Um disco indispensável: Revolver - Walter Franco (Continental, 1975)

Após lançar na última edição do Festival Internacional da Canção (FIC) em setembro de 1972 a canção intitulada Cabeça, não demorou muito que houvesse na sua frente uma multidão de fãs e admiradores do trabalho do grande compositor paulista Walter Franco, que não era um Caetano, muito menos um Gil, um Milton, um Chico ou um Vandré, nem mesmo um Edu, um Jorge ou quiçá fosse um Roberto Carlos da geração 70, não. O paulista fazia algo mais concreto, nada que tivesse ares de bossa nova ou tropicalismo, e isso chocou a plateia do FIC, o vendo até mesmo como um "maldito", assim como muitos artistas daquela época. Sempre foi o contrário de todos os nomes da MPB, mesmo que tendo um valor cultuado da sua obra, ele conseguiu trazer um pouco dessa sua poesia, bem concreta e natural para seu primeiro disco, intitulado Ou Não, em 1973 pela gravadora Continental, trazendo temas que contemplaram sua obra para sempre na história da MPB, e que ficou eternizado pela capa que estampava um fundo branco com uma mosca, nada mais "cabeça" do que um disco desse. Seguiu marcando presença, não apenas em festivais, e transbordando poesia como sempre, fazendo sucesso entre universitários e os cabeças como ele, não deixou seu estilo morrer de jeito nenhum. Com uma ligação muito forte do estilo concreto das poesias dos irmãos Augusto e Haroldo de Campos, além de um pouco das referências musicais que tinha, desde bossa nova até mesmo os Beatles e os tropicalistas, inclusive, após o lançamento de Ou Não, o próprio Caetano lançara como uma resposta a esse som concreto e experimental através de Araçá Azul, lançado no mesmo 1973 e do qual nós já falamos aqui (leia o texto) - e o próprio baiano guarda até uma inveja pelo fato do disco de Walter e o achou muito melhor que seu araçá experimental (quem diria, hein?!), logo um grande admirador do trabalho também. Mas, em 1975, como dissemos, seguiria marcando presença nos célebres festivais, e desta vez, levou um abençoado 3º lugar no festival Abertura - o mesmo que apresentara Djavan cantando Fato Consumado, além de Carlinhos Vergueiro levando a melhor em Como Um Ladrão e, pra não esquecermos, Alceu Valença com músicos do Ave Sangria mais Lula Côrtes e Zé Ramalho fazendo uma delirante viagem psicodélica nordestina em Vou Danado Pra Catende, aonde eles recriam uma música sobre poema de Ascenso Ferreira, chamado O Trem das Alagoas, mesmo que tenham sido vencedores na categoria de melhor trabalho de pesquisa, e Walter apresentou nessa única edição seu clássico Muito Tudo, uma de suas melhores composições do conjunto de sua obra. Enquanto iniciava as gravações de seu próximo disco, que se transformaria em algo mais surpreendente e totalmente diferente daquilo mais conceitual e cabeça do que já tinha sido seu primeiro trabalho, seu sucesso se tornava destaque até na mídia, dividindo a capa da edição número 368 da revista VEJA juntamente de João Bosco, Luiz Melodia e Fagner - que não tinham quase nada a ver com seu estilo, mas faziam parte daquele cenário que ambientava a nova música popular brasileira.
Em outubro as gravações de seu segundo LP estavam pipocando, e mais uma vez eram os estúdios Eldorado que recebiam aquele sujeito cabeludo com uma visão poético-musical com músicas gravadas inclusive por Chico Buarque no ano anterior. Lançado em dezembro, o álbum Revolver tinha se tornado um grande marco, mesmo não sendo visto à época como um dos grandes discos daquele ano, para nós, é como tirar o vinil de dentro da capa, botar na agulha da vitrola e não ter uma reação até entendermos o conceito das canções: aliás, o disco é como uma homenagem aos Beatles, desde o título Revolver (sem o acento no "o") até na capa, onde Walter sob a noite de São Paulo atravessando uma rua todo de branco com as mãos no bolso, tal como John Lennon na capa de Abbey Road, mas como se fosse uma passagem de algum modelo com o clique. Produzido pelo próprio, e tendo músicos como Diógenes Burani Filho na percussão, Rodolpho Grani Junior no baixo e guitarras mais outros instrumentos, Dudu Portes na bateria mais Emílio Carrera nos teclados e Luís Paulo Simas - à época, membro do Vímana (banda que lançara defnitivamente nomes como Lulu Santos, Ritchie e Lobão) também nos teclados mais Tony Osanah no violão de aço e flautas, a cozinha soa agradável. O disco mal começa e ouvimos Walter anunciando o nome da música que abre esta obra de arte, Feito Gente seguido de uma onda bem hard rocker, com cada verso terminado pela frase "eu te amei como pude", como se estivesse lamentando o fim de um romance cheio de brigas, idas e vindas pelo jeito - além disto, fora gravada por Wanderléa e levou o nome do próprio disco, além de ter sido resgatada recentemente para a trilha sonora da minissérie Os Dias Eram Assim (2017), o que prova seu valor maior atualmente; e se achou pouco pra um disco que já abre com tudo, vai se preparando pra mais pedrada garantida, e Eternamente faz altos trocadilhos com a palavra, como "é ter na mente" e também "éter na mente" com solos chapantes de órgão executados por