Um disco indispensável: Secos & Molhados - Secos & Molhados (Continental, 1973)

Em 1973, a música popular brasileira ganhava novas caras e novos talentos que se imortalizariam na história, sendo o verdadeiro ano de grandes descobertas numa geração que já aclamou antes os grandes Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque, Milton Nascimento, Jorge Ben, Martinho da Vila e até mesmo Roberto Carlos e Erasmo Carlos, além das grandiosas cantoras como Elis Regina, Gal Costa, Maria Bethânia, Nara Leão, Clara Nunes, Rita Lee e que agora acabaria ganhando novas forças naquele ano que os militares quase acabaram com a nossa MPB e dentre elas, um grupo que lembravam pelas maquiagens personagens de circo, ora de teatro e cujo vocalista tinha um jeito impressionante de se sacudir e mexer o corpo e que inovou a presença de palco, além de um português como o principal “cabeça” do grupo e mais outro entusiasta da poesia, músico e também compositor: esses eram Ney Matogrosso, João Ricardo e Gérson Conrad, ou melhor, Secos & Molhados, donos de um imenso sucesso promovido pelos próprios em 1973 e 1974 e que neste último ano, devido a brigas e diferenças, acabaram se separando.Tudo começou mais ou menos por volta de 1971, quando João Ricardo, filho do poeta João Apolinário estava concebendo um show, dali se juntou com mais outra amiga que viria a ser Luli, compositora e colaboradora, concebendo a ideia de um espetáculo que seria realizado no Teatro Ruth Escobar e foi a própria que escolheu a ideia da maquiagem, o que viria a ser o forte não só para o grupo mas também na figura andrógina de Ney em palco e não bastou o sucesso para que em 1972, um empresário chamado Moracy do Val apostasse no conjunto que tinha uma imagem ligada ao glam-rock, diferente do que David Bowie (falecido recentemente) fazia como Ziggy Stardust e Marc Bolan no T. Rex, o trio fazia música com uma linguagem poética bem mais sotisficada e inspirada também no folk e na sonoridade roqueira, além da imagem teatral que eles tinham no figurino e no palco. Quem também apostou neles foi a Continental, a gravadora que tinha em seu cast grupos de samba, artistas nordestinos, do sertanejo e alguns cantores de MPB e conjuntos musicais de rock até aquele ano, foi o disco mais vendido da gravadora e superaram mesmo até o tradicional disco lançado nos finais de ano de Roberto Carlos em vendas. Com fortes influências poética-musicais e não é à toa que eles tiveram o ex-Beat Boys, Marcelo Frias como baterista e que ainda aparece na capa, atrás de João Ricardo e ao lado de Gérson Conrad, mas que foi por causa da gravadora o “quarteto” visto na capa e contracapa do LP.

