Um disco indispensável: Blonde On Blonde - Bob Dylan (Columbia Records,1966)

Depois de ter conquistado o mundo com respostas sopradas pelo vento e falar sobre os mestres da guerra, de ser chamado "o legado vivo de Woody Guthrie" e de ter eletrificado o folk, deixando o público do festival de Newport enlouquecido e irritado com o que fizera, colocado uma guitarra em punho, o jovem Bob Dylan não parou por aqui. Lançou dois discos que obtiveram uma repercussão imensa, o primeiro foi Bring it All Back Home, lançado no dia 22 de março de 1965 e cinco meses depois, no da 30 de agosto era Highway 61 Revisted que dava as cartas, ambos formam a trilogia elétrica do cantor de Duluth, Minbesota e que vivia num momento em que ele não estava sendo bem entendido pela crítica e pelo público, vaiado e desrespeitado por onde passava e isso acabou o deixando meio que atormentado. Porém, ele seguia a se manter disposto a encarar qualquer desafio que viesse pela frente, apesar dos clamores de que ele teria traído o movimento folk, ficou claro de que ele estava dando uma linguagem muito mais diferente do que se conhece. E a forma que a música estava ganhando passos mais rápidos que um Papa-Léguas ou um atleta queniano, ganhava ares mais coloridos, o beat ganhava um tom mais distorcido e a maconha não era a única droga que muitos consumiam, o LSD era uma droga que deixava a pessoa viajar total e foi a mais consumida na chamada era psicodélica, ou também Era de Aquário pairava naqueles dourados anos 60, e foi também quando houve a onda de protestos contra a Guerra do Vietnã em todo o território estadunidense, que começou no final dos anos 50 e foi até meados dos anos 70, quando com o fim do governo Nixon, essa guerra já teria terminado. Festivais como o lendário Monterey Pop na cidade californiana de Monterey, o clássico Woodstock, na cidade de Bethel, no estado de New York  e também a Ilha de Wight, que é logo na ilha do mesmo nome, só que na inglaterra, trouxe o fervor da cena musical e a liberdade sexual, propagando mantras da geração como "paz e amor", "faça amor, não faça a guerra" botaram muita gente num momento em que o bacana era curtir a vida numa boa, sem regras e sem destino, o que acabou gerando grandes aventuras para quem viveu aqueles tempos de busca por liberdade de expressão, e a mesma geração jovem de hoje se inspira nos ideais daquela época, mas hoje os temas são mais aberto do que há mais de cinquenta anos atrás, lógico. O sucessor de Highway 61 Revisted e que encerra a chamada trilogia elétrica do poeta, teve um ano para ser concebido, e só no final de 1965, em meio a todo o caos que ele tinha pasado, ele decidira juntar aos poucos e definir o repertório de vez para o que seria um dos primeiros álbuns duplos da história da música e também o que fecha um ciclo de sua carreira.
"Quem disse que eu não podia fazer disco duplo???"
O título deste próximo trabalho, o sétimo álbum de estúdio e também de carreira, seria originalmente uma das faixas do disco: I Want You (eu quero você - tradução livre), mas no decorrer das sessões, o cantor escolheu como o título deste seu sétimo trabalho de Blonde on Blonde, que teve a produção assinada pelo mesmo produtor do álbum anterior, o lendário Bob Johnston (1932-2015), que foi também um dos cabeças do núcleo de Nashville da Columbia Records, trabalhando também com Johnny Cash, Simon & Garfunkel e também com Leonard Cohen e produziu materiais de Bob até o disco de 1973, intitulado Dylan, mas aí já é outra história. A onda de gravações começou originalmente antes do Natal de 1965 e se estenderam até o inverno americano de 1966, iniciadas nos estúdios da Columbia Records em New York em meio a um estirão de 11 horas de gravação que não rendeu em absolutamente nada e foi preciso que Bob Johnston tivesse orientado de que fossem para Nashville que o trabalho começaria a ganhar corpo, e Dylan teve o acompanhamento de ótimos músicos como o organista Al Kooper, o guitarrista Robbie Robertson, seguidos de Kenneth Buttrey na bateria, o pianista Hargus "Pig" Robbins, o baixista Rick Danko que também tocava violino, além de Richard Manuel na bateria e teclados, o multiinstrumentista Charlie McCoy tocando trompete, gaita, baixo e gutarra além de Garth Hudson nos teclados e saxofones. A maioria dos integrantes que acompanhavam Dylan nas sessões eram membros da futura The Band, como Manuel, Robertson, Danko e Hudson, mas que na época eram conhecido como The Hawks e todos eles vindo de terras canadenses. Foi lá em Nashville que o cantor e compositor conseguira buscar a tranquilidade também, lógico, tendo Johnston como o cara que estava com sua sede instalada por lá, eis que das gravações realizadas ao longo desse período boa parte das 14 faixas que complementam este disco ganharam tons mais agradáveis e que ganharam um pouco de surrealismo selvagem e fizeram de Blonde on Blonde o mais genial de todos os discos feitos pelo cantor, seguidos dos posteriores Blood on the Tracks (1975), Desire (1976), Nashville Skyline (1969) e os mais atuais como Time Out of Mind (1997) e também Modern Times, lançado há dez anos atrás. O LP, lançado em 16 de maio de 1966 acabou virando também influência para alguns compositores da época, sendo também guia principal para o disco Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, de uma banda formada por quatro caras de Liverpool que você já deve ter ouvido falar. Claro que o peso sonoro dos dois discos anteriores mantêm-se aqui também, mas sem tropeçar demais e trouxe um pouco mais de polêmicas do que se imagina, quer saber mais? Então, leia e ouça para entender.
A foto da capa versão mais inteira
(Divulgação/Columbia Records)
O álbum começa com uma faixa considerada polêmica (mais polêmica do que mamilos), chamada Rainy Day Women # 12 & 35, que começa com uma levada de banda de jazz ou algo mais puxado pras fanfarras também, um arranjo bem original, mas a polêmica aqui nesta canção, que fora banida das rádios na época foi por causa de ter várias referências sobre drogas, segundo uma declaração da época "get stoned" era ficar chapado, drogado e "rainy day woman" na linguagem dos consumidores seria maconha, e Dylan declarou que nunca faria uma canção sobre drogas colocando assim um fim na história toda; na faixa seguinte, intitulada Pledging My Time é um blues suave e lento, com toques bem sofisticados que dão uma sensação mais profunda do que se imagina; na sequência, a faixa Visions of Johanna, carregada de rimas e também destacando aqui o órgão de Al Kooper que faz um papel ótimo de enfeitar a canção com harmonias que combinem com a pegada de baladinha beat, em mais de 7 minutos e trinta segundos de um relato onde a pessoa busque alcançar um mundo onde as visões de Johanna possam ser completamente reais para o eu-lírico da canção; já em One of Us Must Know (Sooner or Later), aqui a história de um homem e uma mulher discutindo sobre a intimidade como se nada estivesse fácil para o casal, aqui a base consegue fazer com que Dylan nunca perca ritmo - o que é considerado raro até; na faixa seguinte, intitulada I Want You - que por pouco, virou o nome do disco - e a levada meio country deixa a gente pegar carona nesse hit do poeta de Duluth, que se destaca muito e o verso "True love they've been without it" deixa a prova de que Dylan sabe o que está falando na música, óbvio; na próxima faixa, Stuck Inside of Mobile With Memphis Blues Again, ou simplesmente Memphis Blues Again, o papo é a doença nacional de uma sociedade móvel, solitária e perdida e os vocais de blues arrastados fazem a pegada se manter ao longo da canção, e com um destaque para o solo de gaita dessa canção e a guitarra dá uma pegada mais ácida que fica por destaque aqui; adiante, podemos ter aqui Leopard Skin Pill-Box Hat, outro blues bem pesado acaba fazendo o papel de mostrar como Dylan ironiza a sociedade de consumo e os gostos por parte de uma manipulação bem externa, no melhor estilo crítico e cômico do poeta que se pode imaginar; se falar sobre as desilusões com relacionamentos sempre foi comum nas canções, isso porque você não ouviu