Um disco indispensável: In a Silent Way - Miles Davis (Columbia Records, 1969)

Ao chegarmos no final dos anos 1960, vemos que o genial e cool Miles Davis não parava nunca: estava sempre produzindo e lançando coisas que impressionavam crítica e público, aliás, o genial Miles nunca foi de fazer sequer UM DISCO RUIM ao meu ver. Começou com suas parcerias juntamente de Gil Evans, primeiro em Sketches of Spain (1960) onde faz ao seu jeito a música espanhola acompanhado de uma orquestra, e em seguida, grava Quiet Nights (1963/64) aonde ele transborda puramente a bossa nova - que estava em alta graças a vinda de nomes como João Gilberto, Antonio Carlos Jobim e Sérgio Mendes ao território ianque ajudando os nomes do jazz a compreenderem o novo ritmo importado do Brasil, e também foi neste disco que Davis e Evans recriaram temas como Corcovado, Aos Pés da Cruz e o clássico do folclore gaúcho Prenda Minha, que se transformou em Song No. 2 (OLHA AONDE O RIO GRANDE DO SUL, CHEGOU!!!) e encerrou-se depois de outros álbuns a parceria, que rendeu muitos frutos nesse período. E em 1963 já havia lançado materiais como Seven Steps to Heaven, que o mostravam firme no sopro, e sempre bem acompanhado: seja de uma orquestra regida por Evans, ou seja pelo sax de Wayne Shorter, pela bateria de Tony Williams, pelo sax tenor de George Coleman, pelo baixo de Ron Carter ou pelo piano de um headhunter como Herbie Hancock, a cozinha sempre funcionava e com resultados para ouvidos que agradassem mesmo. O quinteto, aliás, acabou se tornando esse: Davis, com Shorter, Hancock, Williams e Carter, fizeram várias turnês juntos, obviamente que os outros tinham seus outros projetos fora do quinteto, que durou de 1965 a 1968. E nesse período, o rock já tinha se distorcido muito das bandas que carregavam a imagem de músicos posando de bons moços, as guitarras faziam um som muito diferente, até ecoavam bem melhores do que nunca. A partir de 1967, Miles começa a absorver como esponja tudo que estava sendo feito pela galera do blues e do rock, partindo para uma área mais viajandona do jazz, iniciando sua fase que se consolidaria como o jazz-fusion, ou simplesmente fusion mesmo. Tomado por essa iniciativa, que ajudou (e muito) com o nascimento do rock progressivo, os solos começariam a durar mais do que se imagina, faixas mais longevas e arranjos totalmente psicodélicos, é como se tivesse caído um ácido, os caras tomassem e iniciassem de inventar altos sons alucinantes, e seu pontapé inicial foi em Miles Smiles, lançado em 1967, já mostrava realmente o nascer do fusion, e a viagem só iria tendo mais vantagem e o público começou a pegar carona nessa onda dele. Já em diante, os álbuns Nefertiti, e também Miles in the Sky pegaram total essa onda mais psicodélica, carregada pro funk e pra um soul, e este último citado têm como referência principal a faixa Lucy in the Sky With Diamonds, dos Beatles, e é a partir desse disco em que ele toma a iniciativa de plugar seu trompete no amplificador, o que os mais puristas (fãs, músicos e críticos) do jazz viam quase como uma coisa de louco vindo da cabeça dele. Mas acabou sendo uma porta de entrada para esta nova fase da sua carreira, e ampliando mentes para que músicos introduzissem referências que iam desde a sonoridade vinda do Oriente (Índia, Japão) passando pelo que estava em alta, como Jimi Hendrix, que conseguiu fazer da guitarra uma máquina de melodias distorcentes total.
