Um disco indispensável: Private Eyes - Daryl Hall & John Oates (RCA Victor, 1981)

O começo da década de 80 trazia uma forte série de mudanças importantes - a onda conservadora nos EUA sob a administração de Ronald Reagan, os últimos suspiros de Brejnev como presidente da União Soviética, a abertura política e a redemocratização nos países latinoamericanos que viviam sob administrações militares, os avanços tecnológicos que ajudariam a estarmos mais perto do futuro e do século XXI e o surgimento da MTV - o canal de música que conseguia unir a estética de imagem e som através dos videoclipes. Ali, o mundo veio a conhecer os diversos nomes da música e se encantar com as obras de arte que eram os clipes de artistas como The Police, Madonna, Culture Club, REO Speedwagon, Iron Maiden, Dire Straits, Cyndi Lauper, Van Halen, Eurhythmics, Prince, David Bowie, e o artista que conseguiu fazer história dentro da emissora - o próprio Michael Jackson, que inovou no conceito das superproduções de orçamentos gordos os videoclipes. Uma dupla que não pode ser esquecida dentro da história da emissora é Daryl Hall & John Oates, ou simplesmente Hall & Oates - surgida no final dos anos 60, quando os jovens Daryl Franklin Hohl e John Willam Oates se encontraram pela primeira vez em Filadélfia no Adeplhi Ballroom naquele embalante ano de 1967 - cada um tinha seu grupo, enquanto Hall fazia parte dos Temptones, Oates integrava os Masters, e a amizade foi unindo aqueles dois rapazes, e cinco anos depois assinam com a lendária Atlantic Records - pela qual lançam 3 discos. O primeiro, intitulado Whole Oats contava com Goodnight and Goodmorning como o principal single deste álbum, mas havia lá também All Your Love, Fall in Philadelphia, They Needed Each Other e Lazyman como os temas que mais se destacam. Aí vem o segundo LP, que levava o nome de Abandoned Luncheonette, impulsionado pelo grande estouro de She's Gone, que ajudou eles a conquistarem o topo das paradas americanas e também europeias. O terceiro já teria uma pessoa diferente na produção, pois seus dois primeiros LPs tiveram Arif Mardin nessa parte, agora era a vez do genial Todd Rundgren cumprir a missão de ajudar a dupla a criar um excelente sucessor, e lógico que War Babies conseguiu esse objetivo, apesar de Can't Stop The Music (He Played It Much Too Long) não ter sido um grande sucesso, como foi She's Gone, é claro. Mas, tudo começa a mudar de vez a partir de 1975 quando trocam a Atlantic pela RCA Victor, da qual faziam parte do cast David Bowie e Lou Reed, além do icônico Elvis Presley, que fez história dentro da gravadora. E foi dentro da RCA onde o sucesso realmente cresceu, começando com o álbum de 1975 que tinha o nome de Daryl Hall & John Oates ou o Álbum Prateado, que contava com o mega-hit Sara Smile e também de Alone Too Long, outro grande clássico deste álbum - o salto necessário pra carreira de ambos foi na RCA de vez. Depois vieram outros sucessos, como Rich Girl (1976), Don't Change (1977), You Must Be Good For Something (1977), Why Do Lovers Break Each Other's Heart? (1977), It's a Laugh (1978), Don't Blame It On Love (1978) até chegarem em 1979 no álbum X-Static, que é onde a dupla começa a incorporar mais sintetizadores e se inovarem com a sonoridade, pegando carona ainda na disco music como muitos artistas à época. O sucesso de Wait For Me, do já citado álbum de 1979, mostrou uma grande inovação na carreira da dupla, e a partir daí, uma fase mais importante com sucessos atrás de sucessos e vendagens bem maiores, tudo isso já no nono LP da dupla, o aclamado Voices, de 1980 - apresentou ali Kiss on My List, a bela You're Lost That Loivin' Feelin' e a dançante e pra cima You Make My Dreams - o grande sucesso deste álbum, além de Everytime You Go Away - que só ficou mais popular depois que Paul Young a gravou em 1985 e se tornou um grande sucesso mais na versão deste do que na de Hall & Oates, obviamente.
