Um disco indispensável: Shadows in the Night - Bob Dylan (Columbia Records, 2015)

Pare e pense um pouco: o que sobrou do velho trovador do Minnesota que chegou em New York ainda jovem em 1960, sem muito dinheiro no bolso e aparecia com violão e acabou ganhando o mundo afora cantando coisas como Blowin' in the Wind, The Times They Are-A Changin', Tombstone Blues e que chocou o público do Newport Folk Festival ao colocar uma Fender Stratocaster em um amplificador e com um visual pra lá de diferente: cabelos mais longos, uma camisa verde com bolinhas brancas que mais lembra um pijama? Ainda sobreviveu a um acidente motociclístico em 1966, se reconstruiu com os pés no country nos dois discos que viriam a seguir e após vários trabalhos e um show triunfante no dia 31 de agosto de 1969 na Ilha de Wight, sete anos depois surge como num figurino espalhafatoso e com um nome de Rolling Thunder Revue, considerada uma das suas maiores fases na carreira pós-acidente? E em 1978 acaba numa fase bem gospel, cristã,  embora ele tenha vindo de uma família judia, mas aos poucos deixa a fase para se reerguer e fazer uma coisa bem misturada, um pouco de folk e country, acrescentado de uma pegada bem rock n' roll e trazendo também o blues para o seu som mais diferencial, o que muitos colegas daquela geração estavam fazendo, faz parte de um projeto (Traveling Wilburys) ao lado de Tom Petty, George Harrison, Jeff Lynne e do grande Roy Orbison e ainda consegue realizar uma performance histórica em um Unplugged da MTV em 1995. Passados os anos, ainda levou o Oscar e o Globo de Ouro pelo prêmio de Melhor Canção Original em 2001, conseguiu ainda fazer um grande álbum em 30 anos, o que não acontecia em Desire (1976) e conseguiu mostrar três anos depois, um álbum natalino que ainda atraiu mais fãs com o passar dos anos, depois de um hiato que separa dois anos do seu último lançamento, Tempest (2012) e anuncia que gravará um disco com canções já interpretadas por uma das maiores vozes da história da música no século XX e ainda segue marcando gerações, 17 anos após a sua morte: Frank Sinatra. Logo no centenário do Blue Eyes, celebrado no dia 12 de dezembro, um dos tantos que cresceu ouvindo a sua voz faz uma homenagem, digamos que merecida e digna, embora a voz de Dylan ainda soe como desafinada para alguns, pode-se entender que Dylan tem lá suas intenções de fazer projetos que podem até emplacar de vez ou não, já não é de hoje que ele canta e encanta multidões há 55 anos e agora ataca de crooner, mas não com todo aquele luxo de sempre: uma grande orquestra, arranjos cheios de luxo para deixar as músicas com estilo, e Dylan fez tudo diferente como sempre.
Bruce Springsteen, Frank Sinatra e Dylan em 1995 no show de
comemoração aos 80 anos do Blue Eyes. 20 anos depois,
Bob regravaria canções de Sinatra no ano de seu centenário
O resultado desse disco é impressionante, com apenas 35 minutos de duração e 10 faixas, Dylan conseguiu tirar mais um truque da cartola mágica: seu pseudônimo Jack Frost como produtor, e ainda que Dylan possa ter se superado em certos arranjos, e com apenas cinco músicos acompanhando ele e sem precisar de gaita nas canções, algo que pouco aconteceu em todos os seus discos e tudo gravado de uma vez só como se fosse ao vivo, sem ter que refazer algo que tenha dado de errado. Se na voz de Sinatra, esses standards se tornaram clássicos, imagina o que pode soar na voz de Bob Dylan: e começando em I'm a Fool to Want You, uma belíssima canção de amor e que aqui ganha sutilidade mais profunda, além do estilo country-folk suave; já em The Night We Called It a Day, ainda soa a mesma coisa de sempre, e Dylan canta como um senhor que lembra dos anos dourados e da adolescência bem vivida; na canção Stay With Me, o trovador de Hibbing ainda canta as canções de Sinatra e com aquela base acústica suave leve e sem deixar passar batido; o clássico Autumn Leaves, que já teve regravações não só de Sinatra, mas de Nat King Cole, Diana Krall, Edith Piaf, Tony Bennett aqui ganha uma belíssima versão na voz de Dylan, com aquele tom melancólico nos arranjos; já em Why Try to Change Me Now, aqui se chega à conclusão sobre o que ele disse em respeito às comparações "descarto qualquer comparação vocal e musical minha e de Sinatra"; em Some Enchanted Evening, o cantor fala sobre uma noite e alguns encontros e desencontros amorosos, coisas que só o destino sabe o que pode acontecer; porém, outro clássico aqui que ganha vez é Full Moon and Empty Arms, já regravado por muita gente e aqui ganha a leveza sombria e melancólica na base musical; em Where Are You?, a forma simples de cantar sobre o desaparecimento de um amor e dúvidas que não têm respostas "Where are you when we said good-bye love?What we had to gain? When I gave you my love? Was it all in vain" (Onde está você quando dizemos adeus ao nosso amor? O que nós tínhamos de ganho? Foi tudo em vão); um dos tantos compositores de Sinatra aqui reverenciado é Irving Berlin (1888-1989) com seu tema What I'll Do, aonde aqui Dylan ainda se mostra um intérprete fiel do Blue Eyes; e no final, o tema That Lucky Old Sun encerra de vez o desfile de standards dos anos 1930, 1940 e 1950 aonde Dylan traz Frank Sinatra de volta aos jovens de ontem que ainda lembram da inocência e dos anos dourados que hoje só poucos que ainda vivem conseguem matar as saudades.
O disco traz um detalhe interessante que já se têm notado muito nos últimos tempos, que é um Dylan na velhice e prova disso são os lançamentos após Time Out of Mind (1997), e isso mostra como a velhice e as visões sobre ela têm sido muito retratado em suas canções mais recentes e nesse álbum de standards não deixa a gente se desiludir com os resultados desse álbum, cheio de suavidade e com referências a um country mais suave, com uma percussão leve e a sonoridade que já se tem ouvido muito nos últimos discos. Mesmo assim, Dylan não nos decepciona e consegue agradar os nossos ouvidos cantando aquelas canções que um dia, Francis Albert Sinatra já deu voz e agradou a muita gente e ainda segue agradando seus fãs, mesmo 17 anos depois de sua morte. Um intérprete que pode cantar coisas do jazz ao folk e do blues ao rock n' roll e deixa sua música soar livre "like a rolling stone" 50 anos depois.
Set do disco:
1 - I'm a Fool to Want You (Frank Sinatra/Jack Wolf/Joel Herron)
2 - The Night We Called It a Day (Matt Dennis/Tom Adair)
3 - Stay With Me (Carolyn Leigh/Jerome Moross)
4 - Autumn Leaves (Jacques Prévert/Johnny Mecer/Joseph Kosma)
5 - Why Try to Change Me Now (Cy Coleman/Joseph McCarthy)
6 - Some Enchanted Evening (Oscar Hammerstein II/Richard Rodgers)
7 - Full Moon and Empty Arms (Buddy Kaye/Ted Mossman)
8 - Where Are You? (Harold Adamson/Jimmy McHugh)
9 - What I'll Do (Irving Berlin)
10 - That Luck Old Sun (Bessley Smith/Haven Gillepsie)






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