Um disco indispensável: Stand! - Sly and the Family Stone (Epic Records, 1969)

A mensagem de otimismo dos anos 60 e os movimentos que pediam paz e amor estavam se apagando em meio à tanta represália, tanta violência e caos promovido por governos militares, por regimes/ditaduras que não perdoavam a nada e a ninguém. Mas, ainda havia uma luz no fim do túnel: quando movimentos negros seguiam a combater o racismo e até mulheres e a classe LGBT brigavam por direitos iguais nos Estados Unidos, que estava sob nova direção, agora era Richard Nixon o presidente que ditava as regras no país - mas não iria durar por muito tempo. Os anos dourados do soul pareciam estar acabados, muitos ídolos nos deixaram, como o próprio Otis Redding, em 1967, morto em um trágico acidente aéreo juntamente de alguns membros do conjunto musical The Bar-Kays, e três anos antes, Sam Cooke havia morrido de forma suspeita após se envolver com uma mulher. Mas, ainda haviam figurões desfilando hits atrás de hits, como Stevie Wonder - ainda um jovem na flor dos seus quase 18 anos, as Staples Singers, Diana Ross - deixando as Supremes para se tornar artista solo, Wilson Pickett, Etta James, Nina Simone, Aretha Franklin, Gladys Knight com as Pipes, Ray Charles, e trazendo novos nomes como o regente, multiinstrumentista e produtor Isaac Hayes com um disco mediano de estreia na praça e outro de grande repercussão, os irmãos The Jackson 5 - revelando um pequeno Michael dono de uma voz talentosa, e também um grupo que parecia uma orquestra de soul, Sly and the Family Stone, aonde havia um time formado por homens e mulheres, brancos e negros tocando uma música que soubesse agradar a todos e inovando o soul ao mesmo tempo. Mas, vamos voltar ao começo da história desse grupo brilhante, aonde tudo começou, quando Sly Stone - ou Sylvester Stewart, músico, compositor, produtor, radialista e arranjador nascido em Dallas, capital do estado do Texas no dia 15 de março de 1943, começara a despertar um interesse pela música aos cinco anos de idade na Califórnia, vindo de uma família religiosa, membros da Igreja de Deus em Cristo (COGIC - Church of God in Christ), já tocava guitarra e bateria, e ainda no colegial, formara uma banda com um amigo filipino chamado Frank Arleano, e ali se desenvolveu a ideia de formar uma banda com parte da família, embora isso ainda fosse uma parte de um projeto bem futuro. Começou a trabalhar como radialista na emissora K-SOUL que foi pioneira em unir brancos como os Beatles e os Stones numa rádio que tocavam apenas artistas negros, e também compondo e produzindo na gravadora Autumn Records para artistas de San Francisco, como The Mojo Men, The Beau Brummels e também a primeira banda de Grace Slick, Great Society durante os primeiros anos. Em 1966 ele decide formar um grupo adotando definitivamente o nome artístico de Sly Stone e forma um grupo chamado The Stones - depois Sly & The Family Stone, juntando os irmãos Freddie nos vocais e guitarra, Rose no piano mais Cynthia Robinson no trompete e Larry Graham no baixo, Jerry Martini no saxofone e Greg Errico na bateria - ambos brancos e primos um do outro - e um trio vocal feminino dando suporte, as Little Sisters: a irmã Vet Stone, com Mary McCeary e Elva Moulton abrilhantariam mais ainda as canções.
Logo em seguida, um contrato com a gravadora Epic (uma subdisiária da Columbia Records) fez dar mais relevância àquele conjunto sanfranciscano da Califórnia, e com um disco de estreia que passara despercebido na época, houve um pouco de visibilidade até com A Whole New Thing - como eles se autoproclamaram no cenário, fazendo um som bem diferente e visionário, unindo o soul com o rock e também um pouco de jazz. Mas só no ano seguinte, eles obtiveram um pouco mais de visibilidade através de dois álbuns lançados naquele mesmo 1968: o primeiro foi Dance to the Music, cuja faixa-título esteve no topo das paradas por semanas, e em seguida o Life - também com uma repercussão não muito esperada, ajudou ali a mostrar que havia algo brilhante no som que faziam, e levando ainda mais essa "família de pedra" a ganharem destaque maior ainda no final daquela década. Ainda que o fraco desempenho de vendas de Life não fosse o que Sly tinha de expectativas, ele decidiu gravar um disco que prometia ser maior que os seus primeiros discos e, no final do verão de 68 seguiu compondo e produzindo juntamente da banda o disco que abalaria as estruturas e transformando-se no grande divisor de águas do soul e do funk naquele 1969: estamos falando de Stand!, o discurso sobre igualdade e direitos dos negros pôs mais forte o ativismo do grupo para ser ouvido, se tornando a magnus opum definitiva e o maior legado deles na música para sempre. O álbum já abre com um conjunto rítmico e vai nos apresentando à faixa Stand!, que soa como um tapa na cara das comunidades e com forte apelo para tons gospel e unindo toda uma nação, não importando ser negro ou branco, homem ou mulher, se é homosexual ou heterosexual: um canto universal, que fora gravada na mesma época pelos Jackson 5 em seu disco de estreia (coincidência, né?) e depois sampleado por Public Enemy e também pelo A Tribe Called Quest anos mais tarde; em seguida, temos um canto anti-racista que se tornou um dos hinos inclusive do movimento