Um disco indispensável: Talking Book - Stevie Wonder (Tamla/Motown, 1972)

Talvez não tivesse sido lançado na época Music of My Mind em março de 1972 os discos seguintes do soulman Stevie Wonder não tivessem uma definição própria ao decorrer dos anos 70, talvez nem Songs in the Key of Life tivessem existido ou inclusive o disco que sucedera este e seria o maior sucesso - comercial em específico da carreira do cego que encanta a todos até hoje. Com os 10 anos de carreira e mais de 25 sucessos nos primeiros anos de carreira, os quais se destacam I Was Made to Love Her, My Cherie Amour e For Once in My Life, o músico conseguira se reerguer com o disco que trouxera uma linguagem muito diferente e a Motown aprovara aquilo que fora feito com Music of My Mind, onde ele tocava todos os instrumentos, conseguia conceber uma série de canções totalmente funky, cheia de sintetizadores e isso graças a duas pessoas que o ajudaram nesse processo todo: estes eram Malcolm Cecil e Robert Margouleff - a dupla de produtores, engenheiros e programadores de sintetizadores responsáveis por ajudá-lo a fazer com que seus discos tivessem muitos sintetizadores como Arp, Moog, Hohner entre outros dando assim mais tonalidade ao som que Stevie queria construir naquela época. Pois bem, foi só preciso que o músico acabasse sendo bem recebido pelo seu primeiro disco desta nova fase - por crítica e público que ele voltasse aos estúdios com a dupla Cecil & Margouleff para que eles fizessem um disco que seguisse a linha do anterior e assim nasceu Talking Book, surgida com algumas canções que falavam sobre amor de uma forma bem intimista do que nunca, já que Wonder estava saindo de uma relação com Syreeta Wright, que durou alguns anos mas que rendeu algumas parcerias que começaram lá em Signed, Sealed & Delivered (1970) e também em Where I'm Coming From (1971), o disco em que ele já assinava a total produção de seus discos, e já começando essa nova fase que o vangloriou na década. Na época, bem antes do Talking Book, seu colega de selo Marvin Gaye tinha começado a superar a perda da parceira Tami Terrell, lançou um disco que mudaria o paradigma de seus álbuns na gravadora e este era What's Going On, onde ele decidiu romper os padrões e falar também sobre desamores, as crianças e a ecologia - tema pouco debatido naquela época. Se o próprio Gaye conseguiu isso, por quê Stevie não podia fazer algo diferente também? Logo neste marcaria uma nova fase de hits e que trouxera na sequência outros três discos best-seller na década, como Innervisions (1973), Fulfillingness' First Finale (1974) e o já citado e sempre lembrado Songs in the Key of Life (1976), o ponto máximo dessa sua fase artística que influenciaria uma linguagem nova e moderna no soul/R&B e na música pop em especial, formando uma escola para gente como Prince, Beyoncé, Banda Black Rio entre outros tantos discípulos do cego mais amado da música.
O músico sempre bem acompanhado de teclados e sintetizadores em 1984,
na época em que fez a trilha sonora do filme "A Dama de Vermelho", que
rendeu um Oscar de Melhor Canção Original por "I Just Called to Say I Love You".
(Divulgação/Motown Records)
O álbum começa com um groove mais delicado, com acordes baixo bem apegáveis executados por Scott Edwards e um piano Fender Rhodes nos orientando o rumo que esse disco nos leva, e é logo com You Are the Sunshine of My Life, que começa com a voz de Jim Gilstrap e depois o segundo verso fica com Lani Groves e só no refrão que temos Stevie dando o verdadeiro mas sem perder o primor de sempre; já na faixa Maybe Your Baby não faz feio de jeito nenhum, garantindo assim uma boa viagem sonora, e aqui com um baixo Moog que parece dar mais alto astral e que conta também com Ray Parker Jr., o futuro autor da trilha sonora do filme Os Caça-Fantasmas já 12 anos mais tarde, tocando guitarra e soa diferente do que uma baladinha qualquer; no lugar de uma orquestra real, você tem em You and I (We Can Conquer The World) um monte de sintetizadores criando um som de orquestração, nessa e em outras faixas onde só mr. Wonder realiza suas peças musicais deste disco; na sequência, com a faixa Tuesday Heartbreak, um soul bem dançante e uma espécie de relato sobre uma terça-feira sem a pessoa amada e que sente saudades depois do término de um romance/namoro/casamento que bateu fundo no coração da pessoa - algo bem sofrência até pra nós; a introdução com baixo sintetizante em You've Got It Bad Girl nos mostra mais um momento de refletir quando se está com o tipo de pessoa errada, parece que aqui o relacionamento abusivo é muito notado nos versos; mais em diante, o tema de destaque deste disco, é só a bateria marcar o ritmo que ouvimos Superstition nos fazer partir pra pista de dança, uma música sensacional que tem Jeff Beck na guitarra fazendo uma canja especial com o soulman, e antecipando o que viria mais em diante, a onda discothèque é lógico e sendo um dos hits da carreira do músico que nunca deixou de ser tocada nas rádios e shows mundo afora até hoje; a faixa que vem a seguir, tem influência do livro 1984, de George Orwell e que carrega o nome de Big Brother que é nada mais que um jogo de críticas ao governo Nixon e também um manifesto contra a violência "You've killed all our leaders, I don't even have to do nothin' to you/You'll cause your own country to fall" (Você matou nossos líderes, não tenho nada de fazer para você/Você vai fazer nosso país ruir" e ainda no momento em que o próprio Wonder transforma sua gaita em máquina de melodias que nos deixam mais encantados ainda; enquanto isso, o sentimentalismo em Blame It on the Sun ganha tons mais sofisticados nos arranjos, e a letra feita com a ex Syreeta é algo impressionante, um relato sobre a falta do amor que partiu e deixou saudades e fica uma sensação de desconforto quando se entende a letra e se pega numa realidade bem característica quando se termina uma relação; mais outra dose de sentimentalismo neste disco e é em Lookin' for Another Pure Love, uma visão sobre outro tipo de amor e aqui com Buzz Feiten e mais uma vez, o próprio Jeff Beck caprichando nos acordes de guitarra que enfeitam essa música maravilhosa de vez; o disco encerra de vez com I Believe (When I Fall in Love It Will Be Forever) uma balada que mostra todo o potencial de um só cara tocando os instrumentos e criando todos os vocais, mostrando de vez o verdadeiro papel de Talking Book para a música não só dos anos 70 mas para a música também nos dias de hoje, com a forma que o pop se sentiu totalmente influenciado por esta fase grandiosa da carreira daquele que antes era o simples garoto Stevland que o mundo viu crescer e ver ele acontecer total no mundo até hoje.
O disco traz um conteúdo interessante na capa, na qual Stevie dispensa os óculos e ele está de olhos totalmente fechados com as famosas tranças, que só viriam a ser marcas registradas de seu visual a partir do fim dos anos 1970, além joias indianas e uma manta afegã de veludo e nas edições originais em vinil havia uma mensagem em braile estampada na capa que não foi transcrevida nas posteriores até a reedição de 2000 onde se lê, aqui numa tradução livre "Aqui está a minha música. Isso é tudo o que eu posso dizer como me sinto. Saber que o seu amor faz o meu amor ficar forte." e pelo jeito muitos captaram bem a mensagem que ele quis dar nesse disco. Estando em várias listas sobre os discos mais importantes do R&B e também dos melhores discos dos anos 70 e pra provar o quão Talking Book é indispensável na música, o disco também aparece na lista dos 500 Maiores Álbuns de Todos os Tempos da revista Rolling Stone, na 90ª posição, junto de mais outros quatro discos seus e também foi lembrado na lista dos 1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer, organizado pelo jornalista Robert Dimery entre outras tantas listas que a gente puder imaginar em mente, e mostrou que fazer discos como este são a prova de que sua música conseguiria ficar mais universal do que nunca.
Set do disco:
1 - You Are the Sunshine of My Life (Stevie Wonder)
2 - Maybe Your Baby (Stevie Wonder)
3 - You and I (We Can Conquer The World) (Stevie Wonder)
4 - Tuesday Heartbreak (Stevie Wonder)
5 - You've Got It Bad Girl (Stevie Wonder)
6 - Superstition (Stevie Wonder)
7 - Big Brother (Stevie Wonder)
8 - Blame It on the Sun (Stevie Wonder/Syreeta Wright)
9 - Lookin' for Another Pure Love (Stevie Wonder/Syreeta Wright)
10 - I Believe (When I Fall in Love It Will Be Forever) (Stevie Wonder/Yvonne Wright)

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