Um disco indispensável: Tom do Sertão - Chitãozinho & Xororó (Universal Music, 2015)

Se você ache estranho o fato de uma dupla sertaneja interpretar Tom Jobim, não se estranhe com o fato da dupla sertaneja Chitãozinho & Xororó, vindos de Astorga (Paraná) e com uma carreira excelente que já vem rendendo frutos desde que surgiram no mundo da música sertaneja (antigamente chamada de caipira) em 1970, descobertos pelo produtor, compositor e apresentador Geraldo Meirelles. Se os paranaenses sempre tiveram essa ousadia de colocarem elementos diferentes do sertanejo de raiz, ou se aliarem a medalhões da música, como foi em 1993 ao gravarem uma versão de Words ao lado dos Bee Gees e que aqui virou Palavras, ou quando gravaram uma versão de She's Not Crying Anymore no ano seguinte, aqui como Ela Não Vai Mais Chorar ao lado do superstar americano do country Billy Ray Cyrus, mostra que os irmãos José Lima Sobrinho (Chitãozinho) e Durval de Lima (Xororó) podem romper barreiras e deixar críticos de queixo caído, como foi em Clássicos Sertanejos (1996) aonde eles gravaram não apenas com colegas do gênero, dentre eles os companheiros de especial Amigos, Leandro & Leonardo, Zezé di Camargo & Luciano e também Almir Sater, João Paulo & Daniel, Chrystian & Ralf, o lendário Sérgio Reis, Léo Canhoto & Robertinho, além dos figurões da MPB como Simone, Fagner e Ney Matogrosso que fizeram parte desse time de convidados do álbum que até vendeu muito na época. Hoje em dia, já são os senhores da música sertaneja, sempre dando as mãos para os ídolos da nova fase do estilo, dentre eles Fernando & Sorocaba (com quem já trabalharam no ao vivo de 2013, Do Tamanho do Nosso Amor que teve a produção de Fernando), Paula Fernandes, Jorge & Mateus e estes devem muito aos próprios Chitãozinho & Xororó pela grande expansão do sertanejo que foi em 1982 após o estouro da canção Fio de Cabelo, e sete anos depois, ao assinarem contrato com a PolyGram (hoje Universal Music) e por onde lançaram o álbum Os Meninos do Brasil, que foi de cara um sucesso quando foi lançado e por onde lançavam um disco sempre recheado de sucessos a cada ano que passava. Em janeiro de 2015, foi anunciado um mês depois de completar 20 anos da morte do eterno Maestro, o álbum Tom do Sertão, aonde a dupla recria clássicos feitos por Tom Jobim durante a sua carreira, um belo trabalho em termos de arranjo e produção musical, que teve os nomes de Ney Marques (colaborador de vários trabalhos na música sertaneja), o tecladista e colaborador da banda da dupla Cláudio Paladini e o maestro Edgard Poças, peça forte para a realização deste Tom do Sertão.
Ao longo dos 45 anos de carreira, a dupla Chitãozinho & Xororó fizeram de tudo na
música sertaneja, rompendo barreiras e vencendo preconceitos. Agora eles acabam
agradando ao público com interpretações de músicas de Tom Jobim
O álbum já vai começando bem, com a releitura de Águas de Março, composta originalmente na década de 1970 e que ganhou força e popularidade na voz de Elis Regina e que na versão da dupla, não faz feio de vez numa versão dessas com um quê do sertanejo de raiz; seguido de Estrada Branca, que faz parte daquelas canções ricas em versos e arranjos, e com a voz de Xororó fazendo uma bela combinação com os versos jobinescos e que ainda carregam frutos da parceria com o eterno Poetinha, Vinicius de Moraes (1913-1980); na sequência, o romantismo do Maestro aparece e se destaca em Eu Não Existo Sem Você, no qual ainda há uma citação de Primavera, outra canção de Jobim e que não dá como pra não deixar de ouvir (detalhe: mesmo sendo sertanejo, é bão dimais); enquanto isso, a dupla segue a apresentar suas versões para os temas de Jobim e não é à toa que Chovendo na Roseira acaba sendo também uma bela interpretação, cheia de um belo arranjo e orquestração para complementar a música em geral; na sequência temos Correnteza, de Jobim e Luiz Bonfá, uma delícia em termos de arranjos, de base sonora e a letra nem preciso falar muita coisa, quem já conhecia as versões de