Um disco indispensável: Low - David Bowie (RCA Victor, 1977)

Em 1976, o mundo se surpreendia com Bowie ao dobro: primeiro com o disco Station to Station, na qual ele decidiu usar este para promover mais um personagem: o Thin White Duke, seguido de um filme promovendo esse personagem, O Homem Que Caiu Na Terra (título original: The Man Who Fell On Earth) sobre um alienígena que cai na Terra, algo bem similar ao de Ziggy Stardust e Aladdin Sane nos anos anteriores e que tinham sido bem recebidos pelo público. Fora isto, o próprio músico se via num mar de complicações como o vício em cocaína, iniciado em 1974 e que no ano seguinte teve o seu ponto máximo de consumo, e sempre que o perguntavam sobre esta fase, ele não tinha muita lembrança. O que veio a acontecer definitivamente foi uma reflexão do excesso de consumo do pó, começa a trabalhar em um disco que viria a soar inovador tanto na sua carreira quanto na história da música em geral: Low, seu décimo-primeiro álbum lançado em 1977 dias depois de chegar aos 30 anos e carregado de novas sonoridades que trazeriam inovações sonoras, mostrando-se influenciado pelo krautrock e pela música alemã em geral.
Começando as gravações em 1º de setembro de 1976, trancafiado no Château d'Hérouville na França, mais precisamente na cidade de Hérouville, o músico começaria a descobrir e se fascinar mais pelo trabalho de Brian Eno, que estava fazendo experimentos musicais e que o próprio ex-Roxy Music tinha gostado de Station to Station, além de cair nas alquimias sonoras minimalistas feitas por gente como Philip Glass e John Cage, compositores pioneiros no experimentalismo sonoro. Logo, Bowie veio a contratar Eno e começou aí uma parte da gloriosa Trilogia de Berlim, outro marco histórico de sua carreira, aonde ia muito além do pop, se aventurando na onda experimental e acrescentando uma leva de sintetizadores, ritmos enquanto Bowie vivia o seu período de desintoxicação na Berlim Ocidental, tendo um pouco de referências sonoras ligadas a Kraftwerk naqueles tempos. Com base nas questões sobre a neurose, a agorafobia, a violência mais o isolamento, o niilismo e a apatia, ainda mostra-se um pouco da sobrevivência e sendo uma espécie de observação do Bloco do Leste em termos de sensações musicais que o artista sentiu. Deixando críticos musicais divididos, o Camaleão de Brixton conseguiu acertar em cheio na sonoridade do álbum, na parceria com Brian Eno aonde criaram instrumentais e funks esquisitos, tornando-se um clássico definitivo influenciando mais um cenário que se divide entre a música pop da década seguinte e da futura música eletrônica, um disco totalmente inovador e indispensável mesmo.
O disco começa com uma instrumental chamada Speed of Life, puxado a sintetizadores e batidas tão agressivas que nos dá uma sensação estranha na primeira escuta, mas soa também como o cartão de visita do disco, com uma sequência de acordes totalmente texturizados; na sequência temos Breaking Glass, com uma letra curta inspirada numa proposta sugerida pelo poeta William S. Burroghs, a de colocar diversas frases em um chapéu e tirando uma frase de cada formando uma música e em menos de dois minutos de duração com uma pegada dançante e quase soando discothèque a música; seguindo o repertório, temos What in the World, com uma pegada de videogame aonde ouvimos o som de um efeito sonoro de um joguinho antigo, ainda tendo Carlos Alomar na guitarra fazendo acordes muito altos seguido de uma linha que continua ao longo da canção; em seguida o funk Sound and Vision, que apesar de um ritmo mais alegre e pra cima, aqui ele retrata sobre o seu vício em cocaína e a ausência de inspiração para fazer música, com base musical suingada quase disco e com Iggy Pop dando uma canja nos vocais, o que faz a canção se destacar mais ainda neste disco; logo temos a viajante Always Crashing In The Same Car, que apesar de soar um pouco psicodélica e até certos momentos um pouco progressiva, aqui ele desabafa sobre alguém sempre repetir os mesmos erros numa pegada suave e calma, totalmente maravilhosa; e já o lado mais pop deste disco está em Be My Wife, aonde Bowie se declara para sua mulher numa pegada totalmente moderna e com um quê de disco music em certos momentos da música, de ares meio comportados tendo sido a última declaração do camaleão para Angela, sua esposa na época, cujo casamento sofreria um desgaste até os dois se divorciarem três anos mais tarde; a partir de A New Career In A New Town, uma instrumental com os sintetizadores reinando soberanamente em uma música instrumental aonde uma melodia triste combina com um ritmo mais alegre, pra cima e com direito a Bowie tocando gaita durante a música, sendo uma peça mais dançante e alto-astral que combina de vez com qualquer balada e que encerra o lado A do vinil mudando de vez o rumo das coisas; já na sequência, as coisas vão mudando de vez e isso se nota muito em Warszawa, uma instrumental com duração de mais de seis minutos trazendo 110 vozes que são de Bowie e multiplicadas em estúdio soando de uma forma profunda e sombria, em certas partes servindo como fundo para qualquer cena de filme seja de suspense ou de terror sem deixar de soar perfeito; já em seguida temos Art Decade, com a pegada ambient e um pouco new-age (Eno entre outros foram pioneiros nesse formato), uma tradução musical da impressão do Camaleão tinha sobre Berlim Ocidental mostrando tentar refletir e quase que não entrou no disco, mas o empurrãozinho de Eno valeu a pena para que estivesse de vez; usando uma das bases feitas para The Man Who Fell on Earth, aqui em Weeping Wall traz vocalizações e citações de Scarborough Fair, uma antiga balada tradicional inglesa, aqui com muita guitarras, vibrafone e xilofone servindo como destaque da parte instrumental além dos sintetizadores onipresentes; o final é algo totalmente épico e que carrega uma energia de sobra, Subterraneans, soando como um tanto sinfônico e clássco mas também um pouco ambient em certas partes, aonde temos ainda solos de saxofone executados por Bowie e um pouco de vocalizações e alguns versos que se têm como base a já citada estratégia de Burroughs, fechando com tudo a primeira parte da épica e marcante Trilogia de Berlim do artista britânico.
O disco veio a ser consagrado um dos legados musicais mais importantes do britânico (e segue sendo já depois de sua morte na segunda-feira dia 11) ao longo de sua carreira, que como eu já havia dito antes, foi o responsável por uma nova definição para a sonoridade da música pop e um dos precendentes da música eletrônica que nós tanto conhecemos hoje e até mesmo do new-age se for preciso citar. Estando com vários outros discos seus na famos lista dos 1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer, além de várias listas dos maiores discos da década de 1970 (sempre entre os 10 ou 20 mais), além de ter sido uma das primeiras resenhas da seção Discoteca Básica, da antiga revista BIZZ em outubro de 1985, figura na 251ª posição dos 500 Maiores Álbuns de Todos os Tempos, da revista Rolling Stone mostrando que Low sempre foi e ainda será uma grande influência para a música contemporânea até hoje.
Set do disco:
1 - Speed of Life (David Bowie)
2 - Breaking Glass (David Bowie)
3 - What in the World (David Bowie)
4 - Sound and Vision (David Bowie/Dennis Davis/George Murray) - participação de Iggy Pop
5 - Always Crashing In The Same Car (David Bowie)
6 - Be My Wife  (David Bowie)
7 - A New Career In A New Town (David Bowie)
8 - Warszawa (David Bowie/Brian Eno)
9 - Art Decade (David Bowie)
10 -  Weeping Wall (David Bowie)
11 - Subterraneans (David Bowie)

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