Um disco indispensável: Innuendo - Queen (Parlophone/EMI Music, 1991)

24 de novembro de 1991: um dia depois de declarar à imprensa que tinha AIDS, falecia aos 45 anos vítima de uma pneumonia em decorrência da AIDS, o vocalista do conjunto musical Queen, Freddie Mercury. Pouco se sabia da saúde do cantor, ele havia deixado de fazer shows em 1986 com o grupo, mas não de fazer discos, em 1987 havia lançado um single solo, que era a versão dele para o clássico do grupo The Platters dos anos 50, The Great Pretender - e nas cenas do clipe se notou a ausência do icônico bigode que fazia parte da imagem dele desde 1980 - e depois surgiu o convite para fazer um tema especialmente para os Jogos Olímpicos de Barcelona em 1992, e ao lado dele estava a cantora lírica Montserrat Caballé no que se resultou o projeto Barcelona, lancado em 1988 - mas ele não viveu a tempo das Olimpíadas já. E quanto ao Queen? O grupo que o aclamou como um vocalista performático, irreverente, genial e a cabeça criativa que não parava de trabalhar com tantas ideias em mente? Pois bem, o vocalista não parou, e logo voltou a trabalhar com o grupo um ano depois de um breve período de descanso onde os integrantes se dedicassem a outros projetos - o guitarrista Brian May mais o baixista John Deacon e o baterista Roger Taylor retomaram as atividades musicais da banda junto de Mercury em janeiro de 1988, ainda que Freddie estivesse trabalhando no projeto Barcelona e Taylor com sua banda The Cross - as gravações do próximo álbum do Queen duraram um ano e foi ali que Freddie noticiou aos colegas que tinha a doença, a partir daí também as composições passaram a ser assinadas como do conjunto inteiro, e seguiriam trabalhando incansavelmente com novas canções - mantendo essa conectividade física dos quatro em estúdio. Em maio de 1989, chegou às lojas o 13° álbum de estúdio intitulado The Miracle, e o resultado superou as expectativas - pra quem esperava uma coisa semelhante aos discos anteriores, The Works (1984) e o icônico, porém mediano A Kind of Magic (1986) que contavam com muitos elementos mais pop, cheios de sintetizadores e que levou alguns hits desses dois discos mais pras pistas de dança, mas agora eles retomaram ao conceito das sonoridades proporcionadas ainda nos anos 70. Se for parar pra pensar, muitas das canções valem muito a pena, em especial o grande hit deste álbum, que é I Want It All - com seu peso sonoro e os coros, e Breakthru mostrava uma banda em voga mesmo, assim como na faixa-título - vista como uma das mais complexas e assinada por Mercury e Deacon. Ainda sobrou tempo até mesmo para fazer um desabafo sobre o isolamento e a perseguição midiática em torno da saúde de Freddie através de Scandal, e a essência da criatividade na hora de fazerem The Invisible Man - um dos sucessos deste álbum.
Em 1990, no dia 18 de fevereiro, a banda deu um tempo nas gravações de mais trabalhos para um próximo álbum iniciadas em março de 89 para receberem um prêmio do Brit Awards importante de Contribuição Excepcional para a Música. Quem teve mais palavras para dizer foi May, que inclusive agradeceu a indústria britânica de petróleo, Freddie disse somente "obrigado e boa noite" e foi notado por muitos que ele estava visivelmente diferente - mais magro e mais discreto, se provou que a saúde dele era preocupante. Por mais que a aparição de Freddie com o grupo tenha sido sua última aparição pública em um evento, nos bastidores das gravações o negócio era ir em frente e não parar com a música. O próximo disco era muito esperado, as sessões foram no Metropolis Studios em Londres e no Mountain Studios em Montreux, na Suíça com David Richards na produção durante o longo período de março de 1989 - após o término de The Miracle - e prosseguiram até novembro de 1990, pois o álbum era para ser lançado no final do ano e buscarem aproveitar a época de Natal para obterem um número grande de vendas, mas, com o quadro de saúde do vocalista ficando mais frágil, o momento era de adiar. Em 4 de fevereiro, as lojas do mundo inteiro recebiam o novo trabalho do grupo que levava o nome de Innuendo - na capa, uma ilustração de Jean Gérard Grandville (1803-1847) um artista francês que mostrou no seu pouco tempo de vida grandes obras, como a da capa - Juggler of Universes (Malabarista dos Universos) tendo algumas modificações, como a de uma banana no lugar de uma estrela e vendo o personagem da capa ele lembra até o Louco, personagem da Turma da Mônica dos quadrinhos. No encarte, temos uma recriação das fotos dos 4 integrantes da época de The Miracle com ilustrações de Angela Lumley em cima destas fotos onde temos Brian com sua cabeleira estilo Medusa e uma máscara caindo, Roger usando um gorro de mago cheio de estrelas e sóis na sua veste, John como um bobo da corte tendo o gorro e a adição do cabelo e da barba grisalha, e por último, Freddie com uma roupa xadrez rodeado de gatos - uma de suas maiores paixões. 
