Um disco indispensável: Chico Buarque de Hollanda Nº 4 - Chico Buarque (Philips/CBD Phonogram, 1970)

Abril de 1970, um avião acabava de aterrisar na pista do aeroporto do Galeão e nele vinha um grande artista nacional, que estava voltando de uma temporada fora do Brasil, mas quem era esse artista nacional famoso até fora do país? Era nada mais, nada menos que um certo Chico Buarque de Hollanda, voltando da temporada de um ano na Itália, com a sua esposa, a atriz Marieta Severo e sua filha Silvia, nascida na terra de Mastoriani, Rita Pavone e das cantinas com suas pizzas e seus macarrões célebres. A sua volta ao Brasil foi um pouco tensa, pois já estava numa relação meio complicada com os militares, que já começaram a incomodá-lo e dando início a uma década cheia de muito trabalho para que os censores pudessem fazer o que mais sabiam fazer de pior para acabar com a alegria de muitos nomes da área do teatro, cinema, televisão, literatura e inclusive a música, cujo eram muitos os cantores e compositores que recebiam notificações sobre algumas proibições de músicas pela Censura, como Antônio Adolfo e Tibério Gaspar após os gestos em saudações aos Panteras Negras no VI Festival Internacional da Canção feitos pelo ator, bailarino e cantor Toni Tornado, na qual este interpretou de Tibério e Antônio Adolfo, o clássico BR-3 e até o maestro Erlon Chaves nesse mesmo festival sofreu quando apareceu sendo contemplado por mulheres loiras e branquelas enquanto apresentava no festival a sarcástica Eu Também Quero Mocotó, e que depois acabaram tendo que prestar depoimento no DOPS, o lugar aonde poucos saberiam se iriam voltar vivos ou iriam acabar lá, Chaves resistiu mais quatro anos até morrer defendendo o amigo Wilson Simonal (1938-2000) acusado de delação e por ter relações com militares, na qual este mesmo também negou relações até a morte, na qual já não tinha mais a popularidade dos anos 60 até o início da década seguinte. Chico, seria a pior das vítimas do mundo artístico pela ditadura, e isso acabou sendo um exagero demais para o artista.
Meses após o seu primeiro álbum na Philips: um rosto já mais
diferente do que daquele típico bom-moço pela aparência dos
primeiros anos de carreira, de 1966 até começos de 1970.
Mas o jovem que, até 1969 era considerado "o sucessor de Noel Rosa na segunda metáde do século", após ter feito turnê acompanhado de Toquinho e junto da grande Josephine Baker, artista americana de nome, já não tinha mais contrato na gravadora RGE e acabou lançando um álbum chamado Per Un Pugno di Samba, na qual cantava seus sucessos com arranjos de Ennio Morricone e traduzidos para o italiano por Sergio Bardotti e ainda recebeu de Roma o produtor Manoel Barenbein, que a mando de André Midani, o então novo diretor da gravadora Philips no Brasil e que este mesmo viria a formar um grande time de artistas no cast da gravadora (do qual já fazia parte Gilberto Gil, Elis Regina, Nara Leão, Caetano Veloso, Jorge Ben dentre outros), convidando o próprio cantor direto da capital italiana a fazer parte do elenco e lançar um disco. Esse disco encerraria a fase em que ele acrescentava o sobrenome "de Hollanda", depois de 3 discos homônimos e dois trabalhados durante a sua passagem na Itália, ele apenas seria Chico Buarque, embora ainda acrescentassem "de Hollanda" em matérias de jornais e na televisão.
45 anos depois de sua estreia na Philips, ele segue a renegar
o álbum "Chico Buarque de Hollanda Nº 4ª pelo fato de ter
sido trabalhado às pressas. Mas há fãs que curtem o disco.
