Um disco indispensável: Los Gatos - Los Gatos (RCA Vik, 1967)

Pioneiros no boom definitivo do rock argentino, Los Gatos foi um grupo que conseguiu transformar a cena daquele país em algo relevante, muito além do Club del Clan, que revelara nomes como Palito Ortega, Johnny Tedesco, Violeta Rivas, Graciela Borges, Lalo Fransen, Jolly Land e alguns conjuntos como os uruguaios Los Iracundos, que se distanciaram muito da imagem de uma banda qualquer com o passar dos anos. Também pintavam e bordavam outros nomes, como o galã Roberto Sánchez, que ficou mais lembrado pelo nome de Sandro - um Elvis movido a mate e a tangos, inclusive, se tornava um dos ídolos mais disputados a tapa pelas mulheres. A invasão uruguaia surtia o mesmo efeito que a da britânica nos EUA, através de grupos como Los Shakers, dos irmãos Osvaldo e Hugo Fattoruso, e também Los Mockers, ambos que imitavam e muito a sonoridade e o visual dos Beatles àqueles tempos. Na época, haviam conjuntos como Los Vikings, The Hammers, Los Beatniks dentre outros que rondavam aquela parte meio desconhecida do público. Em 1962, surgia em Rosario, um grupo chamado The Wild Cats - depois Los Gatos Salvajes - que iniciava suas atividades no cenário com Rubén Rojas nos vocais, Ciro Fogliatta nos teclados, Juan Carlos "Chango" Pueblas na guitarra e o baterista Ricardo Bellini - pioneiros nos temas autorais hispânicos, fora as regravações de temas de Elvis Presley, Chuck Berry entre outros. Mas em 1964, acontece que Rubén decide partir para o Exército, tal como Elvis seis anos antes, e para ocupar seu espaço, entra um jovem de 15 anos chamado Félix Nebbia, que viria a ser conhecido como Litto Nebbia, com um futuro já definido para a música, assim como sua família que era desta vertente. Enquanto o grupo vinha crescendo, com sucesso até em Buenos Aires, tocando em programas de televisão como Escala Musical, exibido à época no Canal 13 e que trazia diversos nomes do cenário musical naquela época, e deixando o território rosarino para morarem na capital argentina de vez. Em 1966, na sua última formação, com Alfredo Toth (futuro G.I.T. anos mais tarde) no baixo, após terem feito um disco, o grupo acaba tendo seu contrato com o programa cancelado, e sendo obrigado a encerrarem as atividades. Mas, mesmo assim, Nebbia já tinha contato com outros músicos ali, e decide reiniciar uma banda nova, com Fogliatta e Toth, com apenas 16 anos, tocando em um dos locais mais épicos do rock argentino, La Cueva, um típico clube de jazz situado na rua Pueyrredón, tendo ali o guitarrista Kay Galifi e também o baterista Oscar Moro, este senão um dos maiores músicos do país que já existiu, tendo passagens antológicas no rock futuramente em bandas como Color Humano e Serú Girán, entre outras.
Fogliatta, Nebbia, Moro, Toth e Galifi:
prontos para inovar no rock argentino em 67
Haviam diversos grupos nesse cenário pré-balsa, dentre o Los Gatos Salvajes, os poetas Pipo Lernoud e Miguel Grinberg, grupos como Los Beatniks, formado por Mauricio Birabent, conhecido como Moris, Pajarito Zaguri e Javier Martínez - futuro baterista do Manal, The Seasons com Alejandro Medina e Carlos Mellino, Los In com Francis Smith e compositores como José Alberto Iglesias (1945-1972), dono de diversos apelidos, como Tanguito, Ramsés, Donovan, Susano Valdés entre outros. Foi com Iglesias que, Nebbia compusera no banheiro de um restaurante chamado La Perla del Once, um tema que revolucionaria o rock argentino de vez: e nasceu em maio La Balsa, de um instante. Gravaram em junho daquele mesmo ano nos célebres Estudios TNT na capital portenha este tema, mais Ayer Nomás, de autoria de Birabent e Lernoud, e no meio disso surge um contrato com a gravadora RCA os deram a obrigação de gravarem um disco completo no período de abril a outubro de 67 com Mario Osmar Pizurno coordenando a produção. O resultado, lançado em 11 de novembro, acabou surpreendendo muito a cena e até os DJs de rádios hermanas, nunca eles (os DJs) imaginaram que, com aquele disco, já conseguiram muito mais do que somente alguns cantores e grupos até antes do lançamento. O álbum já nos impressiona logo de cara com La Balsa, com um fraseado de guitarra seguido de um solo de órgão, apresentava de cara versos que soavam como um tiro nos nossos ouvidos, e a voz de Nebbia plena a cada verso entoado, e assim o rock argentino ganha sua revolução; já a faixa seguinte Ya No Quiero Olvidar, o piano aqui dá um toque bem peculiar para canção, ainda que também temos uma pegada bem viajante, com direito a vocais e solos de guitarra de Galifi e muitos "lalala" que engrossam acidamente o caldo; na sequência, temos uma baladinha bem suave, intitulada Lo Olvidarás, aonde Nebbia fala sobre uma moça que um dia há de esquecer com o ex e profetiza que há de encontrar alguém que a faça feliz, com melodia similar a Winter Shade of Pale, do Procol Harum, banda popular naqueles