Emílio, um destaque instrumental que merece ser notado; já a próxima faixa, é um poema que surge pequeno, vai crescendo e volta do começo - estamos falando de Mamãe D'Água, do verso "Lara eu te amo, mas agora é tarde, eu vou dormir" num estado delirante pelo que se ouve na canção; como se sabe, Walter têm absorvido muitas influências, como do samba de partido alto, e essa referência é clara na espécie de medley da faixa Partir do Alto/Animal Sentimental, representado pela repetição dos versos "Foi teu mestre quem me ensinou/Foi meu mestre quem te ensinou" e também com uma pegada de música caribenha, algo mais latinizante na pegada, lembra até grupos de Porto Rico ou Cuba ao meu ver e ouvir, com um verso de uma música seguida do verso da outra; a faixa seguinte é curta, de 35 segundos, um simples verso com apenas cinco linhas e acompanhado somente ao violão num tom suave, Um Pensamento é o tema que consegue complementar mais esse ambiente que figura dentro do disco; e ainda neste disco contamos também com uma dose extrema de porraloquice e um verso curto e rápido quase infinitamente repetido em Toque Frágil, que pelo ouvir da música, concluímos que de frágil não tem quase nada para ser mais preciso; enquanto isso, temos um tema bem cantado em inglês chamado Nothing, quase um paradoxo de Something, o clássico de George Harrison enquanto membro do conjunto de Liverpool, acaba sendo um tema relevante quando se ouve; mais em diante, outra música que carrega uma espécie de brincadeiras com palavras, o estilo concreto desenvolvido em Arte e Manha, não deixa passar batido e impressiona mesmo; a faixa mais curta do disco mesmo é esta a seguir, com seus mínimos seis segundos e um Walter voz-e-violão cantando a única frase do disco, que leva o nome desta, Apesar de Tudo É Muito Leve, rápida que chega a ser uma espécie de intervalo rápido entre uma música e outra até ou como se antecedesse o que viria por diante; não vamos perdendo muito tempo, continuando a análise, ainda temos uma baladinha suave que dá um toque a mais, Cachorro Babucho, de atmosfera viajante até nos versos e que não faz feio aqui; sem perder o rumo, ainda temos aqui Bumbo do Mundo, com uma pegada bem afro com uma mistura de rumba, que acaba soando agradável até; e, continuando ainda com essa onda mais leve, temos aqui Pirâmide, bem tranquila, lembra até rock progressivo ou também soft rock como queiram, numa duração que passa de um minuto apenas, mas com essa calma que habita no disco pode durar mais para nossos ouvidos; um efeito bem de música calma, um arranjo bem bucólico são a fórmula que combinam com os versos da faixa Cena Maravilhosa, uma das faixas essenciais do disco, com referências mais perto de uma MPB totalmente experimental, e com teclados que parecem sair de outro mundo que trazem uma energia e uma suavidade sem igual; e para encerrar total o disco, nós contamos aqui com Revolver, dos versos "lembrar de esquecer/esquecer de lembrar..." e com uma melodia prima ou semelhante a de Me Deixe Mudo, mas agradável e que termina de vez essa viagem sonora maravilhosa proporcionada por Walter.
Após mais uns três discos gravados por duas gravadoras diferentes, o compositor paulista ficou perambulando em festivais, fazendo shows e tendo seus discos como estes, sendo redescoberto por gente como o titã Branco Mello, inclusive nomes do cenário atual da música popular brasileira vivem a redescobrir seu conjunto da obra ano após ano, lançou seu primeiro disco em quase vinte anos, Tutano em 2001 pela YB Discos e segue na estrada até hoje. Em outubro do ano de 2007, a filial brasileira da revista Rolling Stone estava celebrando um ano no país, e precisava presentear seus leitores com uma lista de peso, e decidiram publicar uma com os 100 maiores álbuns da música brasileira, e quem estava lá, reinando soberanamente na 50ª posição, hein gente? Sim, o próprio Revolver, que já tinha deixado um legado forte no cenário MPBístico, e também com um forte valor para quem o têm em mãos, seja na edição original do vinil com o nome em braile na capa, e na contracapa um fundo preto com um braile escrito SIM, sejam nas reedições posteriores feitas em vinil pela Continental nos anos 80 e em 2015 pela Polysom, depois em CD no início dos 90 e em 2001 para a série Dois Momentos através da Warner Music, feita com a coordenação de outro titã, Charles Gavin, com o encarte original e junto de Ou Não em um CD único. Revolver, regressar, retornar, isso era o que Walter Franco estava propondo no seu melhor trabalho: voltar e começar do zero.
Set do disco:
1 - Feito Gente (Walter Franco)
2 - Eternamente (Walter Franco)
3 - Mamãe D'Água (Walter Franco)
4 - Partir do Alto/Animal Sentimental (Walter Franco)
5 - Um Pensamento (Walter Franco)
6 - Toque Frágil (Walter Franco)
7 - Nothing (Walter Franco)
8 - Arte e Manha (Walter Franco)
9 - Apesar de Tudo É Muito Leve (Walter Franco)
10 - Cachorro Babucho (Walter Franco)
11 - Bumbo do Mundo (Walter Franco)
12 - Pirâmide (Walter Franco)
13 - Cena Maravilhosa (Walter Franco)
14 - Revolver (Walter Franco)



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