Um disco indispensável: Skank - Skank (Chaos/Sony Music, 1992)

Brasil dos anos 90 - a crise não saía de jeito nenhum, o governo Collor seguia passando por momentos tensos, ainda não havia acontecido o estouro da bomba que originaria o impedimento que tirou o alagoano do cenário, quando a revista Veja divulgou uma entrevista feita por Lula Costa Pinto com Pedro Collor, irmão de Fernando. O fracassado plano arquitetado por Zélia Cardoso de Mello com a intenção de salvar o Brasil e que deixou o país em um buraco mais fundo, confiscando a grana e as cadernetas de poupança do cidadão estavam longe de ser algo totalmente útil para melhorar a economia. O cinema brasileiro já não tinha mais espaço e o fechamento da Embrafilme acabou sendo a gota d'água, e, dentre estes, as produções Vai Trabalhar Vagabundo II: A Volta dirigido por Hugo Carvana, o quase-esquecido Gaúcho Negro mais o derradeiro filme dos Trapalhões (com Mussum) em A Árvore da Juventude, tendo Cristiana Oliveira no elenco - em alta como a Juma da telenovela Pantanal, que tinha acontecido na Manchete, e também a pérola do trash O Inspetor Faustão E O Mallandro, unindo o concorrente da audiência dominical de Silvio Santos com o irreverente homem do glu-glu que estava com um programa na Globo - marcado pelo embalante e cultuado Rap do Ovo, e por alguns dos diálogos mais épicos. A música brasileira sofria alguns baques, como a morte repentina de Cazuza aos 32 anos, e o declínio comercial do rock e da MPB - bandas como Paralamas, Titãs, Barão, Legião e Engenheiros se mantiam em voga, mas não vendiam com grande relevância. O que estava acontecendo de vez na virada dos 80 para os 90 foi o crescimento da música sertaneja, eternamente lembrada como a trilha sonora da era Collor - quem dava as caras representando a ala dos neo-jecas eram as duplas Chitãozinho & Xororó e Leandro & Leonardo e em seguida nomes como Zezé di Camargo & Luciano, João Paulo & Daniel e Gian & Giovani dominavam o cenário. Mas, o rock começaria a dar uma volta por cima em meio a escassez de novas bandas, com uma origem ainda nos anos 80, o Pouso Alto contava com Samuel Rosa nos vocais e guitarra e Henrique Portugal nos teclados, mais os irmãos Mourão - Alexandre no baixo e Dinho na bateria, e essa formação da Pouso Alto existiu ate 1991. Nesse tempo, a banda conseguiu uma apresentação no Aeroanta, uma então famosa casa de espetáculos em São Paulo, o problema era os irmãos Mourão - que não estavam na capital mineira, a solução foi chamar o baixista Lelo Zaneti e o baterista Haroldo Ferretti para completarem a formação.
