globo de Ouro, embora o filme tenha sido uma produção brasileira com italiana e um diretor francês, lembrando aqui. E três anos depois do filme, a bossa voltou a despertar interesse dos gringos através de um disco feito por americanos, músicos de jazz conhecidos mesmo: estamos falando de Stan Getz, saxofonista aclamado que surgiu no final dos anos 1940, mas que tinha um passado sujo marcado por drogas, e uma prisão por tentar roubar morfina nos anos 50, buscou lutar contra o vício e se levantar de vez, retornando aos EUA anos após morar na Europa e logo se junta ao guitarrista Charlie Byrd, músico aclamado e que tinha gravado alguns materiais até então.
Getz, com Gene e Charlie Byrd (o último à direita), fazendo a bossa
com um pouco de suingue estadunidense
Foi de Byrd a ideia maravilhosa de chamar Getz para voltar à América, uma vez que havia sido apresentado à música brasileira por Felix Grant, um radialista que tinha contatos no nosso país em meados dos anos 50, e conhecido com os esforços do amigo Paulo Santos, outro radiodifusor dos nossos naqueles tempos. Ainda em 1961, o convite de Byrd para que o saxofonista voltasse aos EUA logo depois de uma passagem por alguns eventos diplomáticos na América do Sul (o nosso Brasil inclusive), e o esperava junto do violonista um monte de materiais de João, de Tom entre outros que levara depois de se apaixonar pela nossa querida bossa nova, muitos discos pra ouvir. Assim que eles decidem gravar um disco com essa batida suingada brasileira, mas do jeito bem americano que os jazzistas estavam mais acostumados com outras sonoridades, cheios de improvisos, e essa foi uma tarefa difícil para os dois, além da de criar um som autêntico também. Getz acabou se lembrando do produtor aclamado Creed Taylor, à época trabalhando na Verve Records, e se juntaram a um grupo de músicos que eles já sabiam: o irmão de Charlie, Gene Byrd no violão e no baixo, Keter Betts no baixo, Buddy Deppenschmidt e Bill Reinchebach na bateria, cada um em algumas músicas. O nome do disco desta dupla acabou tornando-se Jazz Samba, resumindo aqui, tudo a ver com a bossa nova mesmo, essa mistura que rendeu o novo som brasileiro, e que teve sua única sessão de gravação numa igreja, a All Church's Unitarian, mais precisamente num salão de eventos desta, a Pierce Hall, com Taylor pilotando a mesa de som. O resultado deste disco é algo que vai te deixar apaixonado por essa bossa mais suingada com toques de jazz, e não há como negar o fato deste trabalho ajudar mais ainda a promover o fenômeno brasileiro, que impressiona a gente de cara, e o repertório também não decepciona a gente. E, basta de conversa por aqui, vamos começando aqui o momento que todos gostam, o do faixa-a-faixa e seus destaques dentro de cada uma. O álbum já abre com um sucesso deste álbum, estamos falando aqui de Desafinado, clássico e um hino da bosa nova, e mantêm a pegada sincopada, o jeitinho bossa nova ganha uma bela tradução pelo violão de Byrd e o sax de Getz, sem decepcionar aqui; em diante, o único tema não-brasileiro presente aqui é Samba Dees Days, de autoria do violonista é mais puxado para um samba aceleradinho, com aquela cara de standard instrumental com ares de cult pra galera daqueles tempos, uma bossa americana mais cheia de ginga pura pra complementar; mais pra diante, nós temos aqui sendo instrumentalizada O Pato, que também não erra nenhum acorde e acaba fazendo esse suingue à americana permanecer no nosso prato, apenas, e Getz amplia bem essa forma de dar voz ou sopros ao tema que João já havia gravado  bem antes; já um tema também que não carregue uma grife dos tradicionais autores do movimento é Samba Triste, de Baden Powell e Billy Blanco, que não é uma música de tropeçar num repertório como o deste álbum, faz sincronia com o conceito que eles queriam oferecer a nós; e, quem achou que não teríamos mais nada da safra Jobim, achou errado, o nosso maestro é revisitado em Samba de Uma Nota Só, em seus seis minutos adaptados, deixa a gente se sentir no clima e nos transborda uma suavidade que só; entre os outros temas que aprimoram esse disco, ainda temos de Ary Barroso dois temas: o primeiro já é um velho clássico que a bossa aproveitou, É Luxo Só, traz aquele requinte da versão de João com os arranjos de Jobim, nada ruim por aqui, mas também consegue conquistar com a batida semelhante; e pra fechar a conta, temos Baia - originalmente chamada de Na Baixa do Sapateiro, com 6 minutos e 35 segundos que mostram todo o pique e a aura dos dois combinando com tudo, já é mais suave, mas carrega todo o quê de bossa nova onipresente, e prova que os gringos já sabiam mandar ver no nosso sambinha sofisticado que os conquistou.
Bem, com o sucesso estrondoso que esse disco fez, conquistou instantaneamente as paradas e até mesmo os brasileiros, impressionados com sua adaptação para esse gênero, houve uma invasão da nossa música nos quatro cantos do globo mais adiante. Após o disco de Getz & Byrd, a carreira do violonista rendera mais pra frente álbuns maravilhosos como o Brazilian Byrd (1965), e se manteve ativo até nos deixar em 2 de dezembro de 1999, enquanto Getz... bom, este se deu muito bem inclusive. Gravou um disco com João Gilberto e se tornou uma das maiores obras de sua carreira, e isso rendeu dois Grammys, desbancando até mesmo os próprios Beatles naqueles tempos. Porém, lutando contra a maré das drogas e tentando escapar dos males que este vício lhe fez o se perder, embora tenha gravado com o juazeirense um disco ao vivo no Carnegie Hall, mais tarde veio a ser convidado do saxofonista ao lado da esposa Miúcha em The Best of Two Words (1975) e um álbum que permaneceu raro, o Getz/Gilberto '76, pouco escutado e lembrado, editado 40 anos depois. Getz também havia convocado para um disco inclusive o violonista Luiz Bonfá num projeto chamado Jazz Samba Encore!, sendo uma continuação do álbum com Byrd, e depois com Laurindo Almeida, outro músico brasileiro que fez parte das apresentações no Carnegie Hall em 1962 inclusive. Mas, após anos de vanglória, nos últimos tempos foi quando ele conseguia deixar do consumo abusivo de álcool e drogas, acabou nos deixando em 6 de junho de 1991 com um câncer no fígado, mas com um legado que permanece atual e influente. É um disco marcante e influente para o ambiente musical do jazz e da bossa nova que aparece na célebre lista dos 1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer, mostrando aí o seu real valor desde sempre.
Set do disco:
1 - Desafinado (Antonio Carlos Jobim/Newton Mendonça)
2 - Samba Dees Days (Charlie Byrd)
3 - O Pato (Jayme Silva/Neuza Teixeira)
4 - Samba Triste (Baden Powell/Billy Blanco)
5 - Samba de Uma Nota Só (Antonio Carlos Jobim/Newton Mendonça)
6 - É Luxo Só (Ary Barroso)
7 - Baia/Bahia (Na Baixa do Sapateiro) (Ary Barroso)

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