Um disco indispensável: Cavalo de Pau - Alceu Valença (Ariola/PolyGram, 1982)

No florescer dos últimos anos de regime militar, a geração que havia se consagrado no final dos anos 1960 fazendo MPB estavam perdendo um pouquinho de espaço nas rádios, mas seguiam a rotina de shows, discos, mantinham presença constante nos lares brasileiros através da televisão. Mas, a juventude estava um pouco cansada daquela mesmice (para eles), desapegada do mesmo papo de sempre e estava querendo ouvir algo que seguisse os novos padrões da época: new wave, pós-punk, algo que as cartilhas que os Ramones, B-52's, Van Halen e New Order estavam colocando em prática na cena. Eis que o rock brasileiro começa a ganhar mais cores e mais vida com o surgimento de bandas e artistas novos no circuito, embora figurões como Rita Lee, Raul Seixas e Erasmo Carlos já eram senhores do rock brasileiro mas estavam para dar um ombro amigo a essa nova geração. A ala mais emepebista conseguiam manter o primor de seus conteúdos nos discos e shows. O que pode ser chamado de BRock, um momento da nova onda do rock onde bandas estouravam em rádios como a Fluminense FM, chamada de A Maldita e também a Cidade - estas no Rio de Janeiro, e também a 89 Rádio Rock e a lendária Brasil 2000 (que ficou no dial até o início da década, permanecendo-se na internet até abril de 2016) em São Paulo levaram multidões do Oiapoque ao Chuí a conhecerem bandas e artistas referências até hoje. Em 1982, um figurão pernambucano também pegou carona no rock brasileiro e também virou mania nacional com seu maior best-seller da sua carreira, este era o grande Alceu Valença, que com sete discos no histórico e duas músicas em festivais - a primeira foi Papagaio do Futuro, de 1972, interpretada por ele e Geraldo Azevedo junto de Jackson do Pandeiro e do futuro rei da malandragem Bezerra da Silva na percussão no último FIC (Festival Internacional da Canção) mas que não chegou às finais na época. A outra foi uma adaptação do poema Trem das Alagoas, de Ascenso Ferreira para o festival Abertura, realizado em janeiro e fevereiro de 1975, e que converteu-se em Vou Danado Pra Catende, que levou o prêmio Melhor Trabalho de Pesquisa e que teve o acompanhamento desta vez de um ainda desconhecido Zé Ramalho na viola de 12 cordas, Lula Côrtes numa cítara artesanal chamada tricórdio e também os músicos do Ave Sangria, como Israel Semente Proibida (bateria), Ivinho (guitarra), Dicinho (baixo), Rafles e Agrício Noya (percussão) e seus futuros parceiros de banda Zé da Flauta e Paulo Rafael (guitarra, violão e direção musical) foram muito bem recebidos pelo público. Em seguida, com seu terceiro álbum, intitulado Vivo!, a sua consagração definitiva no rol da MPB e também o momento em que outros nordestinos como Fagner, Belchior, Ednardo, Amelinha e outros conquistavam seus merecidos lugares no mainstream da música brasileira no fim da década.
Alceu recentemente, após ter colocado nas telas o filme "A Luneta do Tempo"
de sua direção e agora com uma turnê revivendo o álbum "Vivo!" (1976) na íntegra.
Passados dez anos desde que conquistou o público, o pernambucano tinha passado uma temporada em Paris, o que resultou em um registro considerado inédito chamado Saudades de Pernambuco, que já havia sido divulgado recentemente no formato CD, e que nos anos 1980 acabara fazendo parte do cast principal de uma nova gravadora, a Ariola - uma gravadora de origem alemã trazida por Marco Mazzola depois de três anos como diretor artístico da WEA Music e que tinha em seu elenco Chico Buarque, Moraes Moreira, Marina Lima, Kleiton & Kledir, Toquinho, Elba Ramalho, Geraldo Azevedo entre outros tantos e que duraria três anos até a PolyGram internacional comprá-la e mudar o nome para Barclay, durando até o início de 1987 e boa parte deste acervo ficou completamente na Universal Music (antiga PolyGram) até os dias de hoje. Com a gravadora, o pernambucano lançou uma série de discos aclamados por crítica e público, iniciando por Coração Bobo (1980) o disco que inciaria uma série de hits na carreira, seguido de Cinco Sentidos (1981) que apresentou pérolas como Quando Eu Olho Para o Mar, Guerreiro, Fé na Perua, Porto da Saudade e Cabelo no Pente fazem parte do álbum. Mas, os executivos da Ariola queriam algo mais dele, e isso ainda era muito preocupante para que ele alcançasse uma boa vendagem e então ele acabou se trancafiando nos estúdios da Sigla em março e abril de 1982 com a produção de Mazzola, Sérgio Mello e de Paulo Rafael e que contou com um time de músicos, dentre eles o baixista Jorge Degas, Zé da Flauta, os percussionistas Firmino e Repolho, o tecladista Márcio Lomiranda, os bateristas Jurim Moreira e Wilson Meirelles além do próprio Paulo Rafael na guitarra. Tendo apenas oito faixas, foi um problema - para Alceu e para a gravadora, pois eles queriam que o cantor aumentasse o número para mais quatro faixas porque achavam que não ia vender o disco. Resultado: após o lançamento, foram mais de um milhão de cópias vendidas e foi também o maior número de vendagens na carreira do cantor, um número que só conseguiria voltar a bater depois que se juntou a Elba, Geraldo e Zé Ramalho para gravarem O Grande Encontro (1996), que alcançou 1,5 milhão de cópias de uma forma impressionante. Além do mais, Cavalo de Pau traz uma arte de capa totalmente original, concebida por Carlos Horcades, Antonio Peticov e J.C. Mello, na qual há recortes nas partes da capa simulando um caixote de madeira em 3D, fazendo assim um lance meio ilusão de ótica com um encarte mostrando fotos das sessões de gravação e também do filho do cantor com uma carta para o próprio Alceu, que aparece na capa em uma foto montado nos típicos cavalos de maracatu originalmente em preto-e-branco e que ganhou uma coloração, além de na contracapa termos uma obra de Antonio Peticov chamada Joe Boy, um rosto feito com madeira, e uma das melhores artes de álbum da MPB em consideração. O disco teve duas reedições em CD, sendo que a mais recente foi em 2013 seguido dos três volumes do box Três Tons de Alceu Valença com todo o encarte original do vinil e a ficha técnica para complementar.
Contracapa original do álbum, com a imagem "Joe Boy" de Antonio Peticov
(Divulgação/Universal Music Brasil)
Começando o disco através da faixa Rima Com Rima, o cantor pega um pouco do forró e coloca aqui um som mais pesado e faz um conjunto de rimas ao longo da canção, meio que uma espécie de trava-línguas, fazendo muto sentido quando se ouve e agradável a pegada por sinal, não fazendo feio de vez; a próxima música que aparece é Tropicana (Morena Tropicana), um xote bem pop baseado em um quadro do cunhado Sérgio Lemos que se converteu no maior hit do cantor pernambucano, misturando tons bem latinos com um pé inclusive no reggae em especial, e aqui apresenta um dos melhores solos de guitarra do Paulo Rafael e misturar frutas típicas na canção feita com Vicente Barreto e clássico da década de 1980 inesquecível pra muita gente, que puxa até multidões nas rodas de karaokê pelo Brasil afora em especial; na sequência temos mais outro hit deste disco que é Como Dois Animais, que simula cenas do carnaval destacando máscaras como a do "cão vagabundo" e da "onça pintada" fazem desta canção um passeio por este universo típico dos personagens e aventuras das festas de Olinda, com Leo Gandelman no sax fazendo uma canja especial na música; a outra faixa que tem um pouco de Pernambuco é Pelas Ruas Que Andei, onde o músico passa pelas ruas de Recife e que aqui não faz feio não, e os arranjos nos fazem cair no gingado à nordestina e ganha uma atenção dos nossos ouvidos por um instante bem necessário; abrindo o lado B do disco, temos Martelo Alagoano, que lembra um pouco a levada de Vou Danado Pra Catende, um hard rock bem "cabra da peste" mas sem perder todo o primor, lógico, mesmo que não seja um sucesso, ela faz a gente dançar freneticamente sem motivo; já o xote bem apegável Lava Mágoas, parceria com Dominguinhos, é aquela coisa bem chamegante, fácil de dançar coladinho num forrozinho da vida e deixa rolando de vez aqui, sem muita firula e enrolação; a faixa que vem na sequência é Cavalo de Pau, outra pérola poética deste disco devido aos versos "De puro éter assoprava o vento, formando ondas pelo milharal..." e uma pegada mais profunda nos arranjos, o baixo aqui soa mais grooveado e melódico, mas dá pra entender bem o que a música está a nos apresentar aqui; o disco fecha com batuques à nordestina na faixa Maracatu, que têm como base poética mais outro poema de Ascenso Ferreira, e que fecha de vez este disco, que tornou-se peça-chave para gente como Lenine, Chico Science, Otto e também gente como o pessoal não somente do mangue beat mas da cena atual do rock brasileiro que tenta unir um pouco essa linguagem mais MPB pros seus discos e canções, e Alceu fica grato pelo grande papel que Cavalo de Pau têm tido de importante para a música brasileira contemporânea e para o rock brasileiro dos anos 80 em especial.
Set do disco:
1 - Rima Com Rima (Alceu Valença)
2 - Tropicana (Morena Tropicana) (Alceu Valença/Vicente Barreto)
3 - Como Dois Animais (Alceu Valença)
4 - Pelas Ruas Que Andei (Alceu Valença/Vicente Barreto)
5 - Martelo Alagoano (Alceu Valença)
6 - Lava Mágoas (Alceu Valença/Dominguinhos)
7 - Cavalo de Pau (Alceu Valença)
8 - Maracatu (Alceu Valença/Ascenso Ferreira)

Comentários

Postar um comentário

Por favor, defenda seu ponto de vista com educação e não use termos ofensivos. Comentários com palavras de baixo calão serão devidamente retirados.

Mais vistos no blog