Um disco indispensável: Face to Face - The Kinks (Pye Records, 1966)

No meio da invasão britânica, uma banda protagonizou um dos momentos mais apoteóticos do cenário musical, e foi este momento que ajudou a formar o hard rock, através de um tema onde a guitarra conseguisse gritar mas do que se imagina, na música You Really Got Me lançada em 1964, catapultou de vez para a história do rock, mesmo que só tenham feito mais em terras inglesas. Porém, foi uma das principais bandas que fez parte desta invasão e feito a América naquele 64 juntamente dos Beatles, Stones e futuramente The Who, Yardbirds e The Animals, bandas que também se consagraram para o público estadunidense. Mas, diferente de muitas destas bandas, os Kinks acabaram por se consolidarem mais em seu próprio país, embora o sucesso na América não fosse o mesmo que o de outras bandas, eles viram um público quase fiel na sua Inglatera natal. Os irmãos Davies, Ray e Dave - vocais e guitarra respectivamente, sabiam como conseguirem agradar seus fãs através das canções, tendo ao lado deles o baterista Mick Avory e o baixo de Peter Quaife, juntos formam um time que arrebenta de vez com tudo. Mas, o sucesso de You Really Got Me não foi o suficiente para manterem seu sucesso nas terras americanas, pois após a turnê na terra do tio Sam e do basquete, eles foram proibidos de pisar em solo americano até o ano de 1969, quando eles já estavam com mais sucesso. O grupo foi a semente não somente do hard rock, mas de suas vertentes desta, como o próprio heavy metal, o punk rock, o hardcore e o rock alternativo possivelmente, e considerado por muitos os verdadeiros pais do britpop, pois os Davies teriam sido as grandes influências para os irmãos Gallagher, do Oasis - até nas brigas houve esta tal influência, dá pra acreditar?! Por um breve período, Quaife largou o conjunto, mas depois retornara a tempo de ver a banda conceber o seu quarto trabalho, também considerado como o primeiro disco conceitual, aonde todas as faixas seguiam um exato tema dentro do disco, como se fosse uma ópera. Naqueles tempos, o grupo era mesmo um fenômeno de outro nível com 3 álbuns e muito sucesso de vez, Ray Davies se mostrava um letrista afiado, cheio de ideias e buscando inspirações através do modo de vida cotidiana do inglês, sobre a sociedade e seus costumes em geral, e passou um período compondo só ele sem ajuda de ninguém para o próximo trabalho da banda. Com isso, o momento agora era de entrarem nos estúdios da gravadora Pye Records, em Londres no período de abril a junho de 1966 com o produtor Shel Tamy comandando a mesa de som juntamente de dois engenheiros de gravação e entregarem o conteúdo completo só no dia 28 de outubro, e assim surgiu ao público Face to Face, que como eu disse antes, falava sobre a sociedade inglesa e seus costumes, e este disco colocou o grupo em um patamar de respeito, uma vez que tendo quase sempre Nicky Hopkins nos teclados em algumas faixas pra engrossar o caldo de algumas faixas, o resultado superou as expectativas - como sempre.
O álbum já vai abrindo bem com a faixa Party Line, que inicia-se com som de telefone, significando que os caras estão em uma conexão por telefone fazendo uma festa, com uma pegada bem doida e aqui eles não fazem feio na melodia - agradaram de cara; na faixa seguinte, há um lamento mais triste de Ray Davies que soa autobiográfico em Rosie Won't You Please Come Home, inspirado na partida de Rosy Davies, irmã de Dave e Ray, que se mudara para a Austrália com o marido Arthur anos antes, aqui com uma onda que vai além do beat inglês sem perder aquele primor de sempre; na sequência, podemos contar com uma breve tiração de sarro da cena londrina e em especial da própria Swinging London em Dandy, com uma levada bem country-rock, uma das melhores faixas deste disco sem dúvidas; o lado mais triste e profundo de Ray é totalmente explorado nos versos de Too Much on My Mind, e que ganha um pouco de tons mais insípidos graças ao cravo executado por Hopkins e com algo bem similar ao folk rock que estava em alta à época; e ainda podemos ter por diante, temas como Session Man, um tema em que a banda dava uma alfinetada básica em alguém muito conhecido daquele cenário inglês - o guitarrista e futuro Zeppelin, Jimmy Page, que teria assistido a uma das sessões em que a banda gravou às 10 da manhã e riu do solo de Dave, o que deixou um certo ranço porque depois Page teria dito que gravou aquele solo - o que nós sempre soubemos que era mentira, mas ainda deixa aquele gosto de sangue na boca e vingança por causa disto; e aproveitando que a banda estava num momento em que bandas experimentavam sons e instrumentos de outros lugares do mundo e ruídos, um trovão já nos apresenta de cara o tema Rainy Day in June, com até um violãozinho bem folk e um piano que parece estar sendo tocado por um concertista clássico até, com o perdão da palavra a Hopkins, com todos os ares psicodélicos, embora a banda não tenha feito muito isso nos trabalhos seguintes; e ainda há um tempo de sobra no lado A do disco para fazerem algo mais básico de rock mesmo em House in the Country (eu quero uma caaaaaasaaa no caaaampooo... desculpa aí, me empolguei) traz da manga da Davies uma das tantas canções em que ele questiona sobre o comportamento da sociedade inglesa,com sua forma poético-musical de ver, com um solinho de guitarra bem marcante, e um ritmo quase pegado com o punk ou o hard rock em todo até ao ouvir; uma certa crítica feita sobre a forma como o Havaí se comercializou e até uma homenagem a Chuck Berry são o que formam o conceito de Holiday in the Waikiki, com uma guitarra de fundo imitando os solos de guitarra havaiana - um grande tema que merece seu valor e seu destaque para quem gosta de Kinks e de músicas dos anos 60 em geral; enquanto isso, ainda podemos ter uma boa dose de críticas ainda sobre a sociedade britânica etc. e tal nos versos de Most Exclusive Residence for Sale, a forma sobre como se gastam coisas em joias, garotas, era como se falassem dos novos ricos daqueles tempos coloridos da Swinging London ao meu ver e ouvir; se no famoso conjunto lá de Liverpool eles tinham a presença de cítaras indianas e até influência de Ravi Shankar, o conjunto dos Davies, Quaife e Avory também se inspiraram em ragas da Índia para gravarem Fancy, um grande destaque nesse disco pela canção ser bem acústica e com forte presença de cítara no decorrer da canção; ainda podemos contar com outro tema que carrega esses ares meio folk rock no disco intitulado Little Miss Queen of Darkness, é aquela música que ajuda a não deixar a essência se perder no que ainda sobra do repertório deste disco; e tendo na próxima faixa como uma grande prova de que os Kinks amadureceram muito poeticamente e musicalmente está em You're Lookin' Fine, não nega que aqui o grupo chega a parecer muito com seus companheiros, e Hopkins brilha mais uma vez no piano e não errou feio e rude em nenhum dos acordes da canção; e se você esperava aqui um sucesso totalmente maior deste disco, ele está nessa faixa: Sunny Afternoon, aonde Davies transforma o eu-lírico da canção em um canalha que briga com a namorada após uma noite de bebedeira e altas maldades, a história do aristocrata decadente entrou para o topo das paradas de vez; e para fechar o disco, ainda temos aqui um rock bem enérgico pelas melodias, I'll Remember fala sobre alguém que vive a lembrar das coisas que viveu com alguém e se lamenta pelos erros e fechando assim esse Face to Face com tudo, sem ter deixado o primor se perder ao longo do repertório do disco.
Tendo sido um pontapé inicial para a fase de discos conceituais, e sido um disco muito bem recebido pelas críticas, o disco não conseguiu se tornar um fenômeno de vendas como se esperava, porém se tornou um antecedente para os discos Something Else em 1967, mais adiante em 1968 com The Village Preservation Society, e depois com Lola e Arthur eles conseguiram ir além sem ter mergulhado muito na psicodelia. Enquanto isso, no final dos anos 80 e início dos anos 90, muitas bandas britânicas começaram a modelar o som voltando atrás em referências sonoras, e este disco além de outros tantos da banda foram escolhidos por gente como os já citados Gallagher. Antecipando o que seria a revolução sonora de 1967, esse disco foi muito inovador para a trajetória da banda, e ajudou a colocá-los, inclusive, em uma famosa lista dos 1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer, provando seu verdadeiro valor com o passar dos anos.
Set do disco:
1 - Party Line (Ray Davies/Dave Davies)
2 - Rosie Won't You Please Come Home (Ray Davies)
3 - Dandy (Ray Davies)
4 - Too Much on My Mind (Ray Davies)
5 - Session Man (Ray Davies)
6 - Rainy Day in June (Ray Davies)
7 - House in the Country (Ray Davies)
8 - Holiday in the Waikiki (Ray Davies)
9 -  Most Exclusive Residence for Sale (Ray Davies)
10 - Fancy (Ray Davies)
11 - Little Miss Queen of Darkness (Ray Davies)
12 - You're Lookin' Fine (Ray Davies)
13 - Sunny Afternoon (Ray Davies)
14 - I'll Remember (Ray Davies)

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