Um disco indispensável: Que País é Este - Legião Urbana (EMI Music, 1987)

Em 1978, o punk rock era mania no mundo todo, graças a bandas comk Ramones, Sex Pistols e Clash - as 3 principais dos cenário. No Brasil, não havia um grande impressão do movimento, embora algumas matérias e até algumas coletâneas divilgassem sobre o punk - embora ainda vivêssemos o momento de que as coisas não estavam bem no sentido político, econômico e social, embora acabasse boa parte dos anos de repressão do AI-5, a administração militar do governo balançava, mas não caía. Naquele mesmo 1978, um rapaz que dava aulas de inglês e sonhava em ser uma estrela do rock n' roll chamado Renato Manfredini Junior se juntava aos irmãos Flávio e Felipe Lemos mais um sul-africano chamado André Frederik Pretorius, filho de um embaixador da África do Sul em solo tupiniquim que Renato conheceu no bar Taverna, na região da Asa Sul em Brasília, e, era visto como um semelhante à Billy Idol, só que mais bonito, segundo uma moça que acompanhava a trupe. E foi em 78 que Renato, Pretorius, Fê e Flávio formavam o Aborto Elétrico, que fazia um barulho e já tinha suas letras autorais, porém, um baque: Pretorius saiu da banda em 1980, pois teve de servir o exército de seu país que vivia o pavoroso apartheid - a carreira acabava ali, apesar de o grupo ter sido também um dos primeiros da Turma da Colina, formado por jovens filhos de professores que viviam num conjunto de quatro prédios para o Lago Norte, por isso a região é chamada de Colina e o resto, muita gente já sabe. Acontece, que, após alguns shows, Renato se atrasou durante um show em uma cidade do Distrito Federal e isso causou uma treta entre ele e Fê Lemos. Tempos depois, decreta o fim da Aborto Elétrico, os irmãos Lemos formaram o que é hoje o Capital Inicial, mas, Renato decidiu tentar apostando suas fichas fazendo um show voz-e-violão chamado Trovador Solitário, bem no estilo folk, mas, após esse período, em 1982, Renato e Marcelo Bonfá formam a Legião Urbana inicialmente com um revezamento de músicos, e com uma breve passagem de Ico Ouro Preto, em seu lugar entrou um outro guitarrista talentoso de nome Dado Villa-Lobos: pronto, aí estava a banda que conquistaria o Brasil através de suas canções. E logo depois, deixam a capital federal para tentarem a sorte no Rio de Janeiro que efervescia culturalmente e com uma ajudinha de Herbert Vianna, Renato têm duas músicas no LP de estreia dos Paralamas - o bom Cinema Mudo, dentre estas, uma que foi composta nos tempos de Aborto: a moderna Química, e, graças a uma ajudinha do produtor Mayrton Bahia, eles conseguem um contrato com a gravadora EMI, que tinha em seu cast artistas do momento, como os próprios Paralamas, o fenômeno pop Blitz e o grupo Herva Doce que ajudaram a fazer a trilha sonora do Rock Brasil dos anos 80.

