Um disco indispensável: Live at the Apollo - James Brown (King/Polydor Records, 1963)

Não é à toa que os álbuns ao vivo sempre mostram o melhor que um artista pode oferecer, os momentos mais brilhantes, a empolgação do público, não importa aonde: seja no palco de um teatro ou de um estádio esportivo, ou seja dentro de um estúdio de gravação mesmo. E sabe quem ajudou a consolidar os registros ao vivo como materiais de peso nas discografias de todo e qualquer artista? Sabe quem? Ele, o número 1, o Soul Brother, o Senhor Dinamite, o cara que faz todo mundo botar pra quebrar na pista de dança, ele que fazia o chão tremer e as estruturas pra abalar. Sim, minha gente. Estamos falando dele: James Brown! O cantor, compositor, dançarino, bandleader, empresário, dono de gravadora, produtor e até mesmo ativista político veio por baixo (como muitos artistas) e de uma simples cidade do estado norte-americano da Carolina do Sul de uma humilde população chamada Barnwell, no dia 3 de maio de 1933 e veio ao mundo como James Joseph Brown Junior, cuja família vivia em extrema pobreza, viu sua mãe o deixar com apenas seis anos para viver com outro homem, ficou com seu pai, mas não por muito tempo. Acabou indo viver com uma tia sua na Geórgia, e que era dona de um prostíbulo, mas sua vida mesmo era na rua, trabalhando e batalhando como engraxate, trocando selos, lavando louças, cantando em concursos de talentos na cidade de Augusta, aonde vivia com sua tia. Ganhou do pai sua primeira harmônica (gaita de boca) ainda quando jovem, e aprendeu com um célebre músico que namorava uma das moças da casa de sua tia, o lendário Tampa Red, também aprendeu piano e bateria com outros músicos. Fora de casa, ele era um moleque pervertido: aprendeu a conviver no mundo do crime, e no final dos anos 40, fora preso por praticar assalto a mão armada e em seguida, mandado para uma escola reformatória. Ali, numa dessas em Toccoa (Geórgia) conheceu um dos primeiros grandes parceiros na sua trajetória, Bobby Byrd, cuja família pediu a soltura de James (que estava com 3 anos de sentença) desde que ele não pisasse mais os pés em Augusta ou Richmond County, e seguiu tentando buscar chances como boxeador ou arremessador em um time de beisebol semi-profissional - encerrada após uma lesão na perna, o foco agora era totalmente na música. Aos 22 anos, Brown cantava em um coral gospel com a irmã de Byrd, Sarah, e na sequência se junta ao conjunto vocal do qual Bobby fazia parte, e nasceu assim os Famous Flames, grupo vocal que dava apoio a James durante os anos 50 até 1968, e que fez parte de diversos discos do soulman de Barnwell, inclusive deste ao vivo que iremos falar. Com uma carreira consolidada, com diversos hits no Top 100, mesmo não figurando em 1º lugar, Brown precisava mostrar sua potência em palco, e mostrar que era o grande best seller da soul music americana, tal como Ray Charles, Aretha Franklin, Otis Redding, entre outros. Para isso, teve de enfrentar o executivo da King Records - sua gravadora - Syd Nathan, que não foi a princípio com sua ideia de registrar um show no Apollo Theatre - a casa da música negra no Harlem (New York), mas arriscando tudo para que pudesse realizá-lo, podemos concluir que "E não sabendo que era impossível, foi lá e fez", para Brown nada seria impossível: com um adiantamento de US$55.7OO, e as gravações realizadas em um 24 de outubro de 1962 que pretendia entrar para a história não somente de Brown, da gravadora King, da música soul e R&B mas da música em todo.
"E aí, gente! Aprenderam a fazer um espetáculo de qualidade agora?"
