Um disco indspensável Raça Negra (Volume 3) - Raça Negra (RGE Discos, 1992)

Em seus quase dez anos de estrada, o conjunto musical Raça Negra conseguiu deixar São Caetano do Sul, cidade da região do ABC paulista, e brevemente lançaram em 1991 o seu primeiro disco, que tinha letras repletas de romantismo puro nos versos, e também uma levada bem de suingue total, que unia soul, pop e até mesmo reggae no samba/pagode que ambienta nas canções do grupo. O grupo, surgido em 1983 como um trio, de nome A Cor do Samba, que não era visto como bom e devido às piadas feitas, se viram na obrigação de mudarem, e com a popularidade em alta no cenário, fazendo muitas apresentações no Bar Coalhada, mudaram para o nome que nós realmente conhecemos até hoje: Raça Negra, e dali em diante só ia crescendo a popularidade. O trio foi crescendo, e para complementar, Luiz Carlos - o carismático vocalista e também violonista, mais o surdista Fena e o baixista Paulinho contariam com Edson Café na percussão, Fininho na bateria, João Carlos "Gabú" no pandeiro e voz principal em algumas canções, Fernando Monstrinho no tantã e tendo como músicos de apoio o saxofonista Irupê, que fez parte de um conjunto da Jovem Guarda, o lendário The Jordans, mais o tecladista Júlio Vicente foram a época de ouro do pagode 90, juntamente de conjuntos como Art Popular, Karametade, Katinguelê, Molejo e inclusive o Só Pra Contrariar trouxeram o pagode a patamares semelhantes ao de bandas como Beatles, Rolling Stones, Kinks e The Who com a invasão britânica em solo americano nos anos 90: letras, uma imagem que atraísse a mídia e discos que vendiam feito água. E, com o sucesso do primeiro disco, que apresentava temas relevantes, dentre eles, Quero Ver Você Chorar, mais Caroline - o primeiro grande sucesso do grupo, Volte Amanhã, Que Amor é Esse e também Somente Você marcaram o início de um estouro do novo maior fenômeno do samba, que ao invés de falar somente da malandragem, dos morros, exagerava no romantismo e tinham como referência principal nesse assunto de amor o mestre em dor de corno, desilusão amorosa e romances bem vividos o grande Tim Maia (1942-1998), e os pagodeiros devem não somente a ele, mas também a Roberto Carlos, Fábio Jr., Gilliard, José Augusto dentre outros tantos nomes, encabeçaram essa forma de romantismo, visto como brega, de péssimo gosto, assim como uma música mais pro povão, mas queriam mais o quê? O Brasil vivia um momento de incertezas, com o processo de impeachment contra o presidente Fernando Collor fora aprovado pela Câmara dos Deputados e pronto para ser votado, a imprensa cultural via num país perdido com a invasão sertaneja na mídia, duplas como Chitãozinho & Xororó, Leandro & Leonardo, Zezé Di Camargo & Luciano, João Paulo & Daniel entre outras tantas, e com o efêmero boom de curta duração da lambada, o rock e a MPB pareciam não atender mais tanto a necessidade dos grandes veículos de comunicação e os pagodeiros começaram também a ocupar esse cenário: programas de televisão, revistas, e o Raça Negra já com um segundo disco, que trazia mais sucessos, como É O Amor - regravação dos dois filhos de Francisco, Pensando Em Você, um samba-rap entoado por Gabú intitulado De Bem Com a Vida, além de Só Com Você, Quanta Saudade incluindo nesse a regravação de Desculpe, Mas Eu Vou Chorar faziam a alegria nas pistas de dança do Brasil afora e, querendo ou não, eles eram o novo no cenário pop brasileiro.
Com o mesmo sexeto dos dois primeiros discos e a entrada de Café, mais Júlio Vicente e Irupê colaborando nos arranjos e produção, esta parte que ficava mais por conta de Antônio Carlos de Carvalho, que esteve junto desde o primeiro álbum até 1998, quando eles lançam o volume 9 pela gravadora RGE, que fecharia no ano seguinte - quando o Raça já estava com a Universal Music gravando um disco ao vivo. Mas, com o volume 3, que não tem título, apenas o nome da banda, foi que o sucesso da banda conseguiu ir mais longe, sendo um dos discos de maior sucesso do grupo até hoje e um dos que mais superou todos os lançamentos do pagode daquele ano, inclusive o segundo disco também lançado naquele mesmo 92 em especial. O disco já abre com um violão bem suingado que é o ponto de partida para Oi (Estou Te Amando), com aquela levada de samba rock, a levada rítmica e até os metais sintetizados estão em harmonia, já nos tira pra dançar na pista de dança com a morena e dar aquele cheiro no cangote dizendo "É legal demais ter você pra mim/Você sabe bem que te quero assim" - é um tema e tanto; já na próxima faixa, o melodismo e os sentimentos mais tristes estão num samba mais morno, e Perdi Você mantêm essa essência que figura nas canções do grupo, com um refrão que não estraga o clima nos versos "Sofro de saudade/Morro de saudade/Por favor, volte pra mim" como se a pessoa não aguentasse mais viver sem sua amada, e Luiz Carlos lamenta os motivos de perder seu amor sem forçar um tom melódico pra cantar, isso é impressionante; na sequência temos um tema mais suave, com ares de sofrência mesmo, e com o nosso vocalista interpretando do pandeirista Gabú uma das mais belas canções deste disco, Jeito Felino não é uma baladinha qualquer, mostra realmente o que é sofrer com um pagode sem excesso de arranjos