Lançado em agosto de 1973, o disco que simplesmente levava o nome do grupo acabou sendo muito mais do que um simples trabalho, veio a ser o disco que avalancou a carreira não só do grupo, mas de Ney que viria a fazer carreira solo no ano seguinte após o fim da banda, é a consagração definitiva de um dos conjuntos que revolucionou a Música Popular Brasileira e o nosso rock nos anos 70, soando como um fenômeno pop naqueles tempos e sendo um dos 100 Maiores Discos da Música Popular Brasileira, estando no 5º lugar nesta lista da Rolling Stone e também na 97ª posição de uma lista da revista Al Borde com “Los 250 Essential Albums of All Time Latin Alternative Iberoamerican Rock” recentemente mostrando ter também um papel maior fora do nosso país. O disco começa com uma pegada suave, um som de baixo bem vibrante fazem nos entrar ao universo sonoro deste disco com a música Sangue Latino, aonde Ney entoa “Jurei mentiras e sigo sozinho/Assumo os pecados”, como se fosse o hino de resistência em tempos de ditadura conciliando o engajamento estético da década de 1960 com o clichê dos hits internacionais da época; na sequência uma pegada pop rocker da época com uma influência de música portuguesa mostram a potência de O Vira, misturando o nosso folclore brasileiro  com a tradição musical lusitana tendo uma transição de sonoridade: de um pop rock para algo mais de raiz, resultando-se numa ótima canção que se destaca no disco e na nossa MPB em geral; em seguida surge O Patrão Nosso de Cada Dia, tendo apenas violão e flauta servindo como base sonora principal seguido de sinos embalando e com Ney ainda a soltar sua voz para uma canção célebre e poética, sem mais a dizer; já em Amor, temos folk-rock e muita psicodelia na base musical além dos versos de João Apolinário “Simples e suave coisa, suave coisa miúda que em mim amadurece” seguido de um solo de gaita e muitos tchururus pra complementar a canção; enquanto isso em Primavera nos Dentes,aqui temos aqui um blues de versos perfeitíssimos com os Ney mais João e Gérson cantando de forma aveludadas e melódicas até que Ney distorce tudo e rasga um grito seguido de um solo de guitarra que continua até a faixa acabar de cara soando épico; logo de cara, temos Assim Assado, um dos melhores temas deste disco, com uma pegada que no início carrega um quê de MPB mais latina e que ao termos um solo de guitarra que invade tudo e deixa uma levada rocker acontecer, mas ainda que traga uma história de versos cinematográficos sobre um sujeito que procura a cor “assim” e o Guarda Belo (quem assistia ao desenho animado Manda Chuva vai entender a referência) que não acreditava na tal cor “assim”, simplesmente demais a letra e a canção em geral; logo de cara, somos surpreendidos por outro tiro nos nossos ouvidos que é Mulher Barriguda, uma faixa totalmente pesada pelo som, com um quê de pop rock total com questões socias discutidas naqueles tempos de governo dos militares; a partir daí, uma sequência de canções curtas e totalmente rápidas, começando por El Rey, mais acústico e mais rápido com uma levada quase de violão flamenco e uma versos maravilhosos, assim como Rosa de Hiroshima que traz o poema de Vinícius de Moraes musicado por Gérson Conrad que com a voz de Ney ganha um tom de clássico e imortalizando ainda mais o legado do grupo na MPB assim; já a pop Prece Cósmica, com sua pegada folk-pop da época e desejando em versos “que o vinho quente do coração lhes suba a cabeça espessa” num tom suave pelos vocais não passa batido pelos nossos ouvidos; já outro poema musicado presente neste disco é Rondo do Capitão, de Manuel Bandeira apenas a mesma pegada acústica suavizante e com pouco tempo de duração, assim como As Andorinhas aonde cada verso de Cassiano Ricardo musicados pelo próprio João Ricardo sejam entoados de uma forma lenta, com um piano que deixa a música morrendo ali de vez; o disco encerra com Fala, de pegada baladista e tendo os arranjos de Zé Rodrix (que formava um trio com Sá & Guarabyra naqueles tempos) nos pianos, ocarina e sintetizadores, nos toca de uma forma tão forte e que nos faz sentir um gostinho de “quero mais” após ouvirmos pela primeira vez.
O disco aconteceu, foram consagrados como um dos pioneiros do glam e glitter e vendendo como água de forma instantânea, em meio aos anos de chumbo e a represália militar e que brevemente os levaram a lotar o ginásio do Maracanãzinho meses depois em fevereiro de 1974, sendo recorde de público. Pena que após João decidir que tomaria controle autoral e financeiro do grupo enquanto o grupo voltava de uma turnê fora do país, Ney não aceitou a proposta do colega e eis que no meio do lançamento do segundo e último disco com aquela formação, anunciara a sua separação após lançarem o clipe de uma das músicas daquele álbum pelo Fantástico. O final todo mundo sabe: Ney partiu para sua carreira solo que o consagrou mais ainda na história da MPB, João Ricardo também, embora sem muito êxito, assim como Gérson que até já teve alguns projetos repercutidos. Em 1978, João tentou reerguer o grupo na época pela gravadora Philips sem muita repercussão, afinal, o Secos & Molhados só com João Ricardo e sem a presença de Ney Matogrosso não soaria tão grandioso nem colheria tantos frutos, tão épico como foi durante aquele período de 1973. A capa fotografada por Antonio Carlos Rodrigues e design de Décio Duarte Ambrósio ocupa a 4ª posição da lista da revista BIZZ de 100 Maiores Capas de Disco da História, ficando na frente de (olhem essa!) Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (de quem?) e atrás somente de Verde Que Te Quero Rosa, do saudoso sambista Cartola, prova de que a imagem andrógina do grupo também teve um papel inovador nas capas de discos da nossa música tupiniquim.
Set do disco:
1 - Sangue Latino (João Ricardo/Paulinho Mendonça)
2 - O Vira (João Ricardo/Luli)
3 - O Patrão Nosso de Cada Dia (João Ricardo)
4 - Amor (João Ricardo/João Apolinário)
5 - Primavera nos Dentes (João Ricardo/João Apolinário)
6 - Assim Assado (João Ricardo)
7 - Mulher Barriguda (João Ricardo/Solano Trindade)
8 - El Rey (João Ricardo/Gérson Conrad)
9 - Rosa de Hiroshima (Gérson Conrad/Vinicius de Moraes)
10 - Prece Cósmica (João Ricardo/Cassiano Ricardo)
11 - Rondo do Capitão (João Ricardo/Manuel Bandeira)
12 - As Andorinhas (João Ricardo/Cassiano Ricardo)
13 - Fala (João Ricardo/Luli)

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