Um disco indispensável: Pet Sounds - The Beach Boys (Capitol Records/EMI Music, 1966)

Ao decorrer da primeira metade da década de 1960, você poderia escutar e curtir numa boa a banda dos irmãos norte-americanos Carl, Dennis e Brian Wilson, os Beach Boys, falavam sobre uma vida cheia de aventuras envolvendo surf, carros da moda e garotas em várias canções como Surfin' Safari, Only The Lonely dentre outros: nada mal para um grupo da Califórnia, que já tinha como suas origens ainda lá por volta de 1958 quando o pai Murry Wilson tinha uma banda e seus filhos mais o sobrinhos Mike Love e um amigo chamado Al Jardine, e só em 1961 é que a banda iria decolar de vez e das terras californianas de Hawthrone para o mundo todo. Após vários discos, o conjunto dos irmãos Wilson decidira tomar um rumo diferente em The Beach Boys Today!, e aí começa o momento de Brian Wilson botar as asinhas pra fora e assumir o total comando da banda, mostrando propostas que mudassem o rumo da banda e esses rumos trazeriam uma verdadeira impressão do tamanho de ideias que poderiam colocar em um simples disco. Foi preciso que, naquele mesmo ano, os Stones lançavam o hit (I Can't Get No) Satisfaction - algo que mudaria de vez a linguagem musical do gênero, o conjunto The Who lançava o hino daqueles anos de Swinging London intitulada My Generation onde pronunciavam morrer antes de ficarem velhos, o poeta do folk Bob Dylan eletrificava o gênero e lançava discos que unissem mais ainda o rock - em março foi Bring It All Back Home e meses depois foi a vez do clássico maior da década Highway 61 Revisted, disco que nos apresentou Like a Rolling Stone, óbvio. E os Beatles? Ah, o nosso quarteto de Liverpool, estavam mais em voga do que nunca: depois de lançarem o filme colorido Help!, que rendeu números de bilheteria e agradou fãs, lotaram um Shea Stadium em plena New York e ainda encerraram o ano com um dos discos que marcava o início da nova fase do rock and roll: influenciados pela cultura beatnik, o consumo de drogas como maconha e LSD, dos movimentos que protestavam contra a sociedade de consumo e a guerra do Vietnã e queriam viver livres e em paz, a onda psicodélica aconteceu logo em Rubber Soul, que trazia elementos de música oriental e grega, e um dos discos que trazeria uma linguagem super diferente, poeticamente e musicalmente, da banda a partir de então. Wilson, dono de grandes habilidades musicais e de composições consideradas para muitos ambiciosas, se sentira influenciado e viu que num disco dos britânicos, poderia também fazer algo muito diferente. E assim, nasceria aquele disco que é consagrado mundialmente como um dos maiores discos da carreira da banda e do próprio Brian, que acabou ganhando uma imensa expansão do grupo e aclamado em várias listas sobre os melhores discos de todos os tempos: sim, estamos falando dele, de Pet Sounds, uma obra-prima da geração sessentista que muita gente de hoje gostaria ter vivido.
Da esq. para a dir.: Mike Love, Brian Johnson, Bruce Johnston, Al
Jardine e Dave Marks. Os Beach Boys reunidos em 2012 para o disco
"That's Why God Made the Radio" sem Dennis (já falecido em 1983) e
Carl (falecido em 1998), irmãos de Brian e primos de Mike.
