Um disco indispensável: Aqui - Almôndegas (Continental/Warner Music, 1975)

Mas, fica no ar a pergunta: qual a influência dos Almôndegas no folk brasileiro e no rock gaúcho?
Simples, suas canções com poesia bucólica, versos tranquilos que nos fazem
parecer que estamos viajando e suas influências são variadas: vão um pouco do
folk internacional de Bob Dylan, Joni Mitchell, Joan Baez; passando pelo cancioneiro regionalista gaúcho e
depois pela nova MPB e pelos
Beatles, ou seja, eram gaúchos que gostavam de música e que adoravam fazer
música com um pouco de tudo o que ouviam na época. Em 1974 o grupo surgiu
quando os irmãos Kleiton e Kledir, mais o primo Pery Souza e os amigos Quico
Castro Neves, Gilnei Silveira e Zé Flávio já se juntavam para fazer um som em
Porto Alegre, em um apartamento do bairro Petrópolis, e fizeram sua primeira
performance na rádio Continental 1120 AM interpretando “Testamento” escrito por
José Fogaça, que acabou virando trilha sonora de um programa na rádio chamado Opinião Jovem, apresentado pelo próprio
Fogaça naquela época. Após alguns shows pelo Rio Grande do Sul, participam do I Festival Universitário Catarinense da
Canção vencendo com a música Quadro
Negro e assinam com um selo de artistas regionais, sertanejos e algumas
coisas da MPB: a Continental, que já
havia lucrado muito com o grupo Secos e Molhados anteriormente, mas após a
separação, o selo decidiu investir em novidades musicais, e os Almôndegas foram
uma das grandes investidas do selo. Gravaram um disco no final de 1974 e no
início de abril do ano seguinte, já saíram com o disco debaixo do braço para
apresentar ao público temas como Quadro
Negro (tema que venceu o I Festival Universitário Catarinense da Canção), Gô, Daisy My Love, Clô, Olavo e Doroteia (Uma Louca História de
Amor), Vento Negro (de Fogaça) e
Sombra Fresca e Rock No Quintal, além
da música que levava o nome da banda e do disco e uma regravação de Amargo, de Lupcínio Rodrigues. Após
lançarem o primeiro disco, aparições em programas televisivos no sul do Brasil
e em alguns lugares do país e mais um disco para ser gravado, embora o grupo
acabasse sabendo antes de gravarem que Pery deixaria o conjunto e logo
encontraram o ex-Boinas Azuis, João
Baptista (tocaria mais tarde baixo, com Lobão no disco O Rock Errou, de
1986), que acabou se integrando bem aos poucos na banda e colaborou total com o disco por inteiro e partiria em turnê com o
grupo futuramente após o disco, embora este seja o último almôndega a fazer
parte do grupo para a formação do disco em 1975 e também, o que acabaria se
expandindo no circuito dos músicos
brasileiros assim como os irmãos Ramil.
Lançado originalmente em dezembro de 1975, o disco Aqui traz novidades sonoras do sul para
um Brasil todo ouvir, começando por Canção
da Meia-Noite, composta por Zé Flávio e que acabaria virando tema de uma
novela global chamada Saramandaia
(1976) e que seria uma das canções mais conhecidas no repertótrio do grupo e, futuramente, de Kleiton e Kledir em seus
shows como dupla; linda melodia e perfeição nos vocais do grupo, além do solo de violino de Kleiton que dá para
a gente ouvir “na sombra da lua cheia/esse medo de ser/um vampiro, um
lobisomem, um saci-pererê”, dá para imaginar o quão linda é a música que abre o
disco? Agora, Kledir fez uma homenagem poética-musical a Pablo Neruda em Mi Triste Santiago, misturando um pouco
da poesia latina e palavras em portunhol que é influência nas canções
de Kledir Ramil e em seus poemas, um pouco de lirismo dramático na música se torna perfeição para os ouvidos; dá
também pra ver que Kleiton arrasou em Séria
Festa, um pouco daquele jeito de canções regionalistas com folk e poesia,
uma coisa que já é costume em várias canções do grupo, mas nesta música é mais sequencial, que começa com ritmo
musical pra baixo e depois parte para um ritmo fandangueiro (ritmo típico do RS que muitos conjuntos de música