supercriativos, só o básico de um sambinha romântico pop já é o necessário; a faixa seguinte traz uma letra bem mais do mesmo, mas com aquele suingue de sempre, desta vez quem canta é Gabú, que manda ver no pandeiro e interpreta Estou Bem, repleta de auto-estima e sem muita melancolia nos versos, dando um pouco de moral; abrindo espaço para o lado mais intérprete do grupo, presente em todos os discos do Raça como sabemos, a faixa Gostoso Sentimento, escrita por Fátima Leão e por Zezé Di Camargo e gravada em 1991 no quinto álbum de Leandro & Leonardo, e aqui não erra na versão do grupo, que traz um solo de saxofone do grande Irupê e aprovado aqui como uma das mais fieis versões deste tema; com o rock brasileiro na maior baixa, o grupo conseguiu recriar um dos maiores clássicos do rock, da MPB e dos anos 80, estamos falando de Será, do conjunto musical Legião Urbana, que segundo Luiz Carlos, foi para provar a Renato Russo que o samba podia variar sem ousar desonrar a versão original do grupo, presente no primeiro álbum (1985) sem muita comparação em termos de interpretação e arranjo para não render uma treta aqui; com uma levada mais diferente, quase sem muito sal, dá realmente pro gasto a faixa Algo em Comum, que passa meio batido pra muita gente e quase um lado B do repertório do grupo, não muito lembrado; com o restante das faixas  do disco são escritas unicamente por Luiz Carlos, ele desfila aqui com um tema bem no estilo desabafo após fim de relacionamento, estamos falando de Que Pena, aonde ele fala que "não há chance nenhuma de voltar pra mim" e lamentando o fato de sua ex-amada estar sempre na vida dele, mesmo terminados, mas se salva entre as faixas; mais em diante, contamos realmente com o tema que se destaca realmente não somente no disco, mas no repertório da banda e nos shows e estamos falando sobre Cheia de Manias, do verso "então me ajude a segurar essa barra que é gostar de você... iê... didididididiê" composta por Luiz Carlos lá em 1974, quando tinha 17 anos e trabalhava como diagramador na Folha de São Paulo (sim! ele trabalhou lá, tem até entrevista que prova isso) e teve que sustentar suas sete irmãs com o pai já falecido, depois de 18 anos, a letra é gravada e acabou se tornando esse sucesso aí que faz até hoje; para terminar este álbum clássico do nosso amado pagode (ou samba romântico, como queiram), temos aqui Era Diferente, também dele, traz aquele ar de nostalgia sobre um romance, e a visão do eu-lírico sobre este e reflete das mudanças, apelando para o choro, como em toda situação típica, com um toque romântico nos arranjos pra complementar.
Como em casos bem raros, o disco original tendo uma duração curta, apenas 34 minutos, a gravadora RGE decidiu colocar para o formato de CD mais quatro faixas bônus, para encher linguiça e não soar rápido demais: estas quatro faixas são do segundo álbum, inclusive, foi assim também com o primeiro CD do grupo (1991) e essas quatro faixas são Cigana, do famoso refrão pegajoso "então vem (então vem), maltrata de vez (maltrata de vez)..." que fora uma das músicas mais tocadas daquele ano, seguido de Quanta Saudade, o samba-rap de Gabú e o já citado De Bem Com a Vida, e pra fechar, Só Com Você encerram esta versão mais recheada do álbum, digamos assim. Têm sido a porta de entrada para muitos grupos que vieram depois, ajudando a fortalecer o movimento dentro e fora da mídia, e mesmo não sendo visto como um disco importante para MPB, pode até ouvirmos coisas de que não é realmente um samba, sendo que eles foram vistos como um conjunto de samba pop naquela década  e tiveram um grande papel em revitalizar o samba naquele momento. Em março de 2016, quando parte da discografia do grupo já estava nos streamings, os trabalhos lançados à época da RGE entraram de vez, porém, uma confusão na capa deixou até os mais fãs confusos: em vez da capa original com fundo azul com a banda unida e os instrumentos à frente, a capa acabou sendo a do álbum anterior com fundo branco e ainda sem Café, mas nem a Som Livre (gravadora responsável pelo acervo da RGE) notou isso realmente. E, 25 anos depois, é o grupo que mais domina esse segmento, que para Luiz Carlos, é apenas samba romântico, mas tanto faz, o que importa é ser feliz ouvindo este e outros clássicos do pagode ou samba (como queiram), numa boa, seja no carro, em casa, numa balada, e pronto. 
Set do disco:
1 - Oi (Estou Te Amando) (Edson Café/Gabú/Luiz Carlos)
2 - Perdi Você (Luiz Carlos/Gabú)
3 - Jeito Felino (Gabú)
4 - Estou Bem (Luiz Carlos/Antonio Carlos de Carvalho) 
5 - Gostoso Sentimento  (Fátima Leão/Zezé Di Camargo)
6 - Será  (Dado Villa-Lobos/Marcelo Bonfá/Renato Russo)
7 - Algo em Comum (Antonio Carlos de Carvalho/Fernando Boêmio)
8 - Que Pena (Luiz Carlos)
9 - Cheia de Manias (Luiz Carlos)
10 - Era Diferente (Luiz Carlos)
FAIXAS BÔNUS DA EDIÇÃO EM CD:
11 - Cigana (Gabú)
12 - Quanta Saudade (Luiz Carlos/Gabú)
13 - De Bem Com a Vida (Gabú/Antonio Carlos de Carvalho)
14 - Só Com Você (Peninha/Antonio Carlos de Carvalho)

Comentários

  1. Paulinho e Fena seja humildes e gravam musicas do gabu no disco de vces .experiências q o orgulho detona grandes realizações hje vces tem de sobra entao .... vai la.

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