Um disco indispensável: Mellon Collie and the Infinite Sadness - The Smashing Pumpkins (Virgin Records, 1995)

O protótipo de todas as bandas dos anos 90, em especial de rock alternativo eram: letras que demonstravam estados de angústia, decepções da vida cotidiana, lançado em pequenos selos mas que ganhavam um status de clássicos naquela época, além de bandas com mulheres no baixo ou em qualquer outro instrumento, e daí é que nós temos um monte de bandas aí entoando "rock triste" por aí até hoje, pioneiras do shoegaze, dream pop, grunge e até mesmo o indie rock mais moderninho de hoje carregam canções que nos remetem a "estar na bad" e outras situações mais. Um exemplo de banda que consegue carregar dramas de adolescentes, e isso se nota muito,são os Smashing Pumpkins, banda norte-americana de Chicago surgida no final dos anos 80 com Billy Corgan, recém-voltado de uma passagem pela URSS com sua banda The Marked, que se separara na época e que se cruzara já trabalhando numa loja de discos com o guitarrista James Iha, que tinha uma banda na época e só um tempo depois, quando já houve uma troca de um integrante, D'Arcy Wretzky no baixo e Jimmy Chamberlein na bateria: pronto, com esta formação se consagrou uma das maiores bandas do rock alternativo dos anos 90. Lançaram em maio de 1991 o primeiro disco intitulado Gish, com o mesmo Butch Vig que trabalhava na época também com uma certa banda aí chamada Nirvana num trabalho que seria chamado de Nevermind, mas aí já é uma outra história pra contar. No entanto, acontecem fatos que acabariam mudando o rumo da banda durante os primeiros tempos, primeiro que Iha e Wretzky romperam laços no meio da turnê, Chamberlein começou a se viciar em narcóticos e álcool e, pra completar tudo, Corgan entrou numa profunda depressão e isso lhes resultou na concepção de outro trabalho que viria a ser o maior legado da banda na década de 1990 e na história do rock: o subestimado Siamese Dream, que também foi produzido por Butch Vig e pelo próprio Corgan, foi um sucesso comercial, tendo canções como Cherub Rock, Soma, Today, Silverfuck e também Disarm, que foi banida do programa Top of the Pops devido ao fato de promover o aborto. O grupo estava numa reputação enorme, já que alcançaram o mainstream junto de bandas como Pearl Jam, Nine Inch Nails, Soundgarden, Primal Scream entre outras bandas estavam alcançando o status de grandes do rock naquele momento, consagrando-se em festivais como o Lollapalooza e também o Coachella - ambos nos EUA, fora o Rosklide (Dinamarca), Glastonburry (Inglaterra) e no Hollywood Rock (Brasil) cuja última edição, há 20 anos atrás teve a presença do grupo nos shows realizados no Rio de Janeiro (Praça da Apoteose) e São Paulo (Estádio do Morumbi) em fevereiro de 1996. E nesses 14 meses de turnê promovendo o Siamese Dream, era lógico que os fãs esperavam por algo mais da banda e foi preciso que Corgan tivesse em mente a ideia de um disco duplo para que ele precisasse anunciar a imprensa de que havia canções suficientes para o próximo disco da banda, e esse disco seria um dos capítulos da história dos anos 90: o brilhante e criativo Mellon Collie and The Infinite Sadness, que seria considerado o último trabalho da banda como conhecíamos e desta vez, sem Butch Vig como produtor do material.
Da esquerda para a direita: D'Arcy Wretzky, James Iha, Billy Corgan e
Jimmy Chamberlein nos dourados anos 1990, à época do disco "Gish".
