Um disco indispensável: Aqui - Almôndegas (Continental/Warner Music, 1975)

O folk sulista nunca foi tão visto no início dos anos 70, apesar de muitos brasileiros pensarem a mesma coisa naquela época “Música gaúcha? Ah! É só Teixeirinha, Irmãos Bertussi e Gildo de Freitas”, mas se esqueciam de que foi no Rio Grande do Sul que nasceu a maior cantora do Brasil: Elis Regina. Mas, o Brasil tentava ter representantes na nova geração da MPB, já mais influenciados pelas novidades que vinham em lojas de discos no Rio de Janeiro (Musical, Modern Sound), São Paulo (Grandes Galerias, hoje chamada Galeria do Rock) e em Porto Alegre; os artistas deste período (1970-1975) carregariam influências dos novos ídolos internacionais: Bob Dylan, Joan Baez, Jimi Hendrix, Janis Joplin, Rolling Stones, Led Zeppelin, Jefferson Airplane, King Crimson, Pink Floyd, Frank Zappa, Creedence Clearwater Revival, entre outros; e também um pouco influenciados pelo lirismo poético dos compositores de protesto no Brasil (Chico, Vandré, Gil, Caetano). Dessa nova onda veio Rita Lee (recém-separada dos Mutantes), Raul Seixas (baiano, que estava na crista da onda graças a seu sucesso “Ouro de Tolo”), o pessoal da Nova Trova Nordestina: Belchior, Alceu Valença, Geraldo Azevedo, Zé Ramalho da Paraíba (assim Zé Ramalho se apresentava até 1977) e Raimundo Fagner; os grupos Made in Brazil (paulistas), Bixo da Seda (gaúchos), O Som Nosso de Cada Dia (paulistas), Vímana (cariocas, foi desse grupo que se originou as carreiras solos de Lulu Santos, Ritchie e Lobão), Módulo Mil, Veludo Elétrico (ambos cariocas) e os gaúchos do Almôndegas, de quem estaremos falando neste post. O conjunto de folk gaúcho surgiu no rastro das influências gaúchas, dos cantores de protesto internacionais, do folk estrangeiro, de música gaúcha e dos Beatles. O conjunto tem como integrantes conhecidos os irmãos Kleiton e Kledir Ramil, além de Pery Souza, Quico Castro Neves e Gilnei Silveira e também Zé Flávio, o guitarrista e compositor que colaborava com as canções da banda, na época. O folk latino se expandia mais com o surgimento do pessoal da Nova Trova Nordestina, dos argentinos do Sui Generis, duo liderado por Nito Mestre e Charly García (na época chamavam-o de “Charlie”) e do também argentino León Gieco, embora o nosso folk no Brasil também tenha passado despercebido com alguns conjuntos e artistas como A Barca do Sol, Sérgio Sampaio, Zé Ramalho, Raul Seixas, Diana Pequeno, Fagner e os Almôndegas.
Mas, fica no ar a pergunta: qual a influência dos Almôndegas no folk brasileiro e no rock gaúcho? Simples, suas canções com poesia bucólica, versos tranquilos que nos fazem parecer que estamos viajando e suas influências são variadas: vão um pouco do folk internacional de Bob Dylan, Joni Mitchell, Joan Baez; passando pelo cancioneiro regionalista gaúcho e depois pela nova MPB e pelos Beatles, ou seja, eram gaúchos que gostavam de música e que adoravam fazer música com um pouco de tudo o que ouviam na época. Em 1974 o grupo surgiu quando os irmãos Kleiton e Kledir, mais o primo Pery Souza e os amigos Quico Castro Neves, Gilnei Silveira e Zé Flávio já se juntavam para fazer um som em Porto Alegre, em um apartamento do bairro Petrópolis, e fizeram sua primeira performance na rádio Continental 1120 AM interpretando “Testamento” escrito por José Fogaça, que acabou virando trilha sonora de um programa na rádio chamado Opinião Jovem, apresentado pelo próprio Fogaça naquela época. Após alguns shows pelo Rio Grande do Sul, participam do I Festival Universitário Catarinense da Canção vencendo com a música Quadro Negro e assinam com um selo de artistas regionais, sertanejos e algumas coisas da MPB: a Continental, que já havia lucrado muito com o grupo Secos e Molhados anteriormente, mas após a separação, o selo decidiu investir em novidades musicais, e os Almôndegas foram uma das grandes investidas do selo. Gravaram um disco no final de 1974 e no início de abril do ano seguinte, já saíram com o disco debaixo do braço para apresentar ao público temas como Quadro Negro (tema que venceu o I Festival Universitário Catarinense da Canção), , Daisy My Love, Clô, Olavo e Doroteia (Uma Louca História de Amor), Vento Negro (de Fogaça) e Sombra Fresca e Rock No Quintal, além da música que levava o nome da banda e do disco e uma regravação de Amargo, de Lupcínio Rodrigues. Após lançarem o primeiro disco, aparições em programas televisivos no sul do Brasil e em alguns lugares do país e mais um disco para ser gravado, embora o grupo acabasse sabendo antes de gravarem que Pery deixaria o conjunto e logo encontraram o ex-Boinas Azuis, João Baptista (tocaria mais tarde baixo, com Lobão no disco O Rock Errou, de 1986), que acabou se integrando bem aos poucos na banda e colaborou total com o disco por inteiro e partiria em turnê com o grupo futuramente após o disco, embora este seja o último almôndega a fazer parte do grupo para a formação do disco em 1975 e também, o que acabaria se expandindo no circuito dos músicos brasileiros assim como os irmãos Ramil.
