Um disco indispensável: Nheengatu - Titãs (Som Livre, 2014)

Os Titãs retornaram com tudo após cinco anos sem lançar um disco inédito: desta vez com mais peso sonoro e voltando no tempo, de 1986 a 1994, período no qual mudaram o jeito de fazer rock, sem imitar um pouco o new-wave e também não bancar os queridinhos do pop, já partindo mais para a agressividade, o exagero, a loucura e fugindo dos padrões dos primeiros discos. O resultado? Este belo disco que acabou dando no que falar a partir de abril, quando a banda postou em seu Facebook que o disco se chamaria Nheengatu, que vem do tupi-guarani, língua geral; e que seria desta vez por uma gravadora brasileira e não por uma multinacional, muitos esperavam que iria ser lançado pela velha casa da banda, a Warner Music (1984-1999) ou pela Universal Music (2009-2012), no qual saíram um disco de estúdio e um ao vivo para comemorar os 30 anos, na qual tocavam o clássico Cabeça Dinossauro (1986) na íntegra; se é esse o caso, era preciso esperar mais um tempo para que o grupo voltasse às atividades, enquanto isso, a banda passava por momentos difíceis a partir de 2010, após o disco Sacos Plásticos (lançado em 2009) não ter sido visto como o melhor disco da banda. Motivo? A produção exagerada e neutra de Rick Bonadio não é a das melhores, muito pop-clichê demais, seguindo a linha dos discos pós-Acústico MTV e pegando um pouco dos discos A Melhor Banda de Todos os Tempos da Última Semana (2001) e do Como Estão Vocês? (2003) e a partir disso, fez uma mistureba que não foi a das melhores. Ainda aconteceu a saída de Charles Gavin da banda, o baterista que por 25 anos liderou as baquetas titânicas. Os 30 anos da banda celebrados em outubro de 2012 com Nando Reis, Charles Gavin e Arnaldo Antunes no mesmo palco em 20 anos (deveriam ter chamado o Liminha para substituir o nosso saudoso Marcelo Fromer) e, na família Miklos nada ficou ótimo emocionalmente: Paulo estava chorando o adeus a sua mulher Rachel Salém, falecida em decorrência de um câncer de pulmão em 23 de julho de 2013 e o pai José Maurício Miklos, morreu no final de janeiro deste ano. Paulo estava em turnê, fazendo show em João Pessoa (PB). Mas, nada que abalasse o universo titanomaníaco ou titânico.
O álbum estava todo sendo trabalhado desde maio de 2010, sempre na estrada, com algumas ideias a sair do papel mesmo a partir de 2011 e 2012. Foi só o próprio Miklos anunciar em novembro de 2013 que a banda estava trabalhando em um álbum para abril ou maio recente que todos os fãs não cansariam de esperar a novidade desde a virada do ano até o dia 28 de abril, quando a banda anunciou por Facebook, o disco que Paulo previu anteriormente como "feio, sujo e malvado". Com arte de Sérgio Britto e de André Rola, a capa contêm a imagem da Torre de Babel, mito bíblico pintado por Pieter Bruguel no século XVII: aquela torre que os homens queriam construir para alcançarem ao céu, mas que por não falarem a mesma língua e nunca se entendiam. A capa tem tudo a ver com o Brasil de hoje: uma palavra (e uma linguagem) de entendimento para tentar explicar um mundo de desentendimento. A produção é de um craque dos discos de rock brasileiro, Rafael Ramos (Pitty, Los Hermanos, Ultraje a Rigor, Matanza, Cahcorro Grande) e ele viu que a banda tinha que voltar mais à epoca de Cabeça Dinossauro e de Õ Blesq Blom (1989), sendo que durante a turnê em que tocaram o primeiro disco mencionado, eles acharam legal botar um pouco do peso antigo neste novo disco, e, para mim, me lembra também o Titanomaquia (1993), produzido pelo americano Jack Endino. Vamos falar das músicas, que são o essencial do disco: Fardado, é uma canção que se você for ouvir direito, nos lembra um pouco Vossa Excelência e Anjo Exterminador, crítica e pesada cuja a introdução é baseada nos gritos de manifestação (as que foram ocorridas em junho de 2013) "Você aí, fardado, também é explorado!" na qual o grito é utilizado tanto como início da música como refrão, junto do principal refrão "Ponha-se no meu lugar, ponha-se no seu lugar, ponha-se no seu lugar, no meu lugar!", como se fosse uma ordem de um manifestante; e já Mensageiro da Desgraça pode ter até uma lição de como juntar rock e blues (algo que o Led Zeppelin sabe fazer muito bem) e contando a história de um sujeito que fica cansado da fome, do crack, da miséria e da cachaça, percebo que pode ser uma alusão aos neo-evangélicos que por qualquer motivo, acabam entrando nessa nova onda de fazerem uma lavagem cerebral religiosa com pastores que lucram com marketing ridículo (TV, divulgação na mídia...) ou sobre os mendigos e moradores de rua, caso possam ler nas entrelinhas a letra toda em geral; e República das Bananas é uma tiração de onda com a forma de como o povo tem suas atividades diferentes e modos de vida nonsense do povo atualmente (Calúnias sociais/Seus tipos e bacanas/Bundas e caras da República dos Bananas) e ainda em parceria com o cartunista Angeli; a sequência com Fala Renata, na qual é sobre uma pessoa faladeira que adora abrir o verbo pra qualquer coisa e nunca pára de falar; já Cadáver Sobre Cadáver é uma música crítica sobre as muitas mortes que vem acontecendo, já é necessário ler a letra "Morre quem mereceu e quem não merecia" na qual se trata também de várias formas de morrer e uma frase que soa como advertência ou um conselho "Quem vive, sobrevive"; e o peso sonoro continua em Canalha, uma regravação de um clássico de Walter Franco dos anos 70 na qual Branco Mello teve uma bela missão de botar um pouco de peso titânico na música, afinal, até a banda Camisa de Vênus já regravou muito antes dos companheiros de geração 80; e na sequência vem Pedofilia, uma canção que já carrega os ares reais do nome da música, onde nos primeiros versos, onde um sujeito começa a oferecer algo para uma criança; já Chegada ao Brasil (Terra à Vista) é uma tiração de onda com a onda de exportação de muitas das riquezas dos Brasil, resultado de uma parceria de Branco Mello com Emerson Villani (guitarrista convidado da banda entre 2002 e 2007) e o diretor teatral Aderbal Freire Filho; já Eu Me Sinto Bem é como se fosse alguma canção da banda dos anos 80 com o peso de um Titanomaquia ou de um Tudo Ao Mesmo Tempo Agora (1991); Flores Para Ela é uma canção que trata de ciúmes, com muita agressividade sonora na introdução e também uma levada de ironia numa estrofe "Cala essa boca que isso não é direito, troca essa roupa que isso eu não aceito" onde a violência feminina é abordada principalmente, uma música de Sérgio Britto com o baterista Mario Fabre; Não Pode é uma canção mostrando que retrata o país em tempos de Copa do Mundo e de eleições presidenciais e proibindo coisas que já são muito vistas no Brasil de hoje; na sequência Senhor e Baião de Dois, que nos dão um pouco do que é ouvir algo dos Titãs recente e entender essa língua geral que eles expuseram do bom e velho peso sonoro, que não se ouvia há 20 anos antes; o encerramento fica por conta de Quem São os Animais?, que é uma canção retratando o povo e seus preconceitos "Te chamam de viado e vivem no passado/Te chamam de macaco e inventam o teu pecado", uma possível referência atual ao ato de racismo cometido com o jogador do Barcelona, Daniel Alves (que jogaram uma banana e ele comeu em campo), e fala também da forma que rejeitam muitas pessoas por terem algum defeito, sobre o preconceito em todo cujo um dos versos incentiva as pessoas respeitarem de serem o que são "Você tem que respeitar o direito de escolher livremente, como um velho mandamento/Você tem que respeitar o direito de ser diferente, como um novo sacramento" e dando fim a mais um bem-sucedido disco dos Titãs, que comemoram este ano, 30 anos que o primeiro disco da banda foi lançado.
Enfim, o que falar definitivamente do disco? Uma boa jogada de mestre do grupo, uma sonoridade barulhenta pra caramba, músicas muito fodásticas e a produção de Rafael Ramos conseguiu superar todas as expectativas, muito se esperava de um disco assim desde Como Estão Vocês? e trazendo de volta a agressividade e a forma crítica, desta vez, disparando todas na cara da sociedade. Os Titãs nem parecem os mesmos que ficaram mais calminhos e delicados depois que fizeram o Acústico MTV em 1997. Vale a pena ouvir mais do que mil vezes.
Set do disco:
1) Fardado (Paulo Miklos/Sérgio Britto)
2) Mensageiro da Desgraça (Paulo Miklos/Tony Bellotto/Sérgio Britto)
3) República dos Bananas (Branco Mello/Angeli/Hugo Possolo/Emerson Villani)
4) Fala, Renata (Tony Bellotto/Paulo Miklos/Sérgio Britto)
5) Cadáver Sobre Cadáver (Paulo Miklos/Arnaldo Antunes)
6) Canalha (Walter Franco)
7) Pedofilia (Sérgio Britto/Paulo Miklos/Tony Bellotto)
8) Chegada ao Brasil (Terra à Vista) (Branco Mello/Emerson Villani/Aderbal Freire Filho)
9) Eu Me Sinto Bem (Tony Bellotto/Sérgio Britto/Paulo Miklos)
10) Flores Pra Ela (Sérgio Britto/Paulo Miklos)
11) Não Pode (Sérgio Britto)
12) Senhor (Tony Bellotto)
13) Baião de Dois (Paulo Miklos)
14) Quem São os Animais? (Sérgio Britto)











































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