negro, Don't Call Me Nigger, Whitey pede que os brancos não chamem os negros de nigger (crioulo) e sempre invertendo o nome no refrão, com apenas um verso raro ali, realmente é o grito de poder para o povo preto que estava nesta canção com um toque ácido de wah wah na melodia; a consolidação do grupo através deste disco é muito bem avaliada através de I Want to Take You Higher, sucesso até no lendário festival de Woodstock, aonde eles tocaram, trazia um quê de duplo sentido nos versos, aonde o "higher" seria estar doidão/chapado/maluco de usar drogas, e também uma conotação sexual que passa despercebido até para quem não manja muito do inglês, procure entender (fica a dica) mas o destaque também fica para a viagem sonora e a mistura de elementos que vão do gospel e blues até a psicodelia que salvam esse tema; já na faixa que traz um peso nos arranjos, intitulada Somebody's Watching You, a visão de que você está num mundo diferente do que realmente está vivendo e meio isolado como se algo ou alguém estivesse observando sua rotina fazem parte do conceito poético-sonoro que é ambientado neste álbum; existe uma canção onde a solução para os problemas e questões existencais é cantar uma simples canção? Sim, aliás, Sing a Simple Song é mais vibrante e alegre do que se imagina, é um tema voltado pro motivacional, algo que traz uma auto-estima e o arranjo desta música colabora muito dentro deste, que depois ganhou várias interpretações por gente como Diana Ross & The Supremes, The Temptations, os próprios Jackson 5 e até a linha de baixo supostamente plagiada por Jimi Hendrix na sua Band of Gypsys, em 1970, meses antes de morrer - agora, se plagiou ou não, aí fica a questão pairando no ar para vocês, leitores; e se você queria algo melhor do que já imaginava, saiba que o lado B do vinil já abre com o maior sucesso deste disco, intitulado Everyday People, um canto multirracial, com mensagens de paz e igualdade (antecedendo John Lennon e León Gieco bem antes) traz aqui a banda fazendo o melhor, provando que eram uma família muito unida realmente na música e fora dela; ainda podemos contar com uma peça instrumental de 13 minutos e 50 segundos que vai fundo no conceito de mistura de ritmos e sons, estamos falando de Sex Machine, mas que não é a mesma de James Brown: os órgãos chapantes, o baixo bem suingado e também a guitarra delirante ajudaram e muito o disco a conseguir um ponto alto no quesito viagem sonora, e não fazem feio não, acreditem; o disco termina de vez com outro temaço que também carrega um lado motivacional nos versos, estamos falando de You Can Make It If You Try, aonde pede para o ouvinte acordar e ir pelo que conhece, provando que você (leitor/ouvinte) pode fazer se tentar - um excesso de otimismo poético pra terminar essa viagem que mudou pra sempre a história do soul e da música em geral.
Após o disco ter lançado, eles entraram em turnê que resultou na apresentação do clássico festival Woodstock, durante a madrugada do dia 17, e que fez todo mundo cair na vibe daquele som que a família estava fazendo para uma multidão e entrou para a história como uma das melhores apresentações. Após este disco, e também Hot Buttered Soul, o célebre álbum do nosso Black Moses (a review pode ser conferida aqui), o funk começou a ganhar uma nova direção e a música negra toda idem, foi aí que gente como os próprios Ohio Players, o próprio Miles Davis, Herbie Hancock, os próprios Marvin Gaye e Stevie Wonder começaram a inovar em seus sons e trazer esse funk da turma de San Francisco para os seus próximos trabalhos. Mais tarde, foram os próprios Red Hot Chili Peppers, além do OutKast, Public Enemy e inclusive o próprio Prince - que bebeu muito na fonte de Sly, começaram a buscarem em Stand! uma referência para o som que faziam. Após os discos seguintes There's a Riot Goin' On - seu grande sucessor lançado em 1971 cujo título foi baseado em What's Going On do grande Marvin Gaye, depois em Fresh de 1973, seguido de Small Talk em 1974, o grupo se dissolve após o forte vício em cocaína de Sly, que se perdera no caminho e tenta recuperar seu brilho dos anos de ouro nos tempos de hoje. O disco conseguiu ganhar uma forte visibilidade em listas de discos importantes dos anos 60, estando sempre entre os 10 primeiros, além de ter sua forte visibilidade na lista dos 500 Maiores Álbuns de Todos Tempos da revista Rolling Stone na 118ª posição. Além de um mérito enorme em figurar naquela lista famosa dos 1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer, o que prova o grande mérito e a influência deles na história de toda a música. É, Sly, você trouxe para aquela geração que já estava perdendo a esperança, um otimismo que não se esperava muito para o final daquela década tão colorida.
Set do disco:
1 - Stand! (Sylvester "Sly Stone" Stewart)
2 - Don't Call Me Nigger, Whitey (Sylvester "Sly Stone" Stewart)
3 - I Want to Take You Higher (Sylvester "Sly Stone" Stewart)
4 - Somebody's Watching You (Sylvester "Sly Stone" Stewart)
5 - Sing a Simple Song (Sylvester "Sly Stone" Stewart)
6 -  Everyday People (Sylvester "Sly Stone" Stewart)
7 -  Sex Machine (Sylvester "Sly Stone" Stewart)
8 -  You Can Make It If You Try (Sylvester "Sly Stone" Stewart)

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