Um disco indispensável: Tim Maia - Tim Maia (Polydor/CBD Phonogram, 1970)

Já pode se ler em muitas biografias da internet e histórias de "um sujeito gordinho, levado, sempre de mau-humor e que acabava com a alegria dos clientes de seu Altivo e dona Maria Imaculada, donos de uma pensão que faziam marmitas". É, meus amigos, se existe um garoto gordinho levado da breca e encrequeiro, este era Sebastião Rodrigues Maia (1942-1998), o Tião Marmita ou melhor, Tim Maia na década de 1940 e que já levou xingadas até de um garoto chamado Erasmo Esteves, seu amigo, por ter comido a marmita deste último e de sua família na praça e Tião Marmita acabou de castigo pelo que fez, mas foi para o bem dele. E depois de alguns anos, já na adolescência, formou um conjunto chamado Os Tijucanos do Ritmo (que durou pouco tempo), fez muitos bicos além de vender marmita e conheceu Roberto Carlos através de Erasmo e formou-se com mais um amigo o The Sputniks, conseguiram o tão desejado sonho de artistas cariocas do rock naqueles anos de 1958 aparecer no Clube do Rock, programa da TV Rio comandado por Carlos Imperial (1935-1992), futuro guru de vários artistas e polemista por namorar garotas menores de 18 anos (fez isso até morrer, imagina?!) e deu incentivo a muita gente na carreira musical – menos de Tim quase arrebentar Roberto e lambuzar o carro de Imperial com recheio de sonho fora dos estúdios quando Roberto ouviu de Imperial ir para carreira solo, mas seguia sendo da Turma do Matoso.
Tim (no meio), Erasmo e Roberto Carlos em 1968 em um
dos shows de Roberto após o fim da Jovem Guarda
com seus convidados. Enfim, a paz selada entre Tim e Roberto
e a ajuda que o ex-Tião Marmita precisava tanto de seus velhos amigos
O pai de Tim, seu Altivo, morre em 1959 e com o florescer da bossa nova e o rock perdendo força em terras cariocas, Tim parte para os Estados Unidos tentar conseguir "ajuda" para fazer sua fama fora do Brasil, alguns bicos aqui e outros acolá, ele se envolve em roubos e acaba sendo preso em Daytona, no estado americano da Flórida. Desinformado e sem muitas informações sobre o Brasil, acaba sendo deportado em 1964 e fica sabendo que seus amigos Roberto e Erasmo pegaram carona na fama, e inclusive aqueles com quem Tim se dava pouco nos tempos da Turma do Matoso, como Jorge Ben, Wilson Simonal dentre outros e Tim ficou correndo atrás de oportunidades, porém, o que ele também mais queria era desbancar seu eterno rival Roberto Carlos e conseguir um programa igual ao dele e de Erasmo, e foi até São Paulo atrás de chance e atrás de Roberto Carlos para ver se consegue cantar não poderia levantar a sua moral e estampar seu nome entre os tantos que presenciaram o programa Jovem Guarda, na TV Record e que foi de setembro de 1965 a janeiro de 1968. 
Mas, antes disso, Tim se cruzou com Eduardo Araújo e que, por intermédio d'O Bom, conseguiu tocar por algumas vezes em seu programa e no de Roberto, que anos depois, após ouvir de sua esposa Nice que o "Tião Marmita" veio mostrar uma música para o Rei gravar e em 1969, lança Não Vou Ficar e o nome de Tim só se agiganta, embora tenha gravado primeiro um compacto com duas canções em inglês pela Fermata/RGE, conheceu um amigo paraguaio de pseudônimo Fábio, que lhes ajudou aos poucos também a construir sua carreira e depois um dueto com Elis Regina, que caiu de vez na demo apresentada pelos Mutantes, amigos do cantor, e a Pimentinha que não é boba e nem nada, já convidou o gorducho para participar do seu LP Em Pleno Verão (1970), cantando These Are The Songs, o dueto que imortalizou a carreira de Elis. Meses depois, a gravadora Polydor, núcleo da Philips e da Companhia Brasileira de Discos, (CBD) a distribuidora brasileira da Phonogram naqueles tempos, lançara o seu primeiro LP solo depois de mais de dez anos de batalha para conseguir conquistar o tão merecido sucesso pelo qual batalhava tanto desde 1958 e é deste LP que nós falaremos por aqui nesse post.
O rei do soul divulgando seu primeiro LP em 1970
em um programa televisivo: sucesso demorou, mas
ele conseguiu o que queria aos poucos.