Tudo pronto, banda reformada - só que precisaram mudar de nome, e aí que entra o Skank - tirado de uma canção de Bob Marley chamada Easy Skanking, com a mesma pronúncia de skunk - sendo uma variação da cannabis sativa, a fanosa maconha. O concerto no Aeroanta acabou sendo em uma data coincidente, 5 de junho de 1991, e nesse mesmo estava acontecendo a final do Campeonato Brasileiro na qual o São Paulo foi tricampeão vencendo o Bragantino. Enquanto isso no show, somente 37 pessoas testemunharam o primeiro concerto daquele quarteto mineiro, do qual fazia parte um ex-integrante do Sepultura - isso porque Henrique era vizinho dos irmãos Cavalera e participou de alguns trabalhos do grupo. Após essa estreia, que tinha entre os espectadores o titã Charles Gavin e também André Jung, ex-baterista do Ira! e, após este concerto, que acabaram gostando, decidiram permanecer juntos. O show é registrado como um documento importante para a história sobre o surgimento, e ainda gravam algumas músicas no estúdio caseiro de Ferretti - estas fitas apareceriam em 2012 na compilação Skank 91. Nisso, eles começam a tocar em lugares de Belo Horizonte como a churrascaria Mister Beef e também em casas noturnas como Janis, Maxaluna e L'Apogéé com a intenção de transportar todo o clima do dancehall jamaicano para a tradição pop daqui do nosso território tupiniquim. Em 1992 eles acabam por gravar de forma independente um álbum, que não sairia inicialmente no formato LP, mas sim no disco compacto (CD) gravado no JG Studios, na capital mineira em julho e agosto com a produção autoral do conjunto. Inicialmente saiu com uma tiragem de 3 mil cópias, sendo que metade delas foram destinadas às rádios. Mas por quê o CD? E por quê independente? A princípio, as gravadoras não estavam mais chamando novas bandas de rock, e o desafio de conquistarem um espaço no mainstream ficava difícil e o Skank lançou sem gravadora, independente mesmo - no verão de 1993, eles assinam com a Sony Music pelo selo Chaos e em fevereiro remixaram as faixas no estúdio Nas Nuvens para ser relançado em abril tanto no formato CD quanto no LP - que, à época, perdia seu valor com a ascensão do CD, por ter ficado mais acessível, mas a reedição pela Chaos ajudou muito a fazer o Skank se tornar conhecidos no cenário nacional.
Para começar a falar sobre o disco - que leva o simples nome de Skank - vamos logo à primeira faixa, que já mostra as características do dancehall jamaicano na sonoridade com uma dose pop, estamos falando de Gentil Loucura avisando que tá jogando tudo pra fora, e referindo-se à loucura - o clima já nos conquista, e os metais de João Vianna (trompete) e Chico Amaral (saxofone) complementa a fórmula das canções com um solo de Samuel como destaque sonoro, e também a marcação rítmica de Ferretti sem decepcionar a gente; para a próxima faixa, usamos como exemplo as manifestações pró-impeachment de Collor e uma das faixas que embalou foi In(dig)nação, um reggae bem mais forte e mostra a reação daquela juventude com o Brasil e faz citações a Carlos Cachaça, Moreira da Silva e até mesmo torcidas de clubes importantes de futebol - esta canção acabou por se tornar um dos primeiros grandes hits da carreira do grupo; na sequência, uma introdução marcada por ritmos dando a deixa para Salto no Asfalto, um tema que mostra uma energia e com uma parte da bateria que têm cara de programada - fala sobre a blusa meio aberta, as mil ideias na cabeça pra sufocar a solidão, o peixe tubarão - e Samuel não erra feio na hora de arrasar na guitarra, isso é garantido; em seguida, vamos para a música que envolve os animais, a vida de um mamífero descendente leva uma pegada irreverente em Macaco Prego, que ainda apresenta uma breve citação aos Rolling Stones, o "pleased to meet you" do refrão de Sympathy For The Devil, aqui mantêm toda a pegada do dancehall presente; ainda sobra tempo para covers brilhantes em português do poeta de Duluth, e é I Want You, do duplo Blonde on Blonde (1966) que é convertido por Amaral em Tanto, uma bela versão em português para o tema de Bob Dylan - na