Dois anos depois disto tudo, com um disco de estreia lançado nos primeiros dias de 1985 que passou batido inicialmente com o boom do festival Rock in Rio, mas que obteve uma enorme repercussão por meio dos hits Será, Ainda é Cedo, Por Enquanto e também o hino da redemocratização Geração Coca-Cola - algo que precisava ser ouvido pelos jovens naquele momento - e fez da banda um sucesso absoluto, com Renato, Dado, Bonfá e o baixista Renato Rocha, conhecido como Negrete se tornarem a nova onda do pop rock nacional. Depois disso, veio o segundo LP da banda, que originalmente era para ser um trabalho duplo de nome Mitologia e Intuição, mas, a EMI não foi muito com a ideia e o disco permaneceu simples, assim foi feito o Dois - este já um grande fenômeno de sucesso, marcado por outros grandes hits da carreira da banda, como Tempo Perdido, "Índios", Quase Sem Querer e a belíssima Eduardo e Mônica - apenas Renato voz-e-violão no melhor estilo Trovador Solitário, e ainda alcançou a marca de mais de 1 milhão de cópias vendidas, o que favoreceu mais ainda o sucesso da banda. Agora, estamos em 1987, e a banda parecia viver nadando em um mar de dinheiro, mas a realidade aqui é outra, enquanto a gravadora esperava ansiosamente por um novo disco, pois estavam entre as novidades do planejamento anual. Renato passava por uma crise criativa - e isso mostrou que não tinha nada a oferecer de canções novas, fora os boatos de que a Legião iria se seprar, a saída de Fernanda Villa-Lobos do caro de empresária (o fato de ser esposa do Dado e disso ter alguma interferência na relação dele com o resto da banda) fez com que a banda quebrasse o silêncio e fizesse mais um disco. Com isso, eles entraram em outubro de 1987 nos estúdios da EMI em Botafogo, na Cidade Maravilhosa com o mesmo Mayrton Bahia à frente do papel de produtor, assim como a banda que sempre sabia o que queriam colocar, Renato trouxe diversas composições escritas por volta de 1978 até 1986 - ou seja - músicas dos tempos de Aborto Elétrico e do Trovador Solitário engrossavam o caldo e recebeu o nome de Que País é Este lançado em 7 de dezembro de 1987, e o subtítulo de 1978/1987 - na capa, rostos sérios dos 4 clicados por Ricardo Junqueira, e no livreto do encarte do LP trazia além de uma série de fotografias e ilustrações feitas por Marcelo Bonfá, que, além das baquetas, mostrou um lado artista bem diferente, inclusive, uma história em quadrinhos sobre a origem da Legião envolvendo o guitarrista Paulista e também o próprio Ico Ouro Preto, além de mostrar textos sobre as canções escritas pelo próprio Renato como uma espécie de press-release - uma boa sacada de marketing legionária, diga-se de passagem.

Com uma letra totalmente politizada, versos que mostravam a realidade de um Brasil de 78 e ainda de 87 em meio ao governo Sarney, ela foi composta há 40 anos e soa mais atual do que nunca, Que País é Este faz jus às canções de protesto da Legião e traz uma atmosfera totalmente punk rock, a guitarra soa crua como nos anos 80 - embora tenham sido acusados de plágio, pois disseram que a melodia foi extraída de I Don't Care, dos Ramones, e, tanto é que Renato respondeu as provocações dizendo "eu não ligo" (título da música em português);  na sequência, a banda não poupou esforços e lançou uma pedrada musical e temos então Conexão Amazônica, que transborda discursos sobre filosofia em mesa de bar, algo muito comum para a moçada que curte o tema - universitários em especial, e é a letra mais engajada, embora haja citacitações sobre drogas, ela foi proibida pela censura quando lançada, e traz outro grande momento de Dado como guitarrista em um riff marcante de vez; logo adiante, ainda temos mais pérolas dos tempos de Aborto, uma destas é Tédio (Com Um T Bem Grande Pra Você) apresenta fortes características sonoras do punk rock - como a bateria e a guitarra dando pau aqui e fazendo bonito, a letra remete à juventude dos brasilienses - uma vez que os primeiros versos são "Moramos na cidade, também o presidente" logo uma clara referência; mais adiante, vamos deixando o peso e a agressividade de lado, partindo para um reggae, meio Police, meio Clash com uma pegada bem dançante em Depois do Começo que lembra até a sonoridade dos Paralamas ali com um letra bem nonsense, sem perder o rumo da música, a guitarra aqui novamente se destaca pela melodia que marca a parte musical, mostrando a genialidade de Dado