(Divulgação)
A proposta do disco era a seguinte: um trabalho, de tamanha grandeza, representativo, como foram os outros álbuns duplos da época, como The Wall, do Pink Floyd e Quadrophenia, do The Who nos anos 70, lógico, sem comparações ou algo do tipo, com os trabalhos iniciados nos últimos meses do ano de 1994 ensaiando na casa de Corgan e fizeram shows apresentando um pouco do que seria Mellon Collie numa casa de espetáculos chamada Double Door Rom em Chicago, terra da banda, onde a imprensa não era permitida e muito menos gravadores e filmadoras e dali em diante, foi só chegarem em março de 1995 para que conseguissem entrar em estúdio e gravarem o disco. Como já não queriam mais saber de Vig na produção, o papo agora seria com Mark Ellis, conhecido também como Flood, um cara que já têm em seu currículo figurões como Nick Cave & The Bad Seeds, Nine Inch Nails, PJ Harvey, Depeche Mode e também U2, além de Alan Moulder que já era velho conhecido dos abóboras por ter sido engenheiro de Siamese Dream, o disco que catapultou a banda do underground ao mainstream. Durante os meses de maio a agosto de 1995, a banda se trancafiou nos estúdios para que pudessem trabalhar nas faixas, cada um em uma sala diferente, Corgan trabalhava em uma sala os arranjos das canções e os vocais, quanto na outra você poderia ver Iha trabalhando nas guitarras, em uma outra sala você tinha D'Arcy gravando seus baixos e ainda teríamos Jimmy gravando baterias numa sala, cada um isolado do outro. Tudo isso para não causar tensões entre os membros da banda durante as gravações, o que acabou dando certo neste aspecto, mas houve momentos em que a banda gravava juntos numa mesma sala e Corgan passava nada mais do que 18 horas dentro dos estúdios realizando os acabamentos de som e também trabalhando em faixas através de um recurso moderno chamado Pro-Tools, algo já inovador para este disco. O disco, já concluído totalmente em agosto, acabaria sendo selecionado também o repertório, uma vez que feitas 56 canções ao longo das sessões, para o disco foram lançadas 28 músicas em duas partes: Dawn to Dusk, o disco rosa, e o Twilight to Starlight, o disco azul, cada um com 14 faixas. Apenas o LP, que contêm 4 faixas a mais, no entanto, nós temos um LP triplo, e essas faixas que ficaram de fora do CD estão em um box com os singles de Mellon Collie, intitulado The Aeroplane Flies High e também em uma edição deluxe especial do disco, lançada em 2012 com quatro CDs mais um extra, que também existe no formato vinil, que caso queira achar numa loja aqui no Brasil, você consegue somente importado mas nos EUA você acha facinho por um preço agradável (ou não). Além disto, o álbum têm uma das melhores artes gráficas impressionantes, com recriações em cima de imagens antigas fetas por John Craig, que colocou em uma estrela o corpo da Santa Catarina de Alexandria, pintada por Raphael em 1507 e o rosto é de uma pintura de Jean-Baptiste Greuze feita entre 1787 e 1789, época em que ainda tínhamos vestígios da arte barroca, pré-iluminista, há um pouco do clássico em imagens presentes no encarte do álbum.
Capa da edição deluxe, lançada em 2012 com mais 3 CDs e um DVD
(Divulgação, arte de John Craig/Virgin Records)
Para começar o nosso tradicional faixa-a-faixa deste disco, vamos pelo Dawn to Dusk (o CD rosa), que é o ponto de partida definitivo para que conheçamos melhor Mellon Collie: e como o álbum inicia-se com a faixa-título, o que se nota é que ela é nada mais do que uma peça instrumental executada ao piano por Corgan, que soa como alguma música de Chopin ou até mesmo Elton John pela levada meio baladista até; na sequência temos um dos principais temas do disco, Tonight, Tonight que lembra um pouco a pegada de rock sinfônico com doses de vanglória tanto na introdução quanto no refrão e que agrada a gente à primeira escuta sem dúvidas; ainda temos em diante Jellybelly, uma canção de pegada mezzo heavy metal, mezzo grunge que é para detonar os ouvidos do viznho quando se quer escutar no volume máximo, aqui as guitarras soam mais sujas e indestrutíveis do que nunca; enquanto isso, na próxima faixa intitulada Zero, os acordes de Iha tornam-se peças que complementam toda a agressividade sonora onipresente neste trabalho dos abóboras; ainda temos Here is No Why, uma letra profunda que carrega ares mais sombrios e um tom não tanto melódico demais, não