O álbum se inicia com um rufar de tambores que é a deixa inicial para a faixa Innuendo, que ganha um peso roqueiro e com seis minutos e trinta e cinco segundos impressionantes recheada de variações de sonoridades, aos 2:44 da música ganha um violão melódico tocado por Steve Howe dando um show num momento Paco de Lucía mandando uma levada flamenco e traz rock clássico, seguido de interlúdios de diversas nuances - é visto como uma irmã mais nova de Bohemian Rhapsody pela sua concepção sonora - e agrada de jeito quem curte; na sequência, vamos para uma das músicas que eu mais curto desse álbum, I'm Going Slightly Mad, com um quê de rock puro misturado com a vibe gótica, basicamente um darkwave com essa estrutura densa e a letra trata sobre o isolamento do eu-lírico com as suas alucinações e vista como um reflexo do estado emocional do vocalista, que manda muito nos tons graves - o clipe em que Mercury parece um clown gótico e suas diversas cenas irreverentes trazem uma banda relaxada e brincando no ambiente da letra; das músicas que foram basicamente recicladas especialmente para o álbum, uma de Brian encontrou um espaço aqui, e esta foi Headlong, um rockão de peso escrita por May ainda 1983 para o Star Fleet Project, e que Mercury acabou por gostar dela após o guitarrista cantá-la, tem todo aquele clima de rock de arena, uma guitarra forte e o baixo chapante, a batida bem marcante faz o Queen soar como uma banda de hard rock dos 80 nesta música e funciona; e quer mais rockão de qualidade do Queen? Segura que esta próxima é sonzeira garantida! Quando ouvimos os primeiros acordes e o coro de I Can't Live With You bota a banda no caminho certo, a melodia de base ajuda a manter a essência, escrita por May para seu álbum solo, os três interessaram em trabalhar nessa canção sobre uma relação complexa aqui; mais adiante, temos algo mais sofisticado e cheio de agudos vocais de Freddie presentes em Don't Try So Hard, que é também recheada de falsettos e uma orquestra de cordas feitas no sintetizador ajuda a dar esse toque para a canção, e os momentos mais agressivos da sonoridades também dão essa energia presente na construção de melodias que nós ouvimos ao longo desta; para a próxima música, temos um acerto em cheio de Roger Taylor com sua Ride The Wild Wind, movida por muitos sintetizadores e uma velocidade bem acelerada no ritmo da canção que pode nos proporcionar um ambiente de ficção científica ao escutarmos a música; ainda sobra tempo para canções com fortes mensagens pacifistas na parte poética, esta foi escrita por Mercury ao lado de Mike Moran ainda em 1988 para o álbum com Caballé, All God's People é uma daquelas canções de se impressionar com o arranjo e os vocais que carregam um quê de gospel, passa até batido, mas lembra um pouco aquele estilo dos corais feitos nos anos 70 com direito a um dos melhores acordes de guitarra tocados por May ajudam a manter essa mensagem em construção eterna, e termina com um instrumental mais profundo; e o álbum ainda apresenta uma canção que soa bela pelo arranjo e emocionante, These Are The Days of Our Lives é um daqueles temas que carrega uma sensação nostálgica e que parce fazer uma referência à vida do cantor, com um arranjo mais soft, que lembre até bolero latino, o clipe todo em preto-e-branco foi o último que Freddie fez, e esconde um pouco da sua fragilidade física e emocional durante a luta contra a enfermidade; como muitos de nós sabemos, Mercury