O disco Chico Buarque de Hollanda Nº 4 teve as vozes gravadas na Itália, no Glob Records em Roma e as bases todas gravadas nos estúdios da Philips, no Rio de Janeiro. A produção ficou por conta de Barenbein, que com as fitas das vozes prontas, foi direto para o Rio aonde já se esperava trabalhar nos arranjos das músicas feitas por Magro, do MPB-4, o maestro Erlon Chaves e também por César Camargo Mariano, e só pôde ser lançado já quando o cantor voltava do exílio particular, em abril de 1970, embora as letras e o material todo tenha sido trabalhado um ano antes. O disco começa com o sambalanço Essa Moça Tá Diferente, cheia de harmonias, sopro e uma levada bem dançante, na qual fala sobre "ver o astronauta descer na televisão", uma referência sobre a vinda do homem à Lua em julho de 1969; na faixa Não Fala de Maria, apenas a orquestra se mostra presente como base e uma das pouco conhecidas do seu repertório e pouco lembrado nos projetos dedicados ao compositor carioca; o velho estilo de fazer sambinhas aqui reaparece em Ilmo Sr. Ciro Monteiro Ou Receita Pra Virar Casaca de Neném, na qual a levada nos traz de volta à época boa dos sambas de Noel, Ataulfo Alves, Geraldo Pereira, Adoniran dentre outros figurões e com um arranjo bem de samba clássico; em Agora Falando Sério, o cantor declara numa levada de baião que "dou um chute no violino, faço  a mala e corro pra não ver a banda passar", na qual ele declara que não quer ser só lembrado pelo sucesso A Banda, de 1966; enquanto na emocionante Gente Humilde, parceria com Vinicius de Moraes e baseado numa música do violonista Aníbal Augusto Sardinha, conhecido como Garoto (1915-1955), aqui ganha um tom emocionante e com todo o lirismo poético, tanto de Chico quanto do Poetinha Vinicius; enquanto em Nicanor, Chico procura por respostas sobre a tal pessoa com "mãos de jardineiro", "amor pro porto inteiro" com uma levada simples de bossa; com um pouco de efeitos na introdução e ainda tendo o apoio luxuoso do MPB-4, Rosa dos Ventos é uma das mais impressionantes canções deste disco, com presença de teclados e órgãos e os arranjos de sopros com uma base sonora latina e que acaba mostrando-se em um dos melhores momentos criativos de Chico; aqui, um clássico é apresentado de vez neste disco, Samba e Amor, na qual o próprio cantor declarou que, apesar de não ter gostado do disco, essa é uma de suas poucas músicas favoritas que ele adorou ter feito para o álbum; e aqui ressurge a parceria com Tom Jobim em Pois É, aqui mostra um ótimo resultado da parceria entre ele e o Maestro, que seguiu resultando em outros trabalhos adiante; numa levada de música caribenha, incluindo uma pitada de samba, Cara a Cara é uma canção de levada bem alegre e com os vocais do MPB-4 fazendo mais uma canja vocal nesse disco; já na doce e simples Mulher, Vou Dizer Quanto te Amo e todo o seu lirismo poético na qual este se declara à mulher da sua vida, com um simples piano e cordas para complementar a base aonde se mostra todo o romantismo nessa canção; o encerramento fica com uma adaptação para Romanceiro da Inconfedência, de Cecília Meirelles (1901-1964) e que aqui virou Tema de Os Inconfidentes e na qual Chico converte em música os versos da poetisa, algo que ele havia feito até então para a peça Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto (1920-1999) em 1966 e contando, de novo, com o MPB-4 nos vocais.
O disco é simplesmente ótimo de verdade, contando ainda com muito de sua poesia e recheado de coisas que muita gente vive a ouvir ainda e têm um vastíssimo repertório de clássicos que nunca faltam em seus shows, como Samba e Amor, Essa Moça Tá Diferente e Gente Humilde. Mas o próprio cantor renega este disco, pelo fato de ter sido trabalhado num momento em que Chico esteve fora do país, todo feito às pressas e mesmo assim, é cultuado por muitos fãs atualmente pelo seu repertório.
Set do disco:
1 - Essa Moça Tá Diferente (Chico Buarque)
2 - Não Fala de Maria (Chico Buarque)
3 - Ilmo Sr. Ciro Monteiro ou Receita Para Virar Casaca de Neném (Chico Buarque)
4 - Agora Falando Sério (Chico Buarque)
5 - Gente Humilde (Chico Buarque/Vinicius de Moraes/Anibal Augusto Sardinha "Garoto")
6 - Nicanor (Chico Buarque)
7 - Rosa dos Ventos (Chico Buarque)
8 - Samba e Amor (Chico Buarque)
9 - Pois É (Chico Buarque/Antonio Carlos Jobim)
10 - Cara a Cara (Chico Buarque)
11 - Mulher. Vou Dizer Quanto Te Amo (Chico Buarque)
12 - Tema de "Os Inconfidentes" (Chico Buarque, baseado nos fragmentos de  "Romanceiro da Inconfidência" de Cecília Meirelles)

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