Um disco indispensável: A Love Supreme - John Coltrane (Impulse!, 1965)

É difícil negar total o papel que John Coltrane têm dentro das bandas de Charlie "Bird" Parker e de Miles Davis, como dizer que um cara desses ficou só no fato de ter sido membro da banda de um dos maiores figurões do jazz - o último citado? OK, que ele teve uma imagem para alguns de sombra e tal, mas seus discos gravados na Prestige, como o seu álbum de estreia Coltrane (1957) e registros célebres em outros selos, como a lendária Blue Note por onde lançou sua masterpiece Blue Train (1958), feito juntamente com nomes de peso do cenário jazzístico como o baixista Paul Chambers, o pianista Kenny Drew, o trompetista Lee Morgan, o trombonista Curtis Fuller e o baterista "Philly" Joe Jones em sessões brilhantes no estúdio de Rudy Van Gelder, um dos principais nomes quando se trata de produção de jazz (e por falar em Blue Train, a gente já falou dele uma vez aqui, confira o post), e seguiu a lançar materiais brilhantes, como Giant Steps, em 1960, e por aí vai. No meio da sua trajetória, ele seguia a lutar contra o vício em heroína, e de ter feito com Miles, álbuns célebres como 'Round About Midnight (1957) e a magnus opum que o colocou em um patamar maior, Kind of Blue (1959), de ter tocado com Sonny Rollins, Thelonious Monk, Tadd Dameron entre outros, viu que não podia conciliar bem o álcool e as drogas pesadas com sua música, e deu a volta por cima, fazendo discos bons e acompanhado de um trio que não faz feio junto dele. Como já estava de contrato com a Impulse! Records, uma subsidiária da ABC-Paramount Records fundada por Creed Taylor, que viu que tinha ali um tesouro precioso do jazz, e com Coltrane no elenco, fez com que as vendas da Impulse! subissem de forma impressionante, e as suas apresentações cheias de precisão e improviso mostravam o quão brilhante ele era não só nos discos. Em 1964, olhem só, ele renova o contrato com o selo depois de quatro discos, e tendo uma boa repercussão do álbum Crescent, ele já poderia preparar um disco mais relevante e mais potente no que se diz respeito à musicalidade, se é que me entendem. Assim como os grandes Dave Brubeck, Ornette Coleman, Sun Ra entre outros, Coltrane viu que eles descobriram um jeito de usar escalas árabes e indianas dentro de seu jazz, e acabou preparando e ensaiando junto de seu trio de apoio, com Elvin Jones na bateria, McCoy Tyner no piano e Jimmy Garrison no baixo um disco que teria proporções bem grandes e que tivesse uma enorme influência também no jeito de fazer e tocar jazz, e que tivesse mostrando seu lado mais espiritual quando toca o saxofone tenor, e em 9 de dezembro de 1964 grava seu próximo  trabalho, o magnífico e fantabuloso A Love Supreme, nos mesmos estúdios de Rudy Van Gelder na cidade de Englewood Cliffs, estado de New Jersey, onde foram gravados vários outro registros seus também conhecidos.
É como se uma inspiração divina, não digo no sentido cristão, mas espiritual em várias religiões, estivessem iluminando o quarteto ao tocarem as 4 faixas deste álbum, nada se compara com a aura brilhante que esse disco carrega, ouvi-lo é uma bênção, reouvi-lo é agradecer ao Universo pela existência de peças sonoras do jazz como essa, apenas isso. Como dizíamos antes, Coltrane estava afim de querer experimentar, de ir a outros fluidos da música e acabar chegando ao som que queria fazer, ele conseguiu absorver como esponja cada tipo de sonoridade dos quatro cantos do mundo. É um disco que, se for ouvir melhor, têm só acertos, é difícil o cara decepcionar seus fãs mais roxos do seu trabalho, não há como não gostar desse disco, há poesia dentro do seu jazz e só quem consegue sentir isso sabe bem. É mágico, apenas isso a descrever. Quando começamos a ouvir a primeira parte do disco, chamada Acknowledgement, ele abre o disco com tudo, sentimos essa magia entrando na gente aos poucos e o seu ritmo vai ganhando cores: e essas cores vão se transbordando, ajudando a formar uma pintura sonora, e Coltrane protagoniza solos delirantes com seu sax tenor, e com a pronúncia do nome do disco antes da música acabar, no mesmo tom da canção; em seguida, ainda podemos contar com a segunda parte do disco, intitulada Resolution com o baixo pulsante e envolvente de Garrison, e na sequência entra o resto, parece bobagem, mas ainda conseguimos sentir uma vibração oriunda da salada de influências, religiosas e musicais inclusive, detalhe para o piano de McCoy Tyner que chega a ter uma ousadia de duelar com o saxofonista, nada mal pois os dois saem por vencido nesta peça sonora que complementa o álbum; e na sequência, um show de excelência rítmica e um solo de bateria marcante de Jones mostra que Pursuance, a terceira parte do disco, já tem um momento apoteótico para o instrumentista chamar de SEU, e também do quarteto inteiro, pois as batidas servem como um fio condutor de toda a música, o que é interessante para os ouvintes de jazz mais experientes no assunto, e fecha com o baixo dando um gostinho de quero mais que gruda na gente; e fechando o disco aqui, temos a quarta e última parte, intitulada Psalm e que traz aqui seus sete minutos cheios de improvisos e não deixa a gente perder-se no rumo final, porque aqui o negócio é sério e sem brincadeira, e John consegue se superar a cada solo de sax, mostrando todo seu vigor junto de três cabeças brilhantes no que fazem.
O disco acabou se tornando um grande sucesso, vendeu bem, se tornou um dos melhores lançamentos no segmento do jazz daquele 1965, e embora tenham reproduzido no palco somente uma vez, e isso foi em 22 de julho no Festival Mondiale du Jazz de Antibes, na França, esse registro do álbum executado ao vivo era raridade até o ano de 2002, quando a Verve Records (que adquiriu o catálogo da Impulse! anos antes) relançou numa edição deluxe e adicionou este show, outtakes da gravação original e o álbum em todo, que no vinil e nas primeiras edições em CD eram 3 faixas e se dividiu em quatro nas outras edições. O disco é muito influente, foi um dos discos que antecedeu possivelmente o fusion, que teria mais força em 1969/70, depois que Coltrane nos deixou após lutar contra um câncer em 17 de julho de 1967, deixando materiais inéditos que foram lançados aos poucos, o que ajuda e muito na preservação de seu legado que segue vivo aqui. E tanto o legado de sua música quanto o do álbum A Love Supreme permanecem vivos até em listas, como as dos melhores álbuns de jazz da história e de revistas como a da Rolling Stone, que em 2003 deu o 47º lugar a este álbum na lista dos 500 Maiores Álbuns de Todos os Tempos, e também na célebre lista dos 1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer, provando seu valor dentro da história da música ontem, hoje e sempre.
Set do disco:
1 - Pt. I: Acknowledgement(John Coltrane)
2 - Pt. II: Resolution (John Coltrane)
3 - Pt. III: Pursuance (John Coltrane)
4 - Pt. IV: Psalm (John Coltrane)

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