A primeira faixa do LP que é Coroné Antônio  Bento, como diria o biógrafo Nelson Motta, é um soul-baião com estilo bem suingante e com o baixista Camarão se atracando no sotaque nordestino no verso "Todo mundo que mora por ali, nesse dia num pôde arresistir..." acrescentado de uma base americana e juntando o forró de Luiz Gonzaga com o soul de James Brown, Sly And The Family Stone e de artistas da Motown e Stax, duas gravadoras responsáveis pelo sucesso de grandes ídolos nos EUA; uma bunda ser inspiração de uma música pode ser estranho, mas quando se trata de Cristina, a "bunda" que era de uma amiga do cantor, tocada numa balada meio folk com um belo conjunto de cordas e Tim dizendo que precisa ver a sua menina Cristina; o lado de interpretar em inglês mostra que Tim ainda se mantêm fiel ao que aprendeu com a música negra dos americanos na canção Jurema, "the queen of the jungle" (a rainha da selva) e com metais à la Erlon Chaves, embora os arranjos sejam do maestro Waldir; outro personagem do disco é o beato Padre Cícero, adorado pelos nordestinos, uma balada soft-soul tocante com o Síndico falando sobre o homem que marcou o Nordeste, e também teve uma versão feita para a novela Irmãos Coragem, sendo tema do personagem de Tarcísio Meira, o garimpeiro João Coragem; aqui uma instrumental dá uma espécie de "pausa" e repetindo por doze vezes o nome Flamengo, time de coração do cantor, que aqui ganha homenagem com apenas dois minutos; depois de personagens, agora, ele interpreta o então desconhecido Casssiano na faixa Você Fingiu, que têm uma letra caprichosa e cheia de balanço num swing leve; de Cassiano, Tim também gravou outra balada sua, Eu Amo Você, feita com Silvio Rochael e também com uma voz mais sensualizante; da dupla Cassiano e Rochael ainda tem Primavera (Vai Chuva), um soft-soul que conta com uma introdução bem pra cima e depois vai diminuindo o ritmo quando Tim começa a cantar e volta a ganhar potência quando ele canta "Trago esta rosa para te dar..." e pedindo "vai chuva"; do amigo paraguaio Fábio, ele gravou Risos, uma canção feita com o irmão de Carlos, Paulo Imperial e com uma atmosfera de valsa-pop e orquestraçao dando um toque bem suave na música e com coros estilo Motown; outra balada que acabou marcando o nome do tijucano foi Azul da Cor do Mar, que segundo o amigo Fábio "foi quando Tim viu uma imagem de uma mulher vestida de marinheira com uma luneta e imaginou ela observando o azul do mar infinito" e dali surgiu uma de suas maiores canções, uma balada simples e emocionante com solo de gaita; uma reprise da faixa Cristina, como segunda parte, ganha um pouco de velocidade e depois se encerra com poucos minutos e os mesmos versos da versão original; e o final apoteótico fica por conta de Tributo a Booker Pittman, homenageando o trompetista americano (1909-1969) em versos todos cantados em inglês e com referências ao jazz, estilo que o padrasto de Eliana Pittman predominou durante toda sua carreira e com os arranjos do maestro Waltel Blanco que colocou os metais pra arrasar de vez na última faixa do disco. 
Com todo o seu estilo  cheio de gingado, o gorducho tijucano conseguiu arrebentar no topo das paradas com as faixas Eu Amo Você, Primavera (Vai Chuva) e Azul da Cor do Mar tocando sem parar nas rádios entre junho de 1970 e o começo de 1971 e é o disco que conseguiu um forte impacto na música brasileira, sendo o responsável por ter incorporado a soul music americana nas músicas e na lista dos "100 Maiores Discos da Música Brasileira" organizado pela revista Rolling Stone brasileira, está na 25ª posição.
Set do disco:
1 - Coroné Antônio Bento (João do Vale/Luiz Wanderley)
2 - Cristina (Tim Maia/Carlos Imperial)
3 - Jurema (Tim Maia)
4 - Padre Cícero (Tim Maia/Cassiano)
5 - Flamengo (Tim Maia)
6 - Você Fngiu (Cassiano)
7 - Eu Amo Você (Cassiano/Silvio Rochael)
8 - Primavera (Vai Chuva) (Cassiano/Silvio Rochael)
9 - Risos (Fábio/Paulo Imperial)
10 - Azul da Cor do Mar (Tim Maia)
11 - Cristina Nº 2 (Tim Maia/Carlos Imperial)
12 - Tributo a Booker Pittman (Cláudio Roditi)

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