ainda Just Like a Woman, onde o cantor faz o seu papel sobre colocar um catálogo de difamações sexistas mais completos e faz do tradicional chavão masculino, que causa um certo desgosto para as mulheres, mas aqui Dylan tenta brincar com elas; se a pegada musical se mantêm toda na linha, é porque você não prestou bem atenção na cozinha sonora de Most Likely You Go Your Way (And I'll Go Mine) onde a bateria numa levada bem marcial acaba dando a essa canção um ritmo mais acelerado e o estilo mais pra cima é o que se destaca, de uma forma que contagia os ouvidos de vez; nomes populares da mitologia aparecem no decorrer das canções do disco, e é esse o caso de Temporary Like Achiles, onde o Aquiles da canção do bardo judeu de Minnesota canta sobre o cara que perde a mulher para um guarda com o nome, logo de Aquiles e a levada blues de bar de New Orleans é o que faz toda a diferença, um arranjo que faz a gente se sentir naqueles filmes do Velho Oeste ou numa época mais do início do século XX sem sombra de dúvidas; outro dos tantos personagens presentes nesse disco é a Sweet Marie,que ganha aqui a sua história em Absolutely Sweet Marie, com um clima sonoro bem The Band, com quatro refrões em seus quase cinco minutos de música; e já em 4th Time Around, a voz do poeta de Duluth soa como a de um bluesman velho e cansado com uma guitarra que lembra a sonoridade Tex-Mex que parecem ser influentes da atmosfera sonora mexicana ganham um destaque especial de você ouvinte/leitor, preste atenção também no contexto da letra; e os ares de música R&B aparecem fortes em Obviously 5 Believers, introduzindo a gente para um universo muito além, com destaque para Charlie McCoy na gaita e de atmosfera honkey-tonk que agrada a todos aqui; o disco só encerra com Sad-Eyed Lady of Lowlands, uma música feita em uma única tomada às qiatro da manhã depois de oito horas incansáveis de trabalho, com 11 minutos, parece ser uma canção inspirado na sua esposa Sara Lowndes, com quem havia se casado no fim do ano anterior, e dá pra entender que é sobre ela que Bob canta ao longo dos onze minutos de música, a amada com quem Dylan tivera filhos e anos felizes até se separarem e dessa separação um disco grandioso na carreira do artista, mas aí já é outra história.
O resultado, apesar de ter sido um sinal de que a fase elétrica havia se desgastado, acabou convertendo o disco em um dos melhores trabalhos daquele ano, apesar de ter sofrido com a pressão da mídia e do público e nisso, sofrido um acidente mais adiante de motocicleta (o que rendeu boatos iguais aos de Paul McCartney), mantendo-o recluso por um bom tempo, se recuperando e tudo, mas depois voltaria com John Wesley Harding no final de 1967, iniciando mais outra fase sua, que o aproximasse do country sem tentar copiar o estilo de Glen Campbell que estava na moda, mas indo mais para o lado de Johnny Cash e que duraria alguns discos, até 1973. Durante esse período, ele esteve acompanhado da The Band, parceiros por quase dez anos, sempre os acompanhando nos shows. Esse disco, pode ter certeza que também está em qualquer lista de discos, desde os maiores discos duplos da história da música até na famosinha lista da revista Rolling Stone dos 500 melhores álbuns de todos os tempos, ocupando nesta a 8ª posição, mostrando que esse disco merece ser notado por todos que divulgam e enaltecem o velho Zimmerman e o folk em geral.
Set do disco:
1 - Rainy Day Women # 12 & 35 (Bob Dylan)
2 - Pledging My Time (Bob Dylan)
3 - Visions of Johanna (Bob Dylan)
4 - One of Us Must Know (Sooner or Later) (Bob Dylan)
5 - I Want You (Bob Dylan)
6 - Stuck Inside of Mobile With Memphis Blues Again (Bob Dylan)
7 - Leopard Skin Pill-Box Hat (Bob Dylan)
8 - Just Like a Woman (Bob Dylan)
9 - Most Likely You Go Your Way (And I'll Go Mine) (Bob Dylan)
10 - Temporary Like Achiles (Bob Dylan)
11 - Absolutely Sweet Marie (Bob Dylan)
12 - 4th Time Around (Bob Dylan)
13 - Obviously 5 Believers (Bob Dylan)
14 - Sad-Eyed Lady of Lowlands (Bob Dylan)

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