outros artistas e se encantará também na voz dos paranaenses; outra canção que também não fez feio aqui foi Caminhos Cruzados, feita com Newton Mendonça, já tendo aquela pegada bem de raiz que faz parte da combinação sonora e apaixonante logo na primeira escuta; e o papo em Solidão já é bem outro, mas nada que deixe passar batido, tudo prossegue bem, sem precisar se incomodar com alguma coisa que esteja relacionado às releituras; o tema clássico da MPB e da bossa nova, Chega de Saudade se destaca de vez, não só pelos arranjos mas pela forma em que eles conseguiram dar cara nova a uma canção que Elizeth Cardoso e João Gilberto deram voz no final da década de 1950; das parcerias feitas com o Poetinha que aparecem, Modinha também é outro tema que merece todo o nosso destaque pela simplicidade, pela forma como ela foi revistada, com uma sonoridade que lembre o bom e velho sertanejo de raiz dos tempos de nossos pais/avós; logo em seguida temos Caminho de Pedra, outra das que mostram ser aquelas músicas responsáveis por aquele quê de perfeccionismo, mas ganha também um favoritismo entre os fãs; a pegada de bolero em Se É Por Falta de Adeus é a cereja do bolo em uma canção como esta, que acaba nos levando aos cancioneiros sertanejos da época mas com uma elegância, podemos dizer assim, algo bem de classe; enquanto A Chuva Caiu, você pode ouvir numa boa em dias de chuva e se apaixonar ao mesmo tempo pela canção e totalmente harmoniosa mesmo; em Se Todos Fossem Iguais A Você, as vozes acabam se mostrando potentes nesta canção e ganhando belíssimos ares que nos agradam mesmo, e os arranjos de cordas são uma maravilha mesmo de se ouvir; o final fica mesmo com um dos maiores clássicos que o Maestro já compôs, que é Eu Sei Que Eu Vou Te Amar, aonde não tem como ficar sem reação ao ouvir, é impressionante mesmo o resultado final e Jobim deve ter curtido de lá do céu.
O Maestro (agachado) e o Poetinha (ao violão), na década de 1960:
clássicos revistado por sertanejos em um álbum de 2015 que merece
muito os aplausos de crítica e público. Qualquer comparação com a
capa é mera semelhança mesmo. (Acervo Edgard Poças)
A foto da capa clicada por Junior Lima (logo o filho de Xororó e que já fez muita estrada com sua irmã no mundo da música) foi feita com base em uma foto clicada lá nos anos 60 com Tom em um rio e Vinícius ao violão (ambos estão descalços como podem ver) e também feita as cenas do clipe Correnteza e a capa do single desta, que tem junto Águas de Março, faixas que anteciparam o álbum em dezembro de 2014. Como eu havia dito, já não é de hoje que os sertanejos deixam o público e críticos musicais de queixo caído, e também não é de hoje que eles seguem a agradar os ouvidos de todos nós brasileiros, pois com 45 anos de estrada e tantos sucessos por aí, queremos mais o quê, né? O legado musical do Maestro ganhou voz e vez pela dupla mais querida e que segue até hoje a representar a música sertaneja no nosso Brasil, e que mostrou desta vez um outro lado da dupla totalmente diferente do que nós já conhecemos faz muito tempo.
Set do disco:
1 - Águas de Março (Antonio Carlos Jobim)
2 - Estrada Branca (Antonio Carlos Jobim/Vinicius de Moraes)
3 - Eu Não Existo Sem Você (Antonio Carlos Jobim/Vinicius de Moraes)/música incindental: Derradeira Primavera (Antonio Carlos Jobim/Vinicius de Moraes)
4 - Chovendo na Roseira (Antonio Carlos Jobim)
5 - Correnteza (Antonio Carlos Jobim/Luiz Bonfá)
6 - Caminhos Cruzados (Antonio Carlos Jobim/Newton Mendonça)
7 - Solidão  (Antonio Carlos Jobim/Alcides de Souza)
8 - Chega de Saudade (Antonio Carlos Jobim/Vinicius de Moraes)
9 - Modinha (Antonio Carlos Jobim)
10 - Caminho de Pedra (Antonio Carlos Jobim/Vinicius de Moraes)
11 - Se É Por Falta de Adeus (Antonio Carlos Jobim/Dolores Duran)
12 - A Chuva Caiu (Antonio Carlos Jobim)
13 - Se Todos Fossem Iguais A Você (Antonio Carlos Jobim/Vinicius de Moraes)
14 - Eu Sei Que Eu Vou Te Amar (Antonio Carlos Jobim/Vinicius de Moraes)

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