parte musical, nenhum tropeço ao longo desta; dentre os destaques do repertório do álbum, ainda temos aqui Homem Q Sabia Demais, a história de um sujeito totalmente sabido e cheio de conhecimento, virou um sucesso instantâneo e embalou muitas festas não só em Minas, obviamente, e têm uma base sonora bem construída; sem enrolação pra falar sobre o álbum, rola ainda um momento de canções em inglês, mas não da autoria de Samuel - Let Me Try Again é nada mais que uma cover de uma das canções de Paul Anka e também gravada pelo próprio Sinatra, a alquimia sonora deles funciona nessa cover; não perdendo tempo em falhar, eles ainda acertam em cheio na música Baixada News, contando a história de uma mulher que vive na Baixada Fluminense que se mostra independente e vai trabalhar no mangue de Magé (RJ) e com uma levada mais tradicional do reggae e traz trechos de um programa de rádio, o Itatiaia Patrulha, transmitido pela Rádio Itatiaia (BH) que aparecem no final da música direto; ainda temos temas bem divertidos pela sonoridade, e que mostram uma visão sobre o amor, Réu e Rei é a forma como o eu-lírico está se sentindo ao estar apaixonado pela pessoa amada, nos versos iniciais cita o icônico saxofonista de jazz John Coltrane e o sambista Noel Rosa, a banda não se perde nas melodias - mais um ponto aqui para o Skank, ou um golaço pra valer; adiante, uma narração de futebol mostra o que surgirá na próxima faixa deles, e aqui eles interpretam o tema de Jorge Ben, a narrativa futebolística de Cadê o Penalty? já pode ter antecedido o grande clássico que mostra essa paixão do grupo pelo esporte na brilhante É Uma Partida de Futebol três anos depois, assim como na versão do mestre do samba rock, aqui também há um tanto de suingue no arranjo e é mais outro gol - desta vez de placa - da banda que leva a torcida ao delírio; encerrando definitivamente esta estreia brilhante do quarteto mineiro, uma versão dub de Salto no Asfalto que levou o singelo nome de Caju Dub, por levar o nome do ídolo de clubes como Botafogo, Fluminense e Grêmio entre outros, Paulo César Caju, que, segundo a banda em entrevista à Placar, souberam que ele gostou da homenagem mais que merecida neste dub instrumental que fecha com chave de ouro o primeiro trabalho dessa mineirada boa dimais, sô!
O Brasil começou a se redescobrir com novas bandas de rock, através deles, dos Raimundos, Chico Science & Nação Zumbi, Pato Fu, O Rappa, Planet Hemp, Charlie Brown Jr., Mundo Livre S.A., Penélope, Cidade Negra entre outros e o Skank fazia parte da trinca mineira de grupos que se revelaram nessa década - tal como Jota Quest e Pato Fu. Em janeiro de 1994, estava rolando a sexta edição do Hollywood Rock, e o Skank estava no terceiro dia da atração, seguidos de Fernanda Abreu, Jorge Ben Jor e Whitney Houston nos dias 16 em São Paulo e no dia 23 foi a vez dos cariocas na Praça da Apoteose ir ao delírio com os mineiros. Meses depois do festival, a banda entrava em estúdio e gravava seu segundo álbum e o grande sucessor na carreira deles, intitulado Calango - mas aí já é uma outra história. O primeiro abriu o terreno para o sucesso do grupo, ainda com uma influência forte do ragga e dancehall, mas começaram a expandir sua música além destes gêneros nos álbuns seguintes, e em 2018 reviveram os álbuns Skank, Calango mais O Samba Poconé em uma turnê que rendeu um CD e DVD intitulado Os Três Primeiros para matar a nostalgia de muita gente que viveu a época dos primórdios do conjunto.
Set do disco:
1 - Gentil Loucura (Affonso Jr./Chico Amaral) 
2 - In(dig)nação (Samuel Rosa/Chico Amaral)
3 - Salto no Asfalto (Samuel Rosa/Fernando Furtado)
4 - Macaco Prego (Samuel Rosa/Chico Amaral) 
5 - Tanto (I Want You) (Bob Dylan/versão de Chico Amaral)
6 - Homem Q Sabia Demais (Samuel Rosa/Chico Amaral) 
7 -  Let Me Try Again (Caravelli/M Jourdan/Paul Anka/Sammy Cahn) 
8 - Baixada News (Samuel Rosa/Chico Amaral) 
9 -  Réu e Rei (Samuel Rosa/Chico Amaral)  
10 - Cadê o Penalty? (Jorge Ben)
11 - Caju Dub (Samuel Rosa/Fernando Furtado)

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