era um apaixonado por gatos, tanto é que esta paixão pelos bichanos acabou rendendo certas canções, como no caso de Delilah, feita para uma de suas gatas de estimação, esta música tem uma melodia mais alinhada nos arranjos, e é quase despercebida no repertório, ainda conta com alguns miados no meio da canção, é claro; na sequência, o peso sonoro da banda ainda se garante com The Hitman, a gente ouve e nota que parece ter sido feita nos anos 70, e a guitarra se sai muito perfeita, nos faz se sentir gratos com uma pérola destas presente aqui; antes que o baile acabe - ou melhor dizendo, o disco termine, o Queen prova sua forte resistência ao tempo e mostra uma bela peça sonora na faixa Bijou, trazendo no arranjo cordas elétricas servindo de acompanhamento para a guitarra de May e a voz de Freddie que canta sobre a eternidade sobre a relação entre duas pessoas: mas, ele estaria falando dele e de sua eterna paixão Mary Austin ou do seu namorado Jim Hutton, com quem tinha um romance desde 1985? Esta é uma dúvida difícil de entender. Para encerrar com classe, a música que acabou por tornar-se a carta de despedida de Freddie neste universo: The Show Must Go On é daquelas canções que nos fazem emocionar, a mensagem que ele deixa (por mais que tenha sido escrita por May), a forma como o arranjo dela é executado aqui, e ele ainda gravou a sua voz num take , bebeu uma garrafa de vodka, foi ao microfone e mandou ver, o clipe desta são com imagens de arquivo com cenas de clipes e shows por volta de 82 até 1991 - possivelmente feita para a compilação Greatest Hits II, pois àquela altura, a saúde dele já não estava o comprometendo a se manter no pique como sempre esteve. Mas ele deixou seu recado "I have to find a way to carry on with the show" ele tinha de achar um jeito de prosseguir com o show - mas o show do Queen nunca deve parar.
Freddie seguiu trabalhando até junho, quando já não havia mais condições de poder cantar e sua última gravação foi em junho com Mother Love, e depois passou o resto de seus últimos meses acamado, sob os cuidados de Hutton e com Mary presente, e em 24 de novembro ele faleceu de pneumonia em decorrência da AIDS enquanto mudavam a roupa de cama do vocalista. Em 20 de abril de 1992 foi feito um concerto em tributo à ele tendo além da indispensável presença dos 3 integrantes remanescentes do Queen, diversos nomes como George Michael, Guns N' Roses, Elton John, Lisa Stanfield, Robert Plant, David Bowie, Metallica dentre outros em um Wembley Stadium lotado para reverenciar um dos maiores artistas do século XX, com os lucros do evento revertidos para o Mercury Phoenix Trust, fundação que ajuda a combater a Aids pelo mundo. O disco carrega uma atmosfera sombria e profunda que não mostra um clima deprê demais, mas a forte presença de elementos sonoros deixa este álbum com um ecletismo incrível que lembra o grupo nos anos 70. Enfim, o show deve continuar!
Set do disco:
1 - Innuendo (John Deacon/Brian May/Freddie Mercury/Roger Taylor)
2 - I'm Going Slightly Mad (Freddie Mercury)
3 - Headlong (Brian May)
4 - I Can't Live With You (Brian May)
5 - Don't Try So Hard (Freddie Mercury)
6 - Ride The Wild Wind (Roger Taylor)
7 - All God's People (Freddie Mercury/Mike Moran)
8 - These Are The Days of Our Lives (Roger Taylor)
9 - Delilah (Freddie Mercury)
10 - The Hitman (Freddie Mercury)
11 - Bijou (Brian May/Freddie Mercury)
12 - The Show Must Go On (Brian May)

Comentários

Mais vistos no blog