Villa-Lobos obviamente; composta ainda nos primórdios, a letra de Química surgiu como uma pedrada para aqueles que viviam a pressão familiar de passar no vestibular, ela foi gravada no 1° LP dos Paralamas, mas esta é uma senhora versão que rende notoriedade, totalmente a cara do Aborto Elétrico pelo espírito punk na música, e lembra alguma gravação da primeira metade dos anos 80 até; e ajudando a banda a fazer um belo trabalho no repertório do disco, temos aqui um dos grandes hits do álbum, conhecida dos shows pelo nome que abria a canção - Sexo Verbal - com uma coisa bem folk ao violão, mas com peso sonoro incluindo guitarra e bateria, e temos aqui Eu Sei, que é uma daquelas canções fáceis de puxar na roda de violão ou no karaokê e é considerada por muitos como a melhor canção da banda, bem construída - poeticamente e musicalmente, ela foi escrita por Renato antes de formar a Legião, e já foi regravada diversas vezes ao longo dos tempos; na sequência, temos um belo som de violão que dá a deixa para uma das canções mais longas do rock brasileiro e da MPB que se têm conhecimento - estamos falando logo de Faroeste Caboclo, com seus 9 minutos, 159 versos e nenhum refrão, Renato acertou em cheio na narrativa cinematográfica da história de João de Santo Cristo, do nascimento até a sua morte, mas, quando foi lançado, a censura foi mais forte - pois tocava no tema do tráfico, mas, houve rádios que tocassem a música e pagassem a multa (vide Bichos Escrotos dos Titãs no ano anterior), e estourou mesmo assim, sendo um dos temas que dominou as paradas em 1988 com direito até a performance no Globo de Ouro - o nosso Top of the Pops dos anos 70 e 80 - e em 2013 virou um filme digno de deixar Renato orgulhoso com uma bela adaptação para a sétima arte com Fabricio Boliveira, Ísis Valverde, Felipe Abib e César Troncoso nos papeis de Santo Cristo, Maria Lúcia, Jeremias e Pablo respectivamente... tá bom ou querem mais? O álbum ainda apresenta um forte tema que saía um pouco da questão ideológica das canções, carregando aqui um arranjo bem soft-pop baladista da época, Angra dos Reis trazia uma forte preocupação da banda em torno da usina nuclear de Angra dos Reis na praia de Itaorna à época e virou um clássico definitivo - esta era uma das músicas inéditas compostas, pois Mayrton queria que Renato criasse uma letra em cima de uma melodia do Bonfá feita ao piano, e sabendo que era possível, foi lá e fez (parafraseando Pessoa); e encerrando logo esta obra-prima do rock brasileiro e da MPB, um rock de peso pra não passar batido, Mais do Mesmo é a última do disco e inédita faz referência a uma das canções do Velvet Underground, e acaba sendo um ponto forte do repertório, o peso sonoro vêm com tudo aqui ao ouvirmos e encerra de vez essa bela magnum opus.
Visto que os anos 80 ainda não tinham acabado, a banda seguiu em tournée pelo Brasil afora, e com recordes de público - infelizmente, uma tragédia acabou com a festa legionária, e isto foi em 18 de julho de 1988 no estádio Mané Garrincha e logo no berço do conjunto musical: em Brasília, aonde Renato viu um fã invadir o palco e dar nele uma "chave de pescoço", seguido de muitos insultos do vocalista e um quebra-quebra no estádio, e foi a gota d'água - depois disso, nunca mais tocaram na cidade. Mas, nada impediu o fato de este álbum vender mais de 1 milhão de cópias durante 1988, e, foi o último LP de Negrete como membro da banda - saindo da banda por causa de problemas com bebidas e atrasos em concertos em 1989 antes da banda gravar o sucessor As Quatro Estações (que poderia render uma bela resenha mais adiante). É um daqueles LPs figura entre os melhores álbuns do rock brasileiro e dos anos 80, e marcou presença em uma lista da revista Al Borde nos 250 Melhores Álbuns Iberoamericanos ostentando um 114° lugar, e isto é uma prova de que os latino-americanos também nos compreendem com as mensagens de Russo & cia, que, mesmo sido feito há 31 anos atrás, soa cada vez mais atual do que nunca. Sempre.
Set do disco:
1 - Que País é Este (Renato Russo)
2 - Conexão Amazônica (Renato Russo/Fê Lemos)
3 - Tédio (Com Um T Bem Grande Pra Você) (Renato Russo)
4 - Depois do Começo (Renato Russo)
5 - Química (Renato Russo)
6 - Eu Sei (Renato Russo)
7 - Faroeste Caboclo (Renato Russo)
8 - Angra dos Reis (Renato Russo/Renato Rocha/Marcelo Bonfá)
9 - Mais do Mesmo (Renato Russo/Dado Villa-Lobos/Renato Rocha/Marcelo Bonfá)