decepcionando os fãs fiéis da banda de jeito nenhum; logo em seguida, o destaque desse disco, Bullet With Butterfly Wings pode nos remeter ao thrash metal até, mas nada que soe parecido, o arranjo nos dá uma impressão de que Corgan conseguiu ir além do perfeccionismo de suas canções, sem sombra de dúvidas; a faixa seguinte é um lamento, To Forgive, onde aqui, o líder da banda vive querendo "segurar o tolo" e as pretensões da vida e conclui "nada é importante pra mim", será que Billy estaria a reclamar de algo que passa em sua vida pessoal transposto de forma poético-musical aqui? Eis a dúvida que paira no ar; já em Fuck You (An Ode to No One), detonando de vez qualquer um que passasse pela frente e fala no refrão "destroy the mind, destroy the body but you cannot destroy the heart" (destrua a mente, destrua o corpo mas você não pode destruir seu coração) meio que retratando a autodestruição pessoal, deixando rastros manchados de sangue, ódio e desesperanças no amor - vai entender o porquê; e mais adiante, nós temos Love, que ganha tons mais pesados e com uma levada de rock industrial cheia de sintetizadores e que pode carregar até influências de Brian Eno e Kraftwerk - totalmente onipresentes no arranjo da música; logo em seguida nós temos Cupid de Locke, uma canção que fala sobre o Diabo querer trapacear nos planos amorosos do Cupido, carregada de suavidade nos arranjos e onde o vocalista consegue fazer uma forte conexão entre poesia e música sem soar cansativa demais; ainda temos mais adiante Galapogos, outra canção que possa te fazer ouvir numa boa, com ares que nos remetem um pouco ao soft-rock, onde Billy Corgan possa clamar "I won't deny the pain" (eu não quero negar a dor) querendo evitar se desapegar do sofrimento; ainda podemos ter Muzzle como um belo exemplo de como manter o peso e a agressividade nas letras e na sonoridade, e as guitarras de Corgan e Iha conseguem duelar de uma forma incrível por aqui; o que também não fica de fora do disco são os nove minutos que complementam Porcelina of the Vast Oceans, aonde se ouve um silêncio em menos de um minuto, e aí que a música cresce de vez e Billy só dá a voz a partir dos 2:56, um desabafo sobre o que passa com Billy num tom completamente íntimo pelo que se nota em cada verso da música; e encerrando esse Dawn to Dusk, aqui temos James Iha fechando o disco com Take Me Down, uma das mais acústicas desse disco e sendo também uma filosofia "And if I can't sleep, can you hold my life" (E se eu não dormir, você pode segurar minha vida) e uma citação aqui soando meio gospel "There's a love that God puts in your heart" (Esse é o amor que Deus colocou em seu coração) encerrando assim a primeira parte do clássico dos abóboras esmagantes - vai entender porquê chamar a banda pelo nome em portugês.
Billy Corgan, líder da banda à época do disco com a camiseta escrita
ZERO, muito utilizada durante a turnê de 1995 até 1998.
Agora, vamos para a segunda parte deste disco, intitulada Twilight to Starlight, mais profundo do que a primeira parte, carrega também uma grande acidez poético-sonora que complementa o restante do trabalho sem dúvidas. E a segunda parte do disco já começa com Where Boys Fear to Tread, crua e dona de riffs vangloriosos que podem parecer ter sido feitos em uma garagem com péssimas acústcas e mostrando que a banda não para nunca de botar pra quebrar sem cansar os nossos ouvidos; logo em seguida na faixa Bodies, parece não haver nenhum clima de desgaste, muito pelo contrário, enquanto algumas partes da música tentam passar despercebido no disco; já na faixa seguinte intitulada Thirty-Three não há como deixar-se levar pela suavidade e pelo pedido no refrão "And you can make it last, forever you" (E você pode fazer isto durar, para sempre) com tons que nos remetem um pouco a Tonight, Tonight sem soar parecidíssimo demais; ainda que possamos contar também com In The Arms Of Sleep, profundo e que segue a desfilar preciosos acordes e Corgan tenta prometer que vai manter a sua amada ao lado dele na noite, não importando o que aconteça, o tom que ele canta chega a ser implorativo mas não muito forçado; e se não bastasse tudo, o disco também têm 1979, um dos principais temas do disco que mostra ser um dos verdadeiros potenciais deste disco, se mostra um equilíbrio perfeito dos integrantes para se fazer canções como esta; já em Tales of a Scorched