Um disco indispensável: Muitos Carnavais - Caetano Veloso (Philips/Phonogram, 1977)

Durante a década de 1970, ninguém tinha como parar o baiano e guru tropicalista Caetano Veloso, mas não tinha de jeito nenhum. Depois de lançar um disco sensacional chamado Transa, gravado no exílio em Londres e lançado já durante a sua volta e a de Gilberto Gil ao nosso país depois da prisão no Natal de 1968, ele seguiu a trabalhar incansavelmente, assim como foi nos primeiros anos de carreira. Em 1975, lançou na sequência dois álbuns: primeiramente veio o Jóia e em seguida Qualquer Coisa, um deles sendo considerados um dos mais experimentais e diferentes trabalhos do cantor e outro um pouco mais sotisficado, comercial e muita interpretação. No ano seguinte, o baiano seguiu em turnê ao lado de Gilberto Gil, Gal Costa e Maria Bethânia e cujo o show levou o nome de um disco duplo lançado pela própria Philips, intitulado Doces Bárbaros que recebeu aplausos de crítica e público por onde passaram. Mas, enquanto Caetano seguia a trabalhar em seu próximo disco, intitulado Bicho, ele via que o carnaval só estava meio monótono demais, pois desde o início da ditadura militar em que as marchinhas foram proibidas pela Censura uma vez que algumas tinham letras consideradas de baixo calão, apesar de serem extremamente divertidas e quando já havia se agrandado no Rio as escolas de samba estavam começando a dar mais espaço e os bailes de gala no Copacabana Palace eram para quem podia aproveitar mesmo pois lá havia o luxo. Caetano queria reacender a velha chama do carnaval e ressucitar mais ainda os trios elétricos, que no início da década de 1970 ficaram parados e só na segunda metade é que puderam voltar com tudo e a energia de Dodô & Osmar mais o bloco puxado pelos Novos Baianos puderam voltar a fazer a festa com os foliões em plena Praça Castro Alves na capital baiana e através de um material de cinco faixas ainda gravadas em Londres nos estúdios da Island Records, de Chris Blackwell, o baiano gravou uma espécie de EP temático antecipando sua volta ao Brasil, dentre estas faixas, a marchinha Chuva, Suor e Cerveja - uma adaptação da frase inglesa "blood, sweet and tears" (sangue, suor e lágrimas) e no final do ano, com o material lançado pela Phonogram como O Carnaval de Caetano, bem antes de Transa, que tinha outras pérolas novas como Barão Beleza, feita pelo saxofonista Tuzé de Abreu, Qual É, Baiana? e La Barca: ambas feitas em parceria com Moacyr Albuquerque, e por fim, Salto de Sapato "Pula Pula" feita por Jards Macalé e José Carlos Capinam, complementando o repertório do EP carnavalesco do baiano. Antes disso, ele já havia reverenciado os trios elétricos e os blocos de micareta no famoso álbum branco de 1969 com Atrás do Trio Elétrico, e três anos depois, lançou Um Frevo Novo, na coletânea Carnaval Chegou! com a produção de Gil e que havíamos falado lá nos primórdios do blog (confira a resenha neste link). A vontade de fazer um álbum carnavalesco era tão grande que depois de cinco anos, a Philips lhes deu o direito de fazer o seu próprio disco de carnaval enquanto estava ao mesmo tempo trabalhando em Bicho, seu próximo LP, teve Perinho Albuquerque na produção e algumas faixas inéditas feitas especialmente para este disco, intitulado Muitos Carnavais e também sendo uma espécie de "celebração" aos dez anos de Caetano na Philips, assim como os dez anos de Gil e Gal Costa, mas aí já é outra história.
Caetano em voga nos anos 70: disco carnavalesco quis trazer de volta o velho
estilo das marchinhas e ainda reverenciando o sambista baiano Batatinha
