Um disco indispensável: Palo Congo - Sabu Martínez (Blue Note Records, 1957)

Dizem que muito antes de um tal Carlos Santana, guitarrista mexicano aclamado mundialmente desde o final dos anos 1960 fazendo um som que unisse o rock, o blues, a pegada latina e o jazz em suas músicas e que na virada do milênio conquistou 8 troféus do Grammy com seu Supernatural (1999) e também muito bem antes de um nigeriano chamado Fela Kuti fazer o seu afrobeat revolucionário nos anos 1970 e virando uma referência pra música negra e mundial também, ou também antes de acontecer o famoso momento em que Miles Davis decidira amplificar e plugar o trompete e conceber  o fusion através de seu disco Bitches Brew (1970), havia na cena do jazz um cara aí chamado Louis Martínez, conhecido como Sabu, um congueiro e percussionista nascido no dia 4 de julho de 1930 no leste do Harlem, em New York e já perambulava pela cena jazzística tocando conga e bongô, e mostrando a todos que as suas raízes nunca foram negadas, conseguiu colocar aqui um pouco das suas origens em forma de música. Sabu viveu sua infância batucando em latas e aos onze anos já tocava na 125ª Rua em troca de dinheiro, ganhando 25 centavos tocando na noite neoiorquina e já aos 14 anos teve o prazer de poder deixar os EUA e se aventurar acompanhando Marcelino Guerra e Catalino Rolón, ao decorrer de um bom tempo em Porto Rico e aos 17 anos servia o exército norte-americano ao mesmo tempo em que estava tocando no trio de Joe Loco e antes de completar 20 anos, tocou ao lado do clarinetista e orquestrador Benny Goodman, que já era dono de uma invejável fama mundial. Passados os anos, o prodígio percussionista estava com um currículo largo de passagens por artistas e gravações, como de Dizzy Gillespie com quem fez várias gravações e integrou a banda do próprio, agora estava preparado para trazer seu som denominado CuBop, um mix da música afro-cubana com o bebop do jazz, que acabou se apegando enquanto músico da trupe de Dizzy nos primeiros anos da década de 1950. Foi conceber um material próprio e gravou o trabalho que se tornou a peça-chave para anteceder todos os sons que uniam o jazz, a música latina e sendo pioneiro da world music em sessões feitas durante um único dia, 28 de abril de 1957 com a produção de Alfred Lion e o engenheiro de som Rudy Van Gelder fazendo o trabalho de registrar Palo Congo, seu primeiro álbum individual, gravado em uma sala do hotel Manhattan Towers, e aqui Sabu traz para seu time de músicos outros quatro congueiros, o legendário Arsenio Rodríguez (que também canta toca violão), Ray "Mosquito" Romero, Israel Moises "Quique" Travieso e seu irmão Raúl "Caesar" Travieso além do baixista Evaristo Baro e os vocais de Willie Capo e Sarah Baro que fizeram deste registro a magnus opum do som afro-cubano e do pré-fusion que influenciou a linguagem latina do jazz e segue a unir a pegada latina com o resto do mundo, no sentido musical.
Sabu em ação no ano de 1973, seis anos antes de morrer.
Quando ouvimos na íntegra o Palo Congo, percebemos que além de ser a peça-chave para a expansão da sonoridade caribenha para o jazz, ela também nos traz um pouco da África em termos de instrumentalidade, para ser mais preciso. E aqui não existe um vestígio de que o disco sofre algum tropeço, algum erro que faça esse disco soar muito péssimo, pelo contrário, Sabu e seus companheiros fazem a gente ir no rumo certo que esse disco quer nos levar e começando aqui a análise, o disco abre com a deliciosa El Cumbanchero, que é onde as congas conseguem se cruzar e duelar com Sabu, e tem um fraseado de guitarra que se destaca muito nessa faixa, prestem bem atenção ao ouvir; mais adiante, temos a sequência Billumba-Palo Congo, uma rumba bem de tons africanos e que acaba deixando a gente de boca aberta com a sequência rítmica que não precisa de uma tradução longa e que faz a gente entender direito o que eles estão cantando no meio de tanto batuque à caribenha desta brilhante música; na sequência, a pegada que lembra um pouco a pegada da guitarrada e da lambada feita no Norte brasileiro e antecipada aqui com Choferito-Plena, que traz uma potência indescritível aqui que nos faz dançar freneticamente ao longo da canção; na próxima faixa, intitulada Asabache, a batida de congos aqui abre o disco e nos faz aventurar a essa coisa mais instrumental, é o momento mais diferentão do repertório deste trabalho e que não decepciona nossos ouvidos de jeito nenhum; o disco continua o bailado de sempre aqui com Simba, um canto que lembra uma saudação aos ancestrais africanos e marcado também pelo agogô que faz uma entrosada aqui entre as congas mantendo essa onda nas batidas; a próxima faixa que faz parte dessa sequência é a Rhapsodia del Maravilloso, que com o violão de Arsenio Rodríguez se destacando com suas melodias, aqui é uma boa escolha também pra curtir numa boa o disco; mais em diante, ainda podemos contar com outra pérola aqui, intitulada Aggo Elegua, um excelente petardo desse disco e que traz um coro bem harmonioso aqui na faixa; pra terminar aqui, temos uma belezinha intitulada Tribilin Cantore, capturando um pouco do cancioneiro de Cuba, composto por Sabu em parceria com Carlos Godínez terminando aqui o clássico Palo Congo com chave de ouro. Nos anos 1990 (bem depois de Sabu ter morrido na Suécia aos 48 anos), com a modernização do mercado fonográfico, a EMI Music (hoje pertecente à Universal Music) decidira relançar todo o acervo da Blue Note em CD e lógico que Palo Congo não foi ignorado de vez, além de ter o mérito de ter conseguido o status de cult pela geração de hoje após aparecer na lista dos 1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer, organizada por Robert Dimery e também fazendo uma representação digna da música latina e do jazz latino, sendo hoje uma boa referência para quem quiser conhecer mais as origens do pop latino mais de raiz, aí está um disco que é pra respeitar.
Set do disco:
1 - El Cumbanchero (Rafael Hernández)
2 - Billumba-Palo Congo (Sabu Martinez)
3 - Choferito-Plena (Ignacio Ríos)
4 - Asabache (Sabu Martinez)
5 - Simba (Sabu Martinez)
6 - Rhapsodia del Maravilloso (Sabu Martinez)
7 - Aggo Elegua (Sabu Martinez)
8 - Tribilin Cantore (Carlos Godínez/Sabu Martinez)

Comentários

Mais vistos no blog