Um disco indispensável: Na Beira da Tuia - Tonico & Tinoco (Continental, 1959)

Passados os 20 anos da estreia de Tinoco em carreira solo, após o falecimento de seu irmão Tonico, que morreu meses antes, em agosto de 1994 após uma queda na escada de seu prédio na capital paulista e com isso, o relançamento da obra discográfica que marcou gerações e ainda marca na música sertaneja, apesar de terem conseguido o que poucas duplas conseguiram: passarem mais de 50 anos dedicados à música sertaneja, seguirem divulgando a boa música de raiz pelos 4 cantos do país e sem parar de trabalhar, ou seja, desde a década de 30 até 1994 eles mantiveram uma hiperatividade inexplicável para seguirem divulgando o sertanejo pelo Brasil afora. Mas afinal, como a história de João Salvador Pérez e José Salvador Pérez, ou melhor: Tonico & Tinoco, conhecidos como A Dupla Coração do Brasil, no sertanejo começa? Ah, em 1931, quando ainda moravam em Botucatu, no interior paulista, mais principalmente em uma fazenda chamada Vargem Grande, de Petraca Bacci, aonde seu Salvador Pérez - um espanhol de León que veio para o Brasil quando criança em 1892 - e dona Maria do Carmo, com seus filhos: três meninas de nome Antonia, Rosalinda e Aparecida e três meninos chamados Francisco, José e João e cujo gosto musical veio de seus avôs maternos Olegário e Isabel, que animavam as festas de família com suas canções e a primeira música que aprenderam foi uma toada, chamada Tristeza do Jeca composta por Angelino de Oliveira, em 1925. Na época, João, Francisco e José já sabiam ler e escrever e aprenderam música de uma maneira fácil, começaram a participar das festas, serenatas como os Irmãos Pérez e num desses bailes, Tonico conheceu e se apaixonou por Zula, a filha do propetário da fazenda e que proibiu o namoro e Tonico ficou magoado, foi quando compôs Cabocla e mesmo com poucas emissoras de rádio e apenas 30 mil aparelhos, a dupla ficou conhecida na região. No final de 1937, a dupla se muda para Sorocaba na tentativa de oportunidades melhores e de empregos que dessem muito dinheiro, então alguns irmãos tiveram que batalhar pra conseguirem um dinheiro bom e poderem realizarem desejos como a casa própria, mas não se vinga a vida boa em Sorocaba e eles voltam a trabalhar em fazendas, desta vez em São Manoel, aonde tinha uma emissora de rádio e aos domingos eles tinham mais tempo para fazer rádio e eram atrações frequentes aos domingos e depois de muita labuta, é quando decidem irem para São Paulo em 1941 e de mala, cuia, alguns trens de cozinha e suas violas, começam a tentar participarem de concurso de calouros e também a trabalharem, como o resto dos irmãos e num desses concursos que era apresentado pelo Capitão Furtado na Rádio Difusora, foi que eles participaram de um programa de rádio e ganhando com 190 segundos de aplausos foram campeões, sendo que a dupla adversária teve só 90 segundos e aos poucos, virariam ídolos da noite pro dia e a plateia percebeu que imitavam bem perfeitamente o caipira de verdade, e levaram a melhor como presença na Rádio Difusora ainda como Trio do Sertão.
Década de 1980: dos circos e programas de rádio para o Maracanã
e o Theatro Municipal de São Paulo. O Brasil aplaudiu bonito
Tonico e Tinoco até 1994, quando Tonico veio a falecer após
uma queda na escada de seu apartamento, em São Paulo
Em 1944 após anos como um trio e já apenas a dupla, grava seu primeiro registro fonográfico pela gravadora que viria a ser parte da história deles, a Continental e com apenas uma faixa no lado A, um cateretê de Capitão Furtado, Jayme Martins e Aymoré chamado Em Vez de Me Agradecê e na gravação do que seria o lado B, eles começaram a cantar tão forte como no modo caipira que acabaram detonando os microfones, como o custo de produção era muito caro e lançaram tal compacto apenas no ano seguinte com Tonico & Tinoco no lado A com a faixa Em Vez de Me Agradecê e o lado B ficou para Palmeira e Piraci com Salada Internacional, composta por Palmeira e Piraci em parceria com Capitão Furtado e com o problema das gravações da outra faixa, Tonico & Tinoco tiveram como castgo uma aula de canto para poder educar a voz e depois voltarem a gravar e em 1946 voltam com um grande sucesso, a história tocante de Chico Mineiro e assim o nome deles estaria sendo estampado pelos vários meios de comunicação, já com mais de 3 milhões de aparelhos de rádio e mais de 110 emissoras. Após vários compactos de 78rpm com canções retratando a vida do sertão e muita coisa, eles lançam em 1958 o primeiro long-play intitulado Tonico & Tinoco Com Suas Modas Sertanejas e ali sucessos como Chico Mineiro, Saudades de Matão, Cabocla (composta quando Tonico era jovem) e a clássica toada Tristeza do Jeca. Mas o disco que trouxe mais impacto do sucesso da dupla também foi o seguinte álbum, Na Beira da Tuia, cujo título teve uma origem bem engraçada pois certa vez em que a dupla precisava se apresentar numa rádio do interior paulista em 1945 e o auditório estava ocupado para um ensaio, eles puxaram os microfones até os corredores e o locutor Odilon Araújo perguntou "de onde vocês estão tocando?" e é quando Tinoco responde "da beira da tuia!" e aí surgiu o título do tradicional programa de rádio da dupla, que também ganhou um formato na televisão e antes, um disco, com vários sucessos da dupla, lançado em 1959 em meio ao estouro da bossa nova, do rock and roll (que entrava em luto com o acidente aéreo que matou Richie Valens, Big Booper e Buddy Holly) e dos cantores populares da Rádio Nacional, além do espaço dado ao sertanejo na rádio e nas televisões.