tempos; a leveza sonora de tonalidade beat psicodélica segue aqui em Madre Escúchame, mantendo a mesma fórmula das canções anteriores: vocais harmoniosos, um piano bem doce, mas também traz uns solos de gaita executados por Litto Nebbia, aliás, o cara mandou e muito bem na harmônica desta canção; ainda no disco contamos também com Un Día de Otoño, com uma narrativa bem simples, mas agradável, sem perder o ritmo, temos aqui um órgão chapante comandado por Fogliatta que não engana nossos ouvidos de jeito nenhum - os hermanos mandaram ver em mais outra delícia de peso nesse discaço; ainda temos, fechando o lado A, uma canção com ares mais pops e cheia de fuzzes de guitarra, e o deboche é um tema presente em Ríete, que não deixa a essência morrer no restante do disco e segue o embalo das faixas anteriores; e abrindo o lado B, um tema com orquestras e uma pegada mais parecida com a da nossa Jovem Guarda, o tema El Vagabundo mostra um pouco mais de peso até, apesar de ser um tema mais comercial para aqueles anos - sem muita frescura; adiante, temos um tema bem mais psicodélico pela vibe do órgão e da guitarra, estamos falando de Me Harás Sentir el Amor, uma das tantas canções com aquela pegada mais aproximada do que faziam os Doors, Jefferson Airplane, Cream dentre outras tantas bandas; outro tema que também ganha destaque é uma composição de Moris e de Pipo Lernoud, a já citada Ayer Nomás, que dá um belo show em instrumentalidade e poesia, sem decepcionar aqui a gente, e que fora lado B de La Balsa em um compacto simples meses antes; em seguida, ainda temos uma canção, uma das mais curtas do disco, com o nome de Mi Ciudad, aonde Nebbia fala sobre Rosario e recheada de boas lembranças da cidade, com direito a um solo de guitarra de Galifi brigando com o piano e com um ar mais de música de cabaré das primeiras décadas do século XX adaptados para aqueles 60 sem deixar perder todo seu primor; mais por diante, temos um tema com ares mais pegado ao folclore argentino, El Rey Llloró, totalmente com cara de folk rock (lembra até Byrds pela sonoridade) e que abre com percussão e sons de pássaros, acaba sendo um grande destaque pelos seus versos e pela melodia que ambienta nesta faixa total; e ainda fecha o disco com uma bossa mais acelerada e psicodélica, estamos falando de Que Piensas de Mi, curtinha, mas também vale a pena pela sonoridade, uma pegada dançante, totalmente parecida com o nosso samba, excelente por sinal, fechando o disco com tudo.
O disco acabou se tornando de vez um pontapé grandioso para o rock argentino a partir de Los Gatos, que, graças ao sucesso de La Balsa, provou que um grupo argentino podia fazer suas próprias canções, e quiçá fazer algum sucesso. Com este disco, veio a público nomes como o próprio Tanguito, Miguel Cantilo e Jorge Durietz (a dupla Pedro y Pablo), Luis Alberto Spinetta, Pappo (participando do grupo nos últimos anos), Miguel Abuelo, Charly García, Nito Mestre, León Gieco, Raúl Porchetto, Andrés Calamaro, Fito Páez e bandas como Manal, Vox Dei, Almendra, Sui Generis, Crucis, Espíritu, Polifemo entre outras tantas. É por estas e outras tantas que os caras merecem todas as honrarias dignas de representarem a Argentina no rock latino dos 60 e de sempre total. Em 2007, eles puderam ter o prazer de terem seu disco ocupando o 36º lugar na lista dos 100 Melhores Álbuns do Rock Argentino, organizado pela revista Rolling Stone, enquanto cinco anos antes, a mesma revista mais a MTV Argentina fizeram uma lista com os 100 maiores hits do rock argentino e, olhem só, La Balsa ocupando ali o 1º lugar de forma soberana, mostrando que o legado de Nebbia e de Tanguito (falecido em uma tragédia triste em abril de 1972 antes de chegar aos 27 anos), sem ignorar os talentos de Fogliatta, Galifi, Toth e Moro, os grandes monstros sagrados do rock argentino. 4 décadas depois (o grupo se dissolveu em 1970 já), se reuniram para um célebre show no teatro Gran Rex, sem Oscar Moro nas baquetas (falecido um ano antes) tendo Rodolfo García (Almendra) em seu lugar, e uma vez que Galifi havia se mandado para o Brasil onde vive desde 1969 e voltou para esta ocasião, que teve até DVD onde mostra o grupo com outro rosarino célebre, Fito Páez, cantando juntos La Balsa em estúdio, unindo os mestres e os aprendizes que beberam na fonte dos primeiros. Fonte que jamais se secou com o passar dos anos.
Set do disco:
1 - La Balsa (Litto Nebbia/José Alberto "Ramsés" Iglesias)
2 - Ya No Quiero Olvidar (Litto Nebbia)
3 - Lo Olvidarás (Litto Nebbia)
4 - Madre Escúchame (Litto Nebbia)
5 - Un Día de Otoño (Litto Nebbia)
6 - Ríete (Litto Nebbia)
7 - El Vagabundo (Litto Nebbia)
8 - Me Harás Sentir el Amor (Litto Nebbia)
9 -  Ayer Nomás (Mauricio "Moris" Birabent/Pipo Lernoud)
10 - Mi Ciudad (Litto Nebbia)
11 - El Rey Llloró (Litto Nebbia)
12 - Que Piensas de Mi (Litto Nebbia)

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