Um disco indispensável: Chico Buarque - Chico Buarque (Philips/PolyGram, 1978)

No ano de 1978, a ditadura militar estava em idade de debutação, com o fim do governo Geisel e agora, quem faria o papel de corrigir o país, era o último dos generais que seguiriam a comandar o Brasil: João Baptista Figueiredo, e com ele veio a lei da Anistia na qual políticos como Leonel Brizola, Fernando Gabeira dentre outros, tiveram os seus crimes políticos perdoados, além de acabar com os longos anos de bipartidarismo, dominado apenas por duas entidades políticas, que eram a ARENA e o MDB e fazendo com que partidos como o PCB e o PTB voltassem à ativa legalmente, ou seja: enfim, o processo de abertura que muitos clamavam aos militares, chegou e o processo era "lento e gradual" ainda. Se os tempos estavam ficando outros até para o nosso sempre lembrado cantor e compositor Chico Buarque, o motivo era este: a sua aura criativa seguia mais iluminada do que nunca, embora a Censura seguisse a incomodá-lo, vetando vários de seus projetos e tentando impedir que ele siga a cantar e divulgar o seu trabalho até fora do Brasil. Após ter adaptado Os Músicos de Bremmen do argentino Luiz Enríquez Bacalov e do italiano Sergio Bardotti, e convertido em Os Saltimbancos, o cantor partiu para participar de um festival em Cuba e ao voltar para o Rio, ele mais o poeta Antonio Callado foram levados do Aeroporto do Galeão para o temido DOPS, aonde foram apreendidos materiais de ambos, Chico se salvou de vez e voltou para a casa, desta vez preparando uma surpresa para o seu público. O que ele não esperava era que a Censura liberasse três músicas que haviam sido vetadas, e isso eu vou falando mais adiante. O disco que seria lançado em 1978, levaria o seu próprio nome, acabou sendo um dos maiores discos de sua carreira, com um tremendo repertório e boa parte são temas de trilhas para teatro e cinema, uma música que não é dele e em espanhol, apenas três faixas inéditas feitas especialmente para o disco. Contando com um time luxuoso de músicos, por isso o fato Chico sempre estar bem acompanhado musicalmente e contando com os arranjos de Francis Hime e também de Magro, amigo de Chico e líder do conjunto MPB-4, ideias era o que não faltavam para que este álbum seguisse agradando os mesmos fãs de sempre. O disco é considerado pelo próprio uma verdadeira "salada" de novidades, de clássicos que tiveram sua liberação da Censura e que Chico pôde enfim cantar e é declarado pelo próprio cantor o seu álbum favorito.
A faixa de abertura do disco, é Feijoada Completa, um samba pra cima, cheio de gingado, na qual Chico pede para que sua esposa prepare a feijoada porque ele estava trazendo "os amigos pra conversar" e cuja música faz parte da trilha sonora do filme Se Segura Malandro, dirigido por outro amigo de Chico, Hugo Carvana; uma das primeiras surpresas deste disco é Cálice, apresentada em 1973 no festival promovido pela Phonogram (Phono 73) em São Paulo no palco do Anhembi ao lado do outro autor, Gilberto Gil e que bem no meio da música, os microfones foram desligados e cuja letra foi proibida, mas que reaparece aqui neste disco com um arranjo bem impressionante e num dueto com Milton Nascimento (repetindo a dose do dueto que abriu o álbum Meus Caros Amigos, lançado em 1976) com coro do MPB-4 pra dar um simples toque a mais; já em Trocando em Miúdos, uma das poucas faixas feitas apenas para o disco, Chico fala sobre a separação de bens, acompanhado por um conjunto de flautas, orquestra de cordas e o piano de seu parceiro Francis Hime, e que retrata bem o momento que muitos casais estavam vivenciando, já que a Lei do Divórcio foi aprovada um ano antes; sendo uma simples "exceção" por não contar com a voz do nosso poeta, O Meu Amor, que foi escrita para a peça Ópera do Malandro, conta com as vozes de Marieta Severo (então esposa de Chico Buarque até 1998) e a então estreante cantora vindo de terras nordestinas, Elba Ramalho e ambas arrasam neste dueto e não nos decepcionam aqui; outro tema feito para a Ópera do Malandro é o sambinha Homenagem ao Malandro, na qual Chico reverencia a boa e velha malandragem do Rio de Janeiro, com solo de trombone e que na versão da Ópera foi gravada por Moreira da Silva (1902-2000), lançada um ano depois; outro tema inédito e feito para o disco que aparece aqui é Até o Fim, que têm uma pegada de modinha com um piano bem embalante tocado por Francis Hime e que veio a ser regravado anos depois por Ney Matogrosso, na qual o autor cantou junto a música; em Pedaço de Mim, Chico divide os microfones com Zizi Possi em mais uma música da peça Ópera do Malandro, uma canção tocante não só ouvindo como ambos cantam, mas também por tratar-se das perdas familiares e acabou sendo a canção favorita de Lucinha Araújo, mãe do eterno exagerado Cazuza (1958-1990) e de quem já perdeu alguém importante na vida; os meninos de rua são reverenciados na última das três inéditas para o álbum, Pivete, outro samba e na qual Chico cita nomes do esporte como Pelé, Mané Garrincha e Emerson Fittipaldi (Emersão), além de falar sobre a vida deles em busca de uns trocados; a única não-canção de Chico Buarque é Pequeña Serenata Diurna, do cubano Silvio Rodríguez, nome popular da chamada Trova Cubana, da qual também veio Pablo Milanés e que aqui ganha uma levada de bossa e cantada no idioma original (espanhol); na sequência, apenas os temas que foram liberados pela Censura encerram o disco: a primeira é Tanto Mar, composta e lançada originalmente em 1975, uma homenagem à Revolução dos Cravos (1974) que pôs um fim a 41 anos do regime salazarista em Portugal, numa levada de fado, e que cresce aos poucos; o encerramento é com chave de ouro mesmo, depois de 8 anos de veto, Apesar de Você ganha vez aqui em nova versão e com o mesmo arranjo da original, que começa com o verso "amanhã vai ser outro dia" crescendo aos poucos com um clima pra cima e que acabou virando um dos hinos da Anistia, provando mesmo que "amanhã vai ser outro dia". E que assim siga sendo, que cada amanhã seja outro dia para quem curte, admira e valoriza não só o trabalho deste grande compositor e monstro sagrado da música popular brasileira que vive a nos encantar sempre com seus trabalhos.
Set  do disco:
1 - Feijoada Completa (Chico Buarque)
2 - Cálice (Chico Buarque/Gilberto Gil) - participação de Milton Nascimento
3 - Trocando em Miúdos (Chico Buarque/Francis Hime)
4 - O Meu Amor (Chico Buarque) - participação de Marieta Severo e Elba Ramalho*
5  - Homenagem ao Malandro (Chico Buarque)
6 - Até o Fim (Chico Buarque)
7 - Pedaço de Mim (Chico Buarque) - participação de Zizi Possi
8 - Pivete (Chico Buarque/Francis Hime)
9 - Pequeña Serenata Diurna (Silvio Rodríguez)
10 - Tanto Mar (Chico Buarque)
11 - Apesar de Você (Chico Buarque)

*única faixa na qual o artista do álbum não canta

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