E foi o próprio Jimi Hendrix que conseguiu dar um sacode na carreira de Miles, através de um show dele no lendário Fillmore East (onde ele realizara lendárias performances), acompanhado por sua banda Experience e que o trompetista assistiu junto do guitarrista e amigo pessoal Carlos Santana, que confirmou o seguinte: ao ver o que Hendrix fazia com a guitarra, o jazzista se perguntou "How this motherfucker can play this?" (Como este filho da puta pode tocar assim? - tradução livre), e dali nasceu uma amizade que chegou a render jams, que, infelizmente, jamais verão a luz do sol porque Hendrix veio a falecer certo tempo depois. Mas isso ajudou muito a desenvolver seus próximos materiais, uma vez que ele já havia chamado para integrar sua banda nas gravações Chick Correa, que introduziu de vez o piano elétrico Fender Rhodes, no álbum anterior Filles de Kilimanjaro (1968) e foi graças a este disco, caros leitores do blog, que o fusion acabou se tornando em algo maior e possível no cenário, o jazz deixava de ser algo bem simples ou complicado para alguns e começou a tomar os mesmos rumos que o rock e o blues. Outro nome que começou a fazer toda a diferença e ajudando Miles a construir linhas melódicas que combinassem com essa fusion foi o tecladista austríaco Joe Zawinul, este que viria a fundar juntamente de Wayne Shorter e de Airto Moreira (é BR mano!!) um dos grupos desse segmento do jazz, o mais importante e que teve enorme influência na música dos anos 70 e 80, o Weather Report, de grande relevância no cenário e também com uma veia um pouco puxada para o pop daqueles tempos, basicamente. Foi Betty, esposa de Miles que aparece na capa de Filles de Kilimanjaro, que apresentou essa pegada toda do funk e do soul daqueles tempos ao marido, e ele acabou decidindo tomar iniciativa de fazer do jazz algo semelhante ao que Sly & the Family Stone, o pessoal do Funkadelic, Isaac Hayes, The Meters, James Brown e o próprio Hendrix estavam fazendo, sem perder toda sua essência. Com a repercussão positiva que teve, entrou em estúdio no dia 18 de fevereiro de 1969 em New York e se juntou com parte do quinteto (sem Carter) mais o guitarrista John McLaughlin, Zawinul e Correa conceberam ali In a Silent Way, o pontapé definitivo para a onda fusion que contagiou todos quando lançado em 30 de julho do mesmo ano. Abrindo o disco, temos Shh/Peaceful, com 18 minutos e 17 segundos, com um órgão bem doido e uma levada de baixo bem grooveada, a gente conclui que essa canja não decepciona nem os mais fieis fãs do trompetista, que faz de cada solo um verso de poesia e ainda apresenta um conjunto em sintonia no que fazem, resultado sem igual; já na faixa seguinte e que reina o lado B, In a Silent Way/It's About That Time, de Zawinul, não é apenas um dos melhores momentos da carreira de Miles, é também uma espécie de como um jazzista aprofundar-se no universo psicodélico, e como também poder improvisar por longo tempo, e ainda temos a potência do sax de Shorter e das teclas mágicas de Zawinul pintando e bordando por aqui, sem ignorar o baixo de Holland (que substitui Carter de vez nesta fase) não fazendo feio no repertório e ainda encerra o disco e a faixa com um belo solo de Shorter mandando ver no sax tenor e mr. Davis mandando aqueles solos de fazer a gente chorar de emoção e de ver melodias assim que nos fascinam. Este disco abriu as portas de vez para os álbuns seguintes de Miles, a começar pelo duplo Bitches Brew (1970), A Tribute to Jack Johnson (1971), Live Evil (1971), On The Corner (1972) seguidos de Big Fun e também Get Up With It (1974), além de terem ajudado músicos como Hancock, Shorter, Correa, McLaughlin, Zawinul, Correa a desenvolverem projetos como o próprio Weather Report, Mwandishi/Headhunters, o Mahavishnu Orchestra e o Return to Forever, e ajudou o disco a estampar célebres listas de maiores álbuns de jazz, inclusive na lista dos 1001 Álbuns Para Ouvir Antes de Morrer, portanto, ouça enquanto há tempo e sinta essa viagem sonora na sua mente.
Set do disco:
1 - Shh/Peaceful (Miles Davis)
2 - Silent Way/It's About That Time (Joe Zawinul)

Comentários

Mais vistos no blog