Desde que entraram na RCA, a dupla começou a melhorar mais a forma de fazerem música, inovarem com o uso dos sintetizadores, da bateria programada, e também assumirem a produção de seus materiais - serem mais autorais não somente nas composições, mas também produzirem os materiais, o primeiro disco a contar com a produção autoral foi o Álbum Prateado de 1975, e em Voices eles já tinham acertado em cheio no comando da produção. A missão deles em 1981 era lançarem um forte sucessor de Voices, e eles entraram em estúdio no Electric Lady em New York nos meses de março a junho de 1981 com o produtor Neil Kernoon e acompanhados do super-time de músicos que o acompanham, como o saxofonista Charles DeChante, o baterista Jerry Marotta, o guitarrista solo G.E. Smith, o baixista John Siegler, o tecladista e programador Larry Fast formando a principal banda de apoio desta dupla maravilhosa. Além destes, outros músicos também participaram destas gravações ao longo da primavera de 81 que originou o clássico Private Eyes, lançado no 1º de setembro e já mostrou uma dupla totalmente conectada ao pop sintetizado, ao new wave e ao rock de arena inclusive. Abrindo o disco, já temos de cara o hit totalmente pop rock dos 80, Private Eyes soa como uma espionagem de alguém e isso é notado nos primeiros versos "I see you and you see me", destaco também a guitarra e a bateria tocada - um clima meio 1984 (livro de George Orwell) total - alguma inspiração? Na sequência, a dupla chega com mais outra pedrada, e esta é Looking For a Good Sign - com uma boa introdução de baixo e os arranjos vocais mostram o perfeccionismo deles, e no encarte eles dedicam aos Temptations, conjunto vocal de soul dos anos 60 e influência forte para a dupla, e não perdem o rumo aqui; em seguida, vêm o grande hit da carreira, talvez o tema que podemos considerar de vez como O CLÁSSICO de Hall & Oates, lógico que estamos falando de I Can't Go For That (No Can Do), com seu solinho de teclado embalante que já reconhecemos logo de cara, o groove do baixo e a batida programada mostrando todo o clima proporcionado - sem esquecermos de destacar aqui o solo de saxofone de Charlie DeChante, em que ele mostra estar conectado com o restante da base mandando ver, o hit já foi sampleado por nomes como De La Soul, Public Enemy, Black Eyed Peas, Simply Red dentre outros - o mais sampleado dos temas deles; o próximo tema mostra não só o papel de Hall como voz principal e autor, mas também de Oates, e ele traz aqui Mano a Mano - na qual mostra-se preocupado com as pessoas e o mundo naquela época e pede para todos se unirem, nada mal, o simples refrão hispânico funciona aqui sem problemas; outro grande tema de destaque convertido em hit da carreira deles também aparece aqui, sem errar feio no arranjo e na letra, Did it In a Minute mostra de cara o melhor da banda que o acompanha, e haja talento para esses músicos - a canção têm todos os elementos básicos dos anos 80 aqui; abrindo o lado B, o repertório da banda já nos dá um guia para onda totalmente pop rock oitentista e Head Above Water apresenta um ritmo mais no estilo rock de arena, uma guitarra bem forte e sintetizadores que ajudam a manter a essência - nada mal; o álbum apresenta alguns temas que passam bem batido, mas não por quem realmente gosta do som deles, e Tell Me What You Want traz um excelente arranjo, a voz de Hall não faz feio e a parte rítmica faz um grande destaque aqui -e é aqui onde a guitarra mais aparece do que os sintetizadores e - obviamente dá pro gasto aqui; adiante, no repertório deste álbum ainda contamos com um rockão de peso escrito por Oates - e esta é Friday Let Me Down e o eu-lírico se sente mal em busca de respostas de um rolê de final de semana com uma garota, mas dela ouve a mesma resposta automática da caixa postal e isso meio que o deixa desanimado, e dá-lhe guitarras desfilando plenamente aqui; e o baile de canções de qualidade da dupla aqui segue, agora com algo mais perfeito no arranjo, e Unguarded Minute mostra aquela alquimia sonora de new wave com boas doses de synthpop - e a letra fala sobre as mudanças e a vontade de abraçar a amada fortemente, nada que soe péssimo ao escutarmos; em seguida, a dupla apresenta outro tema que se destaca muito aqui, o arranjo traz referências latinas na percussão e o bom suingue de Your Imagination não deixa perder o primor das canções, Hall & Oates acertaram em cheio aqui também, a música é um hit e tanto; para fechar este álbum, a dupla oferece para nós aqui uma de suas melhores composições neste álbum, e Some Men traz na letra a explicação de que nem todos os seres humanos do sexo masculino pensam e agem iguais, que uns preferem colecionar animais, os outros preferem assistir televisão e é isso que a dupla quer explicar às mulheres nessa canção, o bom é o clima rock que se manteve presente no arranjo, e fecha com chave de ouro o melhor trabalho desta dupla sertaneja do pop oitentista.
1981 foi realmente um grande ano para Hall & Oates, e o sucesso deste álbum ajudou-os a sair em mais uma grande tournée levando multidões ao delírio - e seus clipes acabaram ajudando muito a popularizar a MTV, que até 1982 não exibia artistas negros - o que só foi mudado graças a Michael Jackson, mas aí já é uma outra história. Nos EUA natal, Private Eyes conseguiu vender mais de um milhão de cópias (imagina o que já deve ter vendido nos tempos de hoje) alcançando o 5º lugar no Billboard Hot 200, e críticos viram como o grande momento criativo e o ápice da sua carreira, assim como seu sucessor, o brilhante e também autêntico H2O, mas este também outro assunto. Passam os anos, a dupla consegue construir um culto em torno de sua obra valorizada não só pelos fãs sempre presentes, mas por jovens que o redescobriram ao longo dos anos.
Set do disco:
1 - Private Eyes (Sara Allen/Jana Allen/Daryl Hall/Warren Pash)
2 - Looking For a Good Sign (Daryl Hall)
3 - I Can't Go For That (No Can Do) (Sara Allen/Daryl Hall/John Oates)
4 - Mano a Mano (John Oates)
5 - Did it In a Minute (Sara Allen/Jana Allen/Daryl Hall)
6 - Head Above Water (Sara Allen/Jana Allen/Daryl Hall)
7 - Tell Me What You Want (Sara Allen/Daryl Hall)
8 - Friday Let Me Down (Sara Allen/Daryl Hall/John Oates)
9 - Unguarded Minute (Sara Allen/Daryl Hall/John Oates)
10 - Your Imagination (Daryl Hall)
11 - Some Men (Daryl Hall)

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