regional usam); agora falando em lirismo, dá para ver que em Amor Caipira e Trouxa das Minas Gerais
tem um pouco das canções bucólicas e
tranquilas que o pessoal da nova MPB fazia em ritmo de balada,
acrescentando um pouco de batida folk da época e a letra soa bem fácil e
simples; em Coisa Miúda, já têm um
quê de mistura sonora: regionalismo, música latina e cancioneiro regional do
RS, apesar de ser um pouco mais diferente a letra; Barca de Caronte ficou quase despercebida no disco, já que têm um
pouco de raiz na música e com um pouco mais misturado aos coros usados em canções populares daquela época, mas digo que Quico
Castro Neves caprichou nesta música e em Haragana,
tema seguinte que acabou virando tema clássico do cancioneiro sulista e um dos clássicos do conjunto, regravado até
por (não é mentira!) Fafá de Belém em um ritmo mais para o forró; Elevador,
composta por Kleiton, ganhou ares de canção
pop com um pouco de balada dizendo que “este elevador não vai além de
números impressos brancos no botão” e proclamando que não bota pé nesse
elevador; já Em Meio aos Campos já
têm um gostinho de ouvir num dia mais tranquilo, movido a uma flauta soando
calma e com sonoridade que lembra um pouco o primeiro Clube da Esquina (1972) e os discos de Sá, Rodrix & Guarabyra e de Renato Teixeira; Vida e Morte já é uma canção que vai
fundo nos ritmos sulistas e na
poesia, já dá pra ver que a canção têm ares de temas gaúchos antigos que conjuntos faziam com coros e arranjos
ousados; Gaudêncio Sete Luas traz um
pouco mais de regionalismo poético
no disco com a tradicional milonga,
como ritmo de fundo na música e uma história simples e que também acabaria
virando um clássico da música gaúcha;
o disco encerra-se com Velha Gaita,
que dá uma sensação de que o disco está mais um pouco para o regionalismo mesmo, em especial, na
parte final do disco, onde conta até com citações de canções como “Felicidade”
de Lupicínio Rodrigues e as tradicionais “Pezinho” e “Prenda Minha”, dando por
fim mais uma bela canção do disco para abrilhantar o sucesso dos Almôndegas.
O grupo, após o disco, teve uma música na novela Saramandaia, partiriam para o Rio de
Janeiro sem Quico e já com Zé Flávio (o colaborador do grupo), lançariam uma
coletânea com o melhor dos dois primeiros discos pela Continental, gravariam
mais dois discos pela gravadora Philips,
se separariam em 1979 e só ficaram conhecidos nacionalmente Kleiton &
Kledir e João Baptista. Mas aí estamos falando de outra história! O disco (completo) era inédito em CD,
já teve relançamento em CD na década de 1990 pela Phonodisc, mas na verdade,
não passava de uma coletânea com a capa do Aqui,
o relançamento oficial só viria em 2012 por Marcelo Fróes (o homem que
ressuscitou grandes obras da música em CD) pela Warner Music em parceria com seu selo Discobertas.
Mas sobre o disco e o grupo, acabou influenciando uma
geração de gente do rock gaúcho,
dentre eles: Thedy Corrêa (Nenhum de Nós), Wander Wildner, Duca Leindecker
(Pouca Vogal, Cidadão Quem) e, vejo para mim, que é um dos clássicos não só da
música gaúcha, do rock gaúcho, como senão um dos melhores discos da MPB, do
folk brasileiro e dos anos 70.
Set do disco:
1 – Canção da
Meia-Noite (Zé Flávio)
2 – Mi Triste
Santiago (Tributo a Pablo Neruda) (Kledir Ramil)
3 – Séria Festa
(Kleiton Ramil)
4 – Amor
Caipira e Trouxa Das Minas Gerais (Zé Flávio)
5 – Coisa Miúda
(Kledir Ramil)
6 – Barca de
Caronte (Quico Castro Neves)
7 – Haragana
(Quico Castro Neves)
8 – Elevador
(Kleiton Ramil)
9 – Em Meio aos
Campos (Fernando Ribeiro/Sisson)
10 – Vida e
Morte (Kledir Ramil)
11 – Gaudêncio
Sete Luas (Marco Aurélio Vasconcelos/Luiz Coronel)
12 – Velha
Gaita (João Baptista/Gilnei Silveira)
Músicas incidentais:
·
Felicidade (Lupicínio Rodrigues)
·
Pezinho (tradicional)
·
Prenda Minha (tradicional)
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