Lançado originalmente em dezembro de 1975, o disco Aqui traz novidades sonoras do sul para um Brasil todo ouvir, começando por Canção da Meia-Noite, composta por Zé Flávio e que acabaria virando tema de uma novela global chamada Saramandaia (1976) e que seria uma das canções mais conhecidas no repertótrio do grupo e, futuramente, de Kleiton e Kledir em seus shows como dupla; linda melodia e perfeição nos vocais do grupo, além do solo de violino de Kleiton que dá para a gente ouvir “na sombra da lua cheia/esse medo de ser/um vampiro, um lobisomem, um saci-pererê”, dá para imaginar o quão linda é a música que abre o disco? Agora, Kledir fez uma homenagem poética-musical a Pablo Neruda em Mi Triste Santiago, misturando um pouco da poesia latina e palavras em portunhol que é influência nas canções de Kledir Ramil e em seus poemas, um pouco de lirismo dramático na música se torna perfeição para os ouvidos; dá também pra ver que Kleiton arrasou em Séria Festa, um pouco daquele jeito de canções regionalistas com folk e poesia, uma coisa que já é costume em várias canções do grupo, mas nesta música é mais sequencial, que começa com ritmo musical pra baixo e depois parte para um ritmo fandangueiro (ritmo típico do RS que muitos conjuntos de música regional usam); agora falando em lirismo, dá para ver que em Amor Caipira e Trouxa das Minas Gerais tem um pouco das canções bucólicas e tranquilas que o pessoal da nova MPB fazia em ritmo de balada, acrescentando um pouco de batida folk da época e a letra soa bem fácil e simples; em Coisa Miúda, já têm um quê de mistura sonora: regionalismo, música latina e cancioneiro regional do RS, apesar de ser um pouco mais diferente a letra; Barca de Caronte ficou quase despercebida no disco, já que têm um pouco de raiz na música e com um pouco mais misturado aos coros usados em canções populares daquela época, mas digo que Quico Castro Neves caprichou nesta música e em Haragana, tema seguinte que acabou virando tema clássico do cancioneiro sulista e um dos clássicos do conjunto, regravado até por (não é mentira!) Fafá de Belém em um ritmo mais para o forró; Elevador, composta por Kleiton, ganhou ares de canção pop com um pouco de balada dizendo que “este elevador não vai além de números impressos brancos no botão” e proclamando que não bota pé nesse elevador; já Em Meio aos Campos já têm um gostinho de ouvir num dia mais tranquilo, movido a uma flauta soando calma e com sonoridade que lembra um pouco o primeiro Clube da Esquina (1972) e os discos de Sá, Rodrix & Guarabyra e de Renato Teixeira; Vida e Morte já é uma canção que vai fundo nos ritmos sulistas e na poesia, já dá pra ver que a canção têm ares de temas gaúchos antigos que conjuntos faziam com coros e arranjos ousados; Gaudêncio Sete Luas traz um pouco mais de regionalismo poético no disco com a tradicional milonga, como ritmo de fundo na música e uma história simples e que também acabaria virando um clássico da música gaúcha; o disco encerra-se com Velha Gaita, que dá uma sensação de que o disco está mais um pouco para o regionalismo mesmo, em especial, na parte final do disco, onde conta até com citações de canções como “Felicidade” de Lupicínio Rodrigues e as tradicionais “Pezinho” e “Prenda Minha”, dando por fim mais uma bela canção do disco para abrilhantar o sucesso dos Almôndegas.
O grupo, após o disco, teve uma música na novela Saramandaia, partiriam para o Rio de Janeiro sem Quico e já com Zé Flávio (o colaborador do grupo), lançariam uma coletânea com o melhor dos dois primeiros discos pela Continental, gravariam mais dois discos pela gravadora Philips, se separariam em 1979 e só ficaram conhecidos nacionalmente Kleiton & Kledir e João Baptista. Mas aí estamos falando de outra história! O disco (completo) era inédito em CD, já teve relançamento em CD na década de 1990 pela Phonodisc, mas na verdade, não passava de uma coletânea com a capa do Aqui, o relançamento oficial só viria em 2012 por Marcelo Fróes (o homem que ressuscitou grandes obras da música em CD) pela Warner Music em parceria com seu selo Discobertas.
Mas sobre o disco e o grupo, acabou influenciando uma geração de gente do rock gaúcho, dentre eles: Thedy Corrêa (Nenhum de Nós), Wander Wildner, Duca Leindecker (Pouca Vogal, Cidadão Quem) e, vejo para mim, que é um dos clássicos não só da música gaúcha, do rock gaúcho, como senão um dos melhores discos da MPB, do folk brasileiro e dos anos 70.
Set do disco:
1 – Canção da Meia-Noite (Zé Flávio)
2 – Mi Triste Santiago (Tributo a Pablo Neruda) (Kledir Ramil)
3 – Séria Festa (Kleiton Ramil)
4 – Amor Caipira e Trouxa Das Minas Gerais (Zé Flávio)
5 – Coisa Miúda (Kledir Ramil)
6 – Barca de Caronte (Quico Castro Neves)
7 – Haragana (Quico Castro Neves)
8 – Elevador (Kleiton Ramil)
9 – Em Meio aos Campos (Fernando Ribeiro/Sisson)
10 – Vida e Morte (Kledir Ramil)
11 – Gaudêncio Sete Luas (Marco Aurélio Vasconcelos/Luiz Coronel)
12 – Velha Gaita (João Baptista/Gilnei Silveira)
Músicas incidentais:
·         Felicidade (Lupicínio Rodrigues)
·         Pezinho (tradicional)
·         Prenda Minha (tradicional)














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