Lançado bem no início do ano e feito para animar os carnavais de todo o Brasil, Muitos Carnavais traz de vez a vontade de colocar o espírito festivo das ruas de Salvador, mas que parece ser bem mais uma coletânea pelo simples fato de trazer algumas gravações anteriores a 1977 (logo entende o porquê deste disco ter um repertório vastíssimo e com músicas feitas anteriormente) e pela originalidade na forma em que Caê resgatou do limbo a verdadeira face musical carnavalesca da Bahia. Começemos este disco através da faixa que leva o nome deste disco, na qual sopros já começam a nos trazer um ar mais nostálgico e um pedido "Vamos viver, vamos ser, vamos desentender, por que não? Carnavalizar a vida, coração" e sendo o cartão de visitas para a folia caetaneada neste álbum; em seguida, temos Chuva, Suor e Cerveja - lançada originalmente em 1971 e gravada em Londres após voltar de uma breve e rápida passagem pelo Brasil - trazendo aquela pegada toda de frevo, axé num clima meio frio, vamos dizer assim, e que esquenta durante toda a música, sendo uma das famosas canções carnavalescas que o baiano já gravou; já A Filha da Chiquita Bacana fala sobre uma mulher moderna, com ideias já avançadas "...entrei pro Women's Liberation Front" e fazendo jus ao espírito das festas de Momo, reverenciando a personagem baseada na marchinha de João "Braguinha" de Barro, feita há mais de 30 anos antes; a próxima marchinha é Deus e o Diabo, até que não faz feio mesmo, trazendo uma filosofia típica sobre as festas "O Carnaval é uma invenção do Diabo que Deus abençoou" e com direito à uma breve citação da marchinha Cidade Maravilhosa, composta por André Filho especialmente em homenagem ao Rio de Janeiro, durante os anos 1930 e aqui ganha uma boa versão; já em Piaba, aqui começa a pegar um embalo mais surf-rock pelo acorde de guitarra mas ainda têm o pique do começo do álbum e não faz muito feio não, pelo contrário, deixa a energia mais aproximada do público ainda; já em Hora da Razão, aqui é algo mais bossa nova nos arranjos porém ainda temos o primor e a originalidade em uma interpretação para uma música de Batatinha (1924-1997) deixando passar um clima meio morno no repertório; o gás do disco retorna com tudo em Atrás do Trio Elétrico, com solos de guitarra executados por Lanny Gordin e gravada em 1969 para o álbum branco e que iniciou a saga de captar essa pegada de frevos e marchinhas com um tom ácido pela levada até; já em seguida temos Um Frevo Novo, lançada em 1972 para a coletânea Carnaval Chegou! trazendo de volta as lembranças do menino de Sto. Amaro da Purificação quando ia se divertir nos foliões de Salvador em mais uma das suas melhores canções para carnaval já feitas; na sequência temos Cara a Cara, com pegada de frevo cheio de astral pra cima e que faz todo mundo voltar pro salão e dançar até gastar a sola do calçado nos bailes da festa de Momo, simplesmente rica e original em arranjos e versos; das gravações na Inglaterra em 1971, ainda temos La Barca como uma das peças fundamentais para essa compilação trazendo um pouco a saudade de Caetano que tinha das famosas barcas de Salvador e com um pique meio fraco durante a música, mas que vale a pena; já em Qual É, Baiana?, também de 1971 do compacto O Carnaval de Caetano traz uma pegada mais acústica, dispensando guitarra, sopros e bateria, quase passando batido mas não deixa de ser uma simples canção de carnaval que complementa o repertório deste disco; o final do disco é um sambinha ao violão chamado Guarde Seu Conselho, encerrando este maravilhoso álbum de Caetano Veloso unindo ainda mais o agito e o fervor do carnaval baiano ao público além do Rio de Janeiro e cheio de Muitos Carnavais a rolar as marchinhas e os frevos.
Set do disco:
1 - Muitos Carnavais (Caetano Veloso)
2 - Chuva, Suor e Cerveja (Rain, Sweet and Beer) (Caetano Veloso)
3 - A Filha da Chiquita Bacana (Caetano Veloso)
4 - Deus e o Diabo (Caetano Veloso)
5 - Piaba (Caetano Veloso)
6 - Hora da Razão (Batatinha/J. Luna)
7 - Atrás do Trio Elétrico (Caetano Veloso)
8 - Um Frevo Novo (Caetano Veloso)
9 - Cara a Cara (Caetano Veloso)
10 - La Barca (Caetano Veloso)
11 - Qual É, Baiana? (Caetano Veloso)
12 - Guarde Seu Conselho (Alcebíades Nogueira/Luís de França)

Comentários

  1. Quem disse que o Carnaval não tem seus clássicos?
    Como dizia Sérgio Sampaio
    "Eu quero é botar meu bloco na rua..."

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