London Calling - The Clash (Epic Records/CBS Records, 1979)

Se pudermos definir onde começou e onde terminou os anos 70, digamos que esta década começa em Altamont em dezembro de 1969, a tragédia no festival organizado pelos Rolling Stones que teve a presença dos Hells Angels como segurança, e terminou na morte de Sid Vicious em fevereiro de 1979 e no inesperado assassinato de um dos maiores nomes da música, talvez um dos maiores compositores do século XX: John Lennon, em 8 de dezembro de 1980. Para muitos, os anos 70 ainda nem tinham terminado de vez, de tão duradouro que foi, e tem outros que mal acordaram do sonho ainda, que acabou quando a desgraça citada, aconteceu, e olha que os anos 80 estavam começando de leve ainda. Mas, para não ficar nos fatos, na sua opinião, onde começam e onde terminam os 70 discograficamente? Na minha visão, os anos 70 abrem com In The Court of Crimson King, do King Crimson ainda de 1969, abrindo portas para o cenário do prog, e fecha ali com London Calling, do conjunto musical britânico de punk The Clash. Sim. Aliás, este mesmo álbum do Clash é que também abre os anos 80, pois ele foi editado nos Estados Unidos ainda no começo de 1980 - faz sentido, né? Ou será que não? O que importa mesmo é que este disco deu uma guia para a geração 80, que estava começando com a baixa da era disco, que rendeu um momento cômico quando dois DJs decidiram ajudar no declínio com a campanha "Disco sucks" (Disco é uma porcaria - tradução livre) e rendeu na queima de bolachinhas e bolachões que embalaram muitas noites, que iam além do Studio 54, em um estádio rolou a queima de vinis e acabou em barraco. O movimento punk estava naquela de balança, mas não cai, ainda que os americanos dos Ramones ainda estivessem lançando trabalhos interessantes, os Sex Pistols se desfizeram em 1978 e cada um seguiu seu rumo - John Lydon ou Johnny Rotten foi criar o Public Image Ltd. (PiL), Steve Jones e Paul Cook foram fazer sonzeiras com outros artistas e Sid Vicious acabou se envolvendo em confusão com sua mulher Nancy Spungen, e ela vêm a falecer sofrendo uma facada em 12 de outubro de 1978, o baixista é acusado de assassiná-la, mas até hoje não se encontrou provas suficientes - e em 2 de fevereiro de 1979 ele é encontrado morto vítima de uma overdose - o mais rebelde dos punks dizia adeus. Das poucas bandas que se mantinham ativas no cenário punk, os ingleses do Clash resistiram ao final da década, juntamente do Damned, dos Undertones, Jam entre outros, e vinham de uma boa série de 2 LPs excelentes - a estreia massacrante de 1977 com The Clash e também o cru e agressivo Give'em Enough Rope, editado em novembro de 1978 marcando a chegada de Topper Headon na bateria para se juntar à Paul Simonon no baixo mais os vocalistas e guitarristas Mick Jones e Joe Strummer, os cabeças do grupo - e o LP ainda apresentou o grupo aos EUA, dali em diante tudo foi mais pra frente.
Corre o ano de 1979, o mundo estava sofrendo diversas alterações constantes, enquanto Jimmy Carter, o presidente estadunidense visitava os países latino-americanos que estavam sendo govermados por militares - 50 anos depois da Grande Depressão, a crise em alguns lugares do mundo batia na porta, e a Inglaterra sofria uma mudança impactante na política: Margaret Thatcher era a primeira mulher a assumir o cargo de primeira-dama fazia linha de frente do neoliberalismo que a imortalizou como a Dama de Ferro até 1990 - com isto, o país rumou a uma situação que não agradaria muito boa parte dos ingleses e que seria retratado em algumas das maiores canções do Clash direcionadas ao país. Com todo o caos mundial, aberturas políticas (Brasil dando anistia aos que deixaram o país em meio aos anos de chumbo) dando sinais de esperanças, críticas ao capitalismo e ao sistema, além das temáticas de solidão, ódio, decepções com o mundo e também outros sentimentos ajudaram a construir as faixas do LP que sucederia tão bem Give'em Enough Rