Um disco indispensável: In the Aeroplane Over the Sea - Neutral Milk Hotel (Merge Records, 1998)

Nos anos 1990, diversos grupos alternativos pintaram e bordaram na cena, cada um trazendo um determinado tipo de som para o público e tentava se manter fiel ao público, não é à toa que diversas bandas ganham até hoje um público que cultua o conjunto de sua obra. Um desses grupos da geração 90 que conseguiu atrair tantos fãs com o passar dos anos foi o Neutral Milk Hotel, banda norte-americana fundada em 1989 no estado da Louisiana, na cidade de Ruston, apenas como um projeto de gravar umas fitas através do vocalista, guitarrista, baixista e baterista Jeff Magnum, na época um adolescente de 17 anos, e que começou assim: um projeto tipo one-man-band, a banda de um homem só, às vezes com alguns amigos dando uma ajuda, sua banda até 1995 gravava fita demos, foram seis demos ao todo. E assim foi durante um breve período até que em 1996,quando Magnum decidiu se juntar a Jeremy Barnes, Scott Spillane e Julian Koster para complementarem ainda mais o grupo. O som do Neutral Milk Hotel carrega diversas referências e elementos sonoros: além de um folk mais tradicional, apegado ao antigo, também carrega um pouco de psicodelia e até mesmo do punk. Ou seja: uma sonzeira bem doida, que soa até retrô pra quem gosta, mas que atrai uma galera mesmo assim, sem parecer frescura pra quem nunca ouviu o trabalho deles, apesar de hoje não serem totalmente um conjunto em atividade. Apesar de também ser visto como um contexto do que a galera dos tempos de agora chama também de "rock triste" com poesias remetendo a depressão, tristeza, melancolia e tudo o que foi feito a partir da linhagem do Joy Division, Smiths, The Cure, e outros nomes que poderia seguir citando, inclusive, muitas bandas atuais carregam esse tipo de linhagem poética, que é totalmente ligado também a essa coisa de isolamento social, solidão, melancolia e tal. Após lançarem o álbum de estreia intitulado On Avery Island, em 1996, a banda decidiu iniciar uma rota de apresentações até o verão de 1997, aonde se retirou novamente em conjunto com o produtor Robert Schneider, do Apples in Stereo - um grupo de indie rock daquela década - parceiro nas criações sonoras do grupo, e que tocou fuzz bass, órgão e piano de uma nota em diversas faixas de um dos álbuns mais importantes da música nos anos 1990, que traz diversos elos de ligação com Anne Frank, a menina judia fugitiva da guerra morta em 1945 antes do término da II Guerra Mundial, e também um pouco com o livro Alice no País das Maravilhas, escrito por Lewis Carroll (1832-1898) - um surrealismo poético-musical muito doido, que só vindo de Magnum mesmo, transformando-se em In the Aeroplane Over the Sea, lançado em fevereiro de 1998 pela Merge Records, acabou se tornando o ponto alto do grupo, se tornando um dos mais cultuados álbuns dos anos 90. Influenciando nomes como Win Butler (Arcade Fire), o duo The Swell Season, a banda Brand New e também aqui no Brasil alguns nomes também tiveram sua influência. A capa foi uma ideia mais que mirabolante do próprio Magnum em parceria com Chris Bilheimer, o designer do R.E.M, banda pioneira do rock alternativo dos anos 80, na qual Jeff mostrou um cartão postal europeu com jovens banhando no cais e admirando uma moça, mas o rosto dela foi recortado e substituído por um pandeiro - olha que incrível! Além de ter diversos desenhos no encare dando um toque bem retrô, clássico, inclusive, o encarte com fichas técnicas mostra um lance bem cirquense, anunciando a vinda de um circo sem imagens, apenas.
E com essa atmosfera meio retrô e tudo mais que o álbum vem a nos oferecer, sem deixar você, caro leitor/ouvinte, preocupado com perfeccionismos sonoros e tudo mais. Magnum conseguiu transpor tudo isso com precisão, indo além inclusive nas referências sonoras e poéticas: essa jornada cheia de reclusão afetivo-imaginária que Magnum transpõe através das 11 faixas no decorrer deste álbum. O álbum abre em definitvo com a primeira parte de The King of Carrot Flowers, com dois minutos e desplugadaça, com acordeom, traz uma visão de quando pequeno e você querer se sentir um personagem, cheia de contradições, une um pouco sobre a vida de um casal em problemas - carregada de muito peso emocional nos versos; já em seguida, a segunda e a terceira parte começa com um "I love you Jesus Christ/Jesus Christ, I love you, yes I do" (Eu te amo, Jesus Cristo/Jesus Cristo, eu te amo, sim - tradução livre), e aqui a agressividade musical ganha destaque, e você parece que não está perdido na faixa, a transição de um folk para algo parecido com um punk ou grunge, ou seja - uma pedrada que garante mesmo; já em diante, partimos de cabeça para a faixa que leva o nome do álbum, uma ode à menina Anne em In the Aeroplane Over the Sea, aonde o próprio Magnum fala sobre o quão maravilhoso compartilhar viver num mesmo planeta que ela - mesmo com décadas de distância separados, e com um grande destaque pelo seu arranjo - que traz folk, country e também blues, com os destaques para os sopros, em seus 3 minutos maravilhosos oferecidos aqui, nada que faça os ouvidos se estranharem; e outra faixa aqui que se destaca muito pelo seu arranjo e pelo seu contexto poético-musical aqui neste disco é Two-Headed Boy, a hsitória de um garoto mutante com duas cabeças que cria um tocador de rádio captando sons no escuro (isto é incríííííííííííveeeeeel) mas também fala sobre solidão e como o disco gira em torno dessa história de Anne Frank, trata-se de como ela se sentia ao se esconder dos nazistas numa atmosfera sonora que deixa a gente impressionado, lembra um pouco certas coisas de country/folk mais dos anos 60 e 70, tipo CSNY (Crosby, Stills, Nash & Young) e também algo meio voltado para um blues desplugado nos seus quatro minutos e vinte segundos de duração - um tema bom, por sinal; mais em seguida, temos um tema instrumental aqui para engrossar o caldo - e é The Fool, de autoria de Scott Spillane, aqui similando uma marcha militar com os sopros, como se fosse ambientada em uma cena de invasões nazistas naqueles tempos sofríveis da II Guerra, profundo demais até; e seguida dessa marcha militar melódica, temos aqui um tema que chega perto do que é a passagem dos últimos dias da jovem - Holland, 1945 é uma forma de como Jeff se diz triste sobre a passagem de Anne durar pouco e descrevê-la como uma moça que nasceu com rosas nos olhos, mas que fora enterrada numa tarde de 1945 - e os metais aqui não decepcionam nossos ouvidos de jeito nenhum; mais a seguir, temos também um tema que carrega um contexto diferente e com uma letra cheia de referências totalmente sexuais: estou falando de Communist Daughter, com menos de dois minutos fala sobre a questão dos valores morais e da sexualidade humana, e chega a passar um pouco batido aqui nas diversas escutas; a outra faixa de grande destaque e a mais longa - OITO MINUTOS E DEZESSETE SEGUNDOS, BICHO!!!! - com um toque bem folkzaço e na qual Magnum gravou sua única parte (voz e violão) em apenas UM SÓ TAKE, e em Oh Comely, aonde a história de um pai adúltero ganha sua vez nos versos que acompanham esta faixa e Magnum retorna com Anne falando sobre sua pureza no final da canção, sem perder o rumo dos versos e dos arranjos; logo a próxima faixa do disco já tem uma atmosfera bem pesadona, e Ghost começa a ganhar um corpo ritmico bem Nashville Sound com uma pitada ácida de shoegaze e noise nas guitarras e no ritmo, fala sobre um fantasma que habita dentro de uma certa casa - outra possível referência da jovem aqui na faixa; ainda no disco, temos aqui outro tema instrumental que acoberta o repertório e mantêm o caldo na mesma quantidade de tempero sonoro, e é essa instrumental de 2 minutos sem nome, creditada como Untitled (não-titulada) que mostra de vez que o álbum está terminando, mas antes sem um experimento sonoro bem doidaço misturando até gaitas de fole escocesas aqui, agradáveis por sinal; e para encerrar completamente o álbum, uma segunda parte daquela história do menino mutante de duas cabeças que cria um rádio, Two Headed Boy (Part Two), aqui traz primeiro em um dos versos a promessa de um amor eterno à Frank e depois volta com a temática do menino que vocês já sabem qual é, né non? E ainda termina com Jeff deixando o estúdio após o final da música, raramente usado em canções o cara saindo após cumprir sua missão nos estúdios com as vozes de produtores e engenheiros discutindo ou microfones e amplificadores sendo desligados. É, no decorrer dos tempos, sempre duvidei que este trabalho não fosse tão relevante para a música dos anos 90, mas ajudou muito com a popularização não apenas do disco e da banda, mas do talento de Jeff Magnum, talvez um dos mais relevante e dos mais talentosos compositores daquela geração, embora tenha sido por muitos anos, um gênio incompreendido de valor só descoberto anos depois do lançamento deste trabalho ao meu ver. C'est fini.
Set do disco:
1 - The King of Carrot Flowers, Part One (Jeff Magnum)
2 - The King of Carrot Flowers, Parts Two and Three (Jeremy Barnes/Julian Koster/Scott Spillane/Jeff Magnum)
3 - In the Aeroplane Over the Sea (Jeff Magnum)
4 - Two-Headed Boy (Jeff Magnum)
5 - The Fool (Scott Spillane) - instrumental
6 - Holland, 1945 (Jeff Magnum)
7 - Communist Daughter (Jeff Magnum)
8 - Oh Comely (Jeff Magnum)
9 - Ghost(Jeff Magnum)
10 - [Untitled]  (Jeff Magnum) - instrumental
11 - Two-Headed Boy, Part Two(Jeff Magnum)

Comentários

Postar um comentário

Por favor, defenda seu ponto de vista com educação e não use termos ofensivos. Comentários com palavras de baixo calão serão devidamente retirados.

Mais vistos no blog