Nas lonas de circo: aonde estivessem, o público sabia que
eles estavam por lá trazendo música sertaneja boa
nos circos da vida ao longo dos anos.
A primeira faixa do disco é Amei, um modão de viola com uma letra bem de fossa "Amei, amei, amei e não quero mais amar..." com um tom mais no estilo pagodão caipira, e solo de viola ou seja: sertanejo feito por gente que vive mesmo o sertão; já Brasileiro é uma canção falando de um jeito caipira sobre o nosso país e seus vários tipos, do amazonense ao paulista e do nordestino ao gaúcho, com versos muito definitivos; enquanto em Segura a Saia é uma rancheira instrumental apenas com o acordeon e as violas reinando na canção como se fosse um convite para dançar no baile; já em João Palhaço, uma história que falava sobre circo e a vinda do povo para vê-lo e o personagem Zecaria que era apaixonado pela moça Chiquita, filha de João Palhaço, que acabou de um jeito emocionante e triste, que na verdade só contou com Carlito recitando; o Rio Grande do Sul é retratado num xote chamado Gaúcho Velho, de Pedro de Almeida e do grande Herivelto Martins e que trata um pouco a visão do gaúcho e a saudade de sua terra, longe do chimarrão e de todo o tradicionalismo; a valsa Sereno da Madrugada é uma espécie de canção seresteira como naquela época, retrata um pouco de ser pobre e se apaixonar por uma menina rica e ser desprezado por ela; o modão de viola Rei do Gado, de Teddy Vieira é clássico do sertanejo e com uma história bem falada, na qual aplaudiam um grande fazendeiro num bar quando chega e no final avisa "quem não souber meu nome, que não se faça de arrogado é só chegar lá em Andradina e perguntar pelo Rei do Gado" encerrando assim o tema; as origens e o lado mais roots em Meu Sertão são retratados num tom saudossista e com uma levada de chorinho, é uma daquelas músicas de definir bem o verdadeiro sertanejo de raiz; em A Madrasta, a história de uma jovem que sofria nas mãos de uma pessoa que sequer era sua mãe de verdade e que jamais fez algo bom para ela; uma valsa no estilo cirquense com sertanejo é benvinda por aqui, e no caso de Me Leva soa como uma canção de despedida e numa levada bem festiva; a toada Carro de Boi é um dos clássicos da dupla que nunca faltou no repertório shows e cada vez que eles cantavam, o público entendia o viver do caipira e ainda uma das melhores letras que Tonico já fez ao longo de sua carreira; a última faixa do disco é o corrido numa levada mais alegre Curitibana, com o mesmo tipo de arranjo de base cirquense, mas que também é feito pra dançar.
O disco foi um verdadeiro marco na música sertaneja, especialmente na forma de divulgá-la para o Brasil, originando o fenômeno grandioso que se expandiria nos anos 60 com duplas como eles mesmo mais Tião Carreiro & Pardinho, Zé do Rancho & Mariazinha, Lourenço & Lourival e os dois mantiveram-se no patamar de sempre com o passar de todos os anos, jamais inovaram e nunca deixando as raízes sertanejas morrerem. E das lonas de circo aonde tocaram por mais de 40 anos e shows em churrascarias para o palco luxuoso do Teatro Municipal em São Paulo no dia 6 de junho de 1979 e mais tarde arenas como o ginásio do Maracanãzinho, na Grande Noite da Viola em 1981 e premiações ao longo dos anos e depois o sertanejo perderia muito com a morte Tonico em 13 de agosto de 1994 e em 2012, Tinoco nos deixou após ser internado no dia 4 de maio de 2012. Mas não esquecemos jamais do bom e velho sertanejo de Tonico & Tinoco, ainda mais feito Na Beira da Tuia.
Set do disco:
01 - Amei (Tonico/Tinoco)
02 - Brasileiro (Tonico/Motinha)
03 - Segura a Saia (Pirigoso/Tonico/Tinoco) - instrumental
04 - João Palhaço (Abílio Víctor "Nhô Bentico") - declamação de Carlito
05 - Gaúcho Velho (Helivelto Martins/Pedro de Almeida)
06 - Sereno da Madrugada (Tonico/Tinoco)
07 - Rei do Gado (Teddy Vieira)
08 - Meu Sertão (Tonico e José Lopes)
09 - A Madrasta (Chiquinho/Zé Paioça)
10 - Me Leva (Priminho/Elpídio dos Santos)
11 - Carro de Boi (Tonico)
12 - Curitibana (PirigosoTonico/Tinoco)


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