Tudo começou ainda em meados de 1965 quando o cabeça da banda Brian Wilson decidira chamar para trabalhar no disco um jovem compositor e redator de jingles chamado Tony Asher, com quem se encontrara em um estúdio em Hollywood durante um mês de gravação para ajudá-lo a conceber em dez dias, canções que fariam o conjunto da obra-prima da música contemporânea e do rock and roll: logo o Pet Sounds, que após esse período todo, o músico apresentou o material durante o período das sessões, e foi durante as escutas do material, aconteceu que Mike Love interrompeu e perguntou a Wilson "Quem vai ouvir esta porcaria?", enquanto tocava as canções que ele estava trabalhando e soltou mais uma dúvida que completaria a indignação do vocalista "os ovuidos de um cão?" e aí Brian não resistiu de vez e respondeu "Ironicamente" para completar todo esse diálogo que rondava a mente. Anos depois, o próprio Brian afirmara "os comentários de Mike deram origem ao título do disco", cujas sessões renderam as 13 canções produzidas, de novembro de 1965 a abril de 1966 em quatro meses de sessões muito produtivas para o principal cabeça da banda e sua vontade de fazer algo que se tornasse muito diferente, extraiu um pouco a pegada de Wall of Sound, um formato de acrescentar orquestrações e coros concebido por Phil Spector e assim como ele, Brian transformou o estúdio em um instrumento, onde ele pôde descobrir uma nova forma de conceber sons através de reverbações em sessões feitas em quatro estúdios de Los Angeles: Gold Stars, CBS Columbia Square, United Western Recorders e no famoso e também lendário Sunset Sound, na qual também teve presença de músicos conceituados como o guitarrista de jazz Barney Kessel, a baixista Carol Kaye e o baterista Hal Blaine e aos poucos, os integrantes ficaram convencidos do projeto ainda que, primeiramente, houve uma resistência de Wilson e Asher até o disco ficar completamente pronto. Primeiro, Wilson teve de mixar o álbum na versão mono (o músico é surdo do ouvido esquerdo) e ainda tiveram de realizar um acabamento definitivo em março e abril de 1966 com os músicos de sessão além das gravações de vocais com a banda completa, um processo que resultou-se logo no trabalho mais ousado e mais desafiador da carreira do grupo norte-americano até então. Durante as reuniões com os executivos da Capitol, na sede em Los Angeles, o músico sabia que os executivos temiam em lançar aquele material e, para conseguir virar o jogo, ele decidira gravar em um toca-fitas, oito respostas pré-gravadas na qual ele recusava-se a dizer uma só palavra, em loop, como "Sem comentários", "Dá pra repetir isso?", "Não" e "Sim". O disco foi todo feito quase sem a banda, chegando a ser declarado um álbum solo de Brian Wilson naquela época, mesmo que o restante da banda apenas gravou os arranjos vocais, porém acabou saindo e virando o que é para nós hoje, um dos maiores trabalhos da história da música sem sombra de dúvidas. A capa do disco mostra um momento divertido na qual os irmãos Dennis, Carl e Brian junto de Love e Jardine vivem aproveitando um tempinho para alimentar caprinos no zoológico de San Diego, na Califórnia, clicadas em 15 de fevereiro de 1966 por George Jerman e na contracapa temos fotos da banda clicadas durante uma turnê em Japão no começo do ano por Dave Jampel onde vemos muito a descontração do quinteto aproveitando a vida boa na terra do National Kid e do sushi além de vermos o principal cabeça deste disco numa foto à vontade tocando piano num olhar profundamente sereno para a câmera, totalmente de boas.
Indo completamente fundo agora no repertório do disco, que nos anteciparia o que aconteceria no ano seguinte com a onda psicodélica e seus festivais emblemáticos, o Verão do Amor,e outros fatos que se estenderam até o início da década seguinte, pode-se considerar totalmente de vez Pet Sounds como uma das trilhas sonoras daquele período marcante dos anos 60. Originalmente, contava-se com Good Vibrations no repertório mas acabou não vingando e esperando o seu devido lugar, no disco Smiley Smile, que originalmente seria chamado de Smile e cuja versão concebida (também por Wilson) só sairia mais de 40 anos depois num box especial, embora tivesse sido lançado como single meses depois de Pet Sounds, acrescentando aqui. Começando aqui com a pepita Wouldn't It Be Nice, carregada de um primor, de uma aura poético-musical indescritível, é a entrada de uma porta para um paraíso totalmente diferente de carros e garotas, na qual Brian e Mike perguntam "Não seria legal