Com o engenheiro de som Chuck Speitz pilotando a mesa de som, mais uma banda de peso que trazia a regência de Lewis Hamlin no trompete e direção musical, e um público em delírio: era a hora da estrela brilhar e mandar ver. Ah, e foi o próprio Brown que produziu o disco, além de comandar a banda e a direção musical com Hamlin, não esquecendo aqui este ponto de destaque. A abertura do show trazia o organista e mestre de cerimônias Lucas "Fats" Gonder anunciando na Introduction to James Brown & The Famous Flames, desta maneira "...the hardest working man in showbusiness" (o homem que mais trabalha duro no showbusiness), e anunciando os sucessos, sempre com uma pausa pra banda fazer um clima com uma mudança de tom, e surge um instrumental com a banda botando pra quebrar; em diante, nos dois minutos de I'll Go Crazy, ele prova mesmo porque ele é o cara que mais trabalha duro, e começa a fazer a multidão ir ao delírio - dá pra sentir pela captação do áudio, e a guitarra é o que ajuda na levada, tocada por Les Buie, que também viria a ser o road manager dele na época, com melodias bem fáceis de tocar por sinal; a próxima faixa que segue esse registro maravilhoso é a doce balada Try Me, aonde aqui a vibe romântica ganha um pouco de energia com a ajuda do público e também mantendo a essência do arranjo original, embora sinta a falta de uma orquestra de cordas, temos ainda os metais que conseguem fazer um solo que deixa a gente se apaixonar de vez, não deixa passar batido nos ouvidos; a mais curta do disco, com um ritmo bem aceleradíssimo, deixa a gente dançar sem parar em Think, um dos melhores temas de toda a sua trajetória, faz um sucesso nas pistas de dança pra galera que curte uma soulzeira daquelas de contagiar geral; ainda podemos contar também com outro tema que carrega a suavidade das baladas da época, estamos falando de I Don't Mind, que mesmo com muitos gritos do soulman, ele ainda consegue carregar na voz uma leveza que hipnotizara a multidão do Apollo Theatre, e feito muitas moças perderem a cabeça com um homem daqueles no palco; para fechar o lado A e abrir total o lado B do seu disco, temos aqui a mais longa das faixas do disco, e estamos falando de Lost Someone, com seus 10 minutos e 45 segundos, foi a faixa que conseguiu mostrar que James Brown quase não brincava em serviço quando o assunto era fazer multidões delirarem, mostra definitivamente que ele não faz feio não, talvez esta seja a melhor versão de um dos seus maiores sucessos de toda sua trajetória; e engrossando o caldo do repertório deste show, ainda temos também um medley com seus vários sucessos em mais de 5 anos, dentre estes temas, Please, Please, Please e por diante ainda temos You've Got the Power, mais I Found Someone, Why Do You Do Me, e também I Want You So Bad - de onde será que já vi esse nome? Para o medley ainda conta com I Love You, Yes I Do e também Strange Things Happen mais Bewildred, e fecha de vez com Please Don't Go - sempre com uma variação bem curta de cada faixa, obviamente, nessa sequência que prova como fazer música boa sem perder o rumo; e encerrando o disco, temos aqui um tema que mostra o seu swing e o da banda em uma potência bem predecessora do funk, estamos falando de Night Train, que parece ser feita para fazer a galera dançar sem parar, terminando o registro desse showzaço com chave de ouro. Bem, o disco foi lançado da forma inesperada, achando que não venderia muito, mas acabou também parando no topo da Billboard de álbuns vendidos por mais de 60 semanas, e se tornou um disco que ajudou e muito na carreira dele, o aclamando mundialmente como um dos maiores nomes da música no século XX - e figurando em diversas listas como dos discos mais importantes do R&B/Soul e também nos 500 Maiores Álbuns de Todos os Tempos, na 24ª posição (antes, estava em 25º lugar e também está presente na minha lista favorita, dos 1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer, e pra mim, estará sempre entre os primeiros na minha lista dos melhores registros ao vivo da história da música, sem dúvidas.
Set do disco:
1 - Introduction to James Brown & The Famous Flames by Fats Gonder (James Brown/Lucas "Fats" Gonder)
2 - I'll Go Crazy(James Brown)
3 - Think (James Brown)
4 - Try Me (Lowman Pauling)
5 - I Don't Mind(James Brown)
6 - Lost Someone (James Brown/Lloyd Stallworth/Bobby Byrd)
7 - Medley: Please, Please, Please You've Got the Power(James Brown/Johnny Terry)/(James Brown)/I Found Someone(James Brown/Lloyd Stallworth/Bobby Byrd)/Why Do You Do Me (Bobby Byrd/Sylvester Keels)/I Want You So Bad(James Brown)/I Love You, Yes I Do (Guy Wood/Edward Seiler/Sol Marcus/Sally Nix/Henry Glover)/Strange Things Happen (James Brown)/Bewildred (Teddy Powell/Leonard Whitcup)/Please Don't Go (James Brown)
8 - Night Train (Oscar Washington/Lewis P. Simpkins/Jimmy Forrest)

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