Earth, o papo aqui é fuzzes de guitarra estrututadas em peças harmônicas que se combinam perfeitamente, não deixando o primor da banda morrer de vez; e quando falamos aqui sobre a banda ter usado o Pro-Tools, um exemplo de que esse recurso fez milagres foi em Thru The Eyes of Ruby, onde existem 56 diferentes cifras de guiitarra em mais de 7 minutos de canção e, olha, haja trabalho para fazer tudo isso; agora, se você quiser entender como Stumbeleine nos faz viajar pelos seus versos, entenda também que, como bom letrista, Corgan consegue unir sentimentos e descrever sua angústisa de forma muito única, tornando em algo novo e moderno para a geração de hoje; enquanto isso, o que se nota durante os sete minutos de X.Y.U. é como eles conseguem manter o ritmo de todo o disco e deixar a música soando completamente crua demais, mas também mostra que Billy faz jus ao seu insight criativo no repertório concebido durante o período das sessões; e ainda temos mais adiante We Only Come Out At Night, trazendo para os ouvidos um certo momento mais tranquilo para o disco, com elementos que lembram um pouco a sonoridade do UAKTI, grupo mineiro que usa materiais de PVC para os instrumentos; e como ainda não bastasse, seguindo a onda suave do disco com Beautiful, temos a presença de D'Arcy não só fazendo o papel de baixista, mas dividindo os vocais e trazendo um pouco a levada de rock ballad para a canção, que até soa meio comercial pelo que se nota; e com Lily (My One and Only), o repertório do disco ainda carrega algumas cerejas que complementem esse bolo e com o verso "Love is in my heart and in your eyes" (O amor está em meu coração e em seus olhos) pode ser algo que qualquer poeta ficaria orgulhoso de ver uma frase dessas em uma música dos Pumpkins sem sombra de dúvidas; ainda que o disco esteja a ponto de terminar, nós temos By Starlight, que traz uma esperança de que nada é  impossível para a aura criativa de Billy em canções de atmosfera sonora doces presentes aqui; o disco encerra com Farewell and Goodnight, onde os quatro cantam versos da música fechando o disco como se fosse uma ópera, tendo uma citação de Mellon Collie and the Infinite Sadness no final da música ao piano, como se fosse uma volta ao começo de tudo.
O disco trouxe uma grande possibilidade de abrir portas para que viessem a se consagrarem em premiações como o Grammy em 1997, que fez a banda figurar em sete indicações e ganho em Melhor Performance de Hard Rock pela faixa Bullet With Butterfly Wings e figurar em listas sobre os melhores discos da década de 1990, junto de Siamese Dream e de outros discos como Ten (Pearl Jam), Blue Album (Weezer), o disco homônimo de Sheryl Crow e o clássico e onipresente das listas dos anos 90: Nevermind, do Nirvana, lógico que jamais faltaria. O disco está entre os 200 álbuns importantes do Rock and Roll Hall of Fame e também figura na 487ª posição da famosa lista dos 500 maiores álbuns de todos os tempos da revista Rolling Stone, além de aparecer no livro de Robert Dimery, o indispensável 1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer, mostrando a forte influência que Mellon Collie and the Infinite Sadness fez para uma geração que segue a ver o disco como uma obra de arte dos últimos 25 anos.
SET DO DISCO 1 (DAWN TO DUSK):
1 - Mellon Collie and The Infinite Sadness (Billy Corgan)
2 - Tonight, Tonight (Billy Corgan)
3 - Jellybelly (Billy Corgan)
4 -  Zero (Billy Corgan)
5 - Here is No Why (Billy Corgan)
6 - Bullet With Butterfly Wings (Billy Corgan)
7 - To Forgive (Billy Corgan)
8 - Fuck You (An Ode to No One) (Billy Corgan)
9 - Love (Billy Corgan)
10 - Cupid de Locke (Billy Corgan)
11 - Galapogos (Billy Corgan)
12 - Muzzle (Billy Corgan)
13 - Porcelina of the Vast Oceans (Billy Corgan)
14 - Take Me Down (James Iha)

SET DO DISCO 2 (TWILIGHT TO STARLIGHT):
1 - Where Boys Fear to Tread (Billy Corgan)
2 - Bodies (Billy Corgan)
3 - Thirty-Three (Billy Corgan)
4 - In The Arms Of Sleep (Billy Corgan)
5 - 1979 (Billy Corgan)
6 - Tales of Scroched Earth (Billy Corgan)
7 - Thru the Eyes of Ruby (Billy Corgan)
8 - Stumbeline (Billy Corgan)
9 -  X.Y.U. (Billy Corgan)
10 - We Only Come Out at Night (Billy Corgan)
11 -  Beautiful (Billy Corgan)
12 - Lily (My One and Only) (Billy Corgan)
13 - By Starlight  (Billy Corgan)
14 - Farewell and Goodnight (James Iha)

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