Um disco indispensável: Amor Geral - Fernanda Abreu (Garota Sangue Bom/Sony Music, 2016)

A carioca da gema, cantora, compositora, escritora, produtora e vascaína roxa Fernanda Abreu, nascida em 8 de setembro de 1961 merece todos os seus méritos na história da música popular brasileira contemporânea: não só pelo seu papel na Blitz ao decorrer dos anos 80, é a pioneira por expandir o funk no País, fazendo com que nomes conhecidos deixassem de figurar apenas em palcos dos morros cariocas e da Furacão 2000 saltassem para casas como o Canecão e Metropolitan no Rio e no Olympia e Palce, em São Paulo e sendo uma das musas dos anos 90, tendo um estilo próprio, se tornou também um exemplo para que as futuras Anitta, Ludmilla, Lexa entre outras vissem nela um jeito de tornar o funk algo mas pop e moderno. No decorrer dos anos 90, com a carreira solo em alta e quatro discos lançados, as paradas sempre tinham mais do que duas canções dela tocando, programas de tevê estampavam seu rosto e seus clipes na MTV eram os mais assistidos da época, ou seja: não é à toa que ela trouxe ao pop uma linguagem bem brasileira e própria para a música popular brasileira contemporânea, sem sombra de dúvidas. Enfim, nos dois discos da década seguinte, ainda tínhamos essa essência de sempre dela: em Entidade Urbana (2000) as cidades eram retratadas, todo o conceito sobre a vida urbana, os momentos de correria de um lado pro outro, num suingue sangue bom que só Fernanda tem, e até o disco seguinte, Na Paz (2004) o clima era bem mais brasileiro, recheado de influências do samba, algo bem original. Até aqui, achávamos que a discografia dela tinha parado, com exceção para o MTV Ao Vivo, de 2006 onde reviveu seus mais de 15 anos de carreira solo até então, mas mesmo assim seguiu ativa fazendo shows e aparecendo na mídia e participando de outros projetos. Nos anos que se perduraram até o último disco de estúdio, a cantora alcançara o nível de cinquentona do pop e da MPB, estava saindo de um casamento de 27 anos com Luiz Stein, artista gráfico, criador visual e responsável pelos designs dos shows e álbuns da cantora, e um rumo que mudaria a sua vida manteve-a mais com vontade de colocar coisas novas para cantar em um breve trabalho. E o silêncio foi quebrado com um novo parceiro, musical e amoroso, o baterista e produtor Tuto Ferraz, responsável por boa parte da produção e das letras do oitavo álbum de carreira, intitulado Amor Geral, lançado pela produtora Garota Sangue Bom, com distribuição da Sony Music e que carrega na capa uma mão cheia de textos que cobre a boca de Fernandinha, os cliques são de Gui Paganini e o projeto gráfico é de Giovanni Bianco, da GB65, que já havia trabalhado com Madonna em seu último álbum intitulado Rebel Heart (2015) e mostra uma Fernanda mais de volta à fase que a aclamou em Sla Radical Dance Disco Club (1990), Sla 2 Be Sample (1992) e Da Lata (1995), com muitos samplers, efeitos e batidões que não fazem ninguém ficar parado nas pistas de dança da vida, aonde podemos juntar todas as entidades urbanas que vocês possam imaginar.
Fernanda e seu estilo simples espalhando "Amor Geral" no seu primeiro
disco inédito em 12 anos, foto de Gui Paganini e arte de GB65
A faixa que abre o disco já é um lacre nos nossos ouvidos, e é isso que podemos escutar em Outro Sim, uma mensagem positiva que acaba se tornando um batidão de respeito com versos geniais como "Sempre haverá outro dia ensolarado e outra noite vadia..." recheado de subgraves, beats, vocoders e AutoTune nesse hino-manifesto que ganha potência logo no primeiro minuto da faixa; em seguida o baile ganha mais cores quando o lendário Afrika Bambataa chega abalando total as estruturas em Tambor, uma letra que fala sobre a importância da percussão no enredo, no terreiro e no batidão, levando várias multidões pra cair no batuque e agradando gregos e troianos de cara; e com Deliciosamente, o clima fica pop retrô, fazendo a gente ter um acesso de nostalgia da era dourada da disco music sem parecer um pouco forçado nem um pouco chato demais, dando um gosto bem animado para esse disco; logo em seguida, temos Saber Chegar onde a lógica sobre imprevisibilidade e sobre a falta de controle quando o assunto é o amor - e isso se nota muito nas outras faixas, além desta feita em parceria com Donatinho, grande destaque para o repertório do seu trabalho; e a inspiração para canções feitas em momentos difíceis fazem surgir do nada pérolas como Antídoto, onde a cantora pede um que possa curar a tristeza, um pedido para sair do desconforto emocional, numa batida bem suave que deixa o clima mais profundo e misterioso, mas bem aproveitável demais; há um pouco de retratação do antigo amor na faixa O Que Ficou, feita para o ex-marido, que também é pai de Sofia e Alice, frutos do casal e o tom reflexivo dá um ar mais surpreso até quando se ouve a faixa, mas não deixa faltar o primor que carrega este álbum; e os velhos parceiros de sempre aparecem aqui em Double Love Amor em Dose Dupla, composta por Fausto Fawcett e Carlos Laufer, contribuidores de longa data dos trabalhos da Garota Sangue Bom, conseguem ajudar a manter a pegada e os batidões parecem que foram feitos pra arrebentar os paredões de verdade e fácil de seguir o ritmo completamente; o lado mais saudosista dos sintetizadores aparecem aqui em Por Quem, cheia de versos bem compreendíveis "Computar a dor, é dureza..." e uma levada bem funky, trazendo mais cores para a música, primorosamente genial e com o companheiro Tuto Ferraz aqui caprichando nas batidas da canção; temos ainda um pouco de sofisticação em Valsa do Desejo, com tons bucólicos e mais clássicos, o destaque fica por conta da orquestração de cordas dando um ar bem mais jobinesco, preservando todo esse ar puro que se respira na música; a peça final deste quebra-cabeça é o Amor Geral, com um ambiente sonoro meio trip hop, meio acid jazz com tons pop, mas também mantendo a pegada de samba onipresente em todos os seus discos, deixando esse disco cheio de Amor Geral espalhado em diante. Sendo assim, passados 12 anos sem material inédito,a a Garota Sangue Bom pôde passar os últimos três anos fazendo o disco que mostra um momento mais realista da sua vida, bem autobiográfico e que consegue deixar a originalidade do som dela.
Set do disco:
1 - Outro Sim (Fernanda Abreu/Jovi Joviniano/Gabriel Moura)
2 - Tambor (Fernanda Abreu/Jovi Joviniano/Gabriel Moura)
3 - Deliciosamente (Fernanda Abreu/Alexandre Vaz/Jorge Aílton)
4 - Saber Chegar (Fernanda Abreu/Donatinho/Tibless/Play)
5 - Antídoto (Fernanda Abreu)
6 - O Que Ficou (Fernanda Abreu/Thiago Silva/Qinho)
7 - Double Love Amor em Dose Dupla (Fausto Fawcett/Laufer)
8 - Por Quem (Fernanda Abreu/Qinho)
9 - Valsa do Desejo (Fernanda Abreu/Tuto Ferraz)
10 - Amor Geral (Fernanda Abreu/Fausto Fawcett/Pedro Bernardes)

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