se ficássemos mais velhos?" na qual o adolescente colocava em mente sobre envelhecer o relacionamento após o ensino médio, e isso acaba virando um dos novos hinos daquela geração e algo marcante para nossos ouvidos até hoje; já em seguida temos You Still Believe in Me, algo que - com perdão do trocadilho - se pode comparar a uma faixa dos Beatles com o que a banda americana fazia até antes deste disco, com um tom ácido e vibrante mantendo assim a sonoridade em voga; em seguida, vemos um duelo de primos dividindo os vocais em That's Not Me, uma união das vozes de Mike Love e Brian Wilson com uma sequência narrativa linear e tendo um arranjo original que nos faz viajar total pela canção; logo percebemos que há uma dose de melancolia em Don't Talk (Put Your Head on My Shoulder), dona de um arranjo simples movido por um violino ao mais puro estilo clássico, tons sutis complementando ainda mais esse tema; já na faixa I'm Waiting For the Day, temos aqui uma pérola de astral sonoro completamente aberto e que inspiraria uma certa banda aí a fazer Sgt. Pepper's, é mole hein?! tire suas dúvidas quando for ouvir a faixa; logo em diante temos a instrumental belíssima Let's Go Away for Awhile e soa como uma ponte recheada de melodias perfeitas e uma orquestração brilhante que une esta e a faixa que surge mais adiante nesse disco, que fecha o lado A do disco e esta é Sloop John B, um dos principais temas deste disco que é uma adaptação para um tema folcórico do Caribe gravado pelo conjunto The Bahamas e que faz parte deste contexto sonoro do disco, com os irmãos Carl e Brian nos vocais mais Mike e eles cumprem bem o papel nesta canção; já os arranjos em God Only Knows é uma canção que comove a qualquer um que esteja ouvindo nesse momento e um lamento que marca a canção "God only knows what I'd be without you (Deus sabe o que seria de mim sem você) e ainda é o principal tema de destaque deste disco; ainda temos neste disco mais outro tema essencial que é I Know There's an Answer, uma letra que soa muito provocante na qual Brian fala sobre a experiência que teve ao consumir LSD, mas a tal experiência é relatada de forma poética com destaque para os arranjos vocais desta faixa; enquanto na faixa Here Today o papo aqui soa como uma mensagem de alerta a qualquer um sobre uma mulher que magoou seu coração num tom bem adulto e que nos impressiona de cara só pela forma narrativa como canta, totalmente incrível; e com esse lado mais adulto, as letras trazem tons bem mais tristes e melancólicos, como no caso de I Just Wasn't Made For This Times, aonde o eu-lírico da canção se sente totalmente isolado e deprimido e isso se nota muito nos arranjos vocais; mais adiante, contamos com outra sequência de acordes instrumentais chamada Pet Sounds, canção que dá nome ao disco, mostra que faz jus ao título com ruídos de animais e também as iniciais do produtor Phil Spector, principal referência para os arranjos deste disco; o encerramento é por conta de Caroline No, um dos primeiros singles do disco que fora creditado no início somente a Brian como se ele estivesse em carreira solo e trata sobre o fim da inocência nos relacionamentos adolescentes, tendo também os latidos dos cachorros de Brian, chamados Banana e Louie, fechando com chave de ouro este clássico do rock e da música em todo que, concebida por uma cabeça, mas que teve mais do que uma em campo fazendo o restante do trabalho. Ele figura na 2ª posição dos 500 maiores álbuns de todos os tempos da revista Rolling Stone e não é difícil achar qualquer outra lista que não tenha o disco que é eterno, pois ele transmite uma energia, uma vibração que te faz voltar aos doces anos 60, e é o que Brian têm feito agora que anunciou que tocaria o álbum pela última vez para celebrar os 50 anos do lançamento.
Set do disco:
1 - Wouldn't It Be Nice (Brian Wilson/Tony Asher/Mike Love)
2 - You Still Believe in Me (Brian Wilson/Tony Asher)
3 - That's Not Me (Brian Wilson/Tony Asher)
4 - Don't Talk (Put Your Head on My Shoulder) (Brian Wilson/Tony Asher)
5 - I'm Waiting For the Day (Brian Wilson/Tony Asher)
6 - Let's Go Away for Awhile (Brian Wilson)
7 - Sloop John B (Brian Wilson/Tony Asher)
8 - God Only Knows (Brian Wilson/Tony Asher)
9 - I Know There's an Answer (Brian Wilson/Terry Sachen/Mike Love)
10 - Here Today (Brian Wilson/Tony Asher)
11 -  I Just Wasn't Made For This Times (Brian Wilson/Tony Asher)
12 - Pet Sounds (Brian Wilson)
13 -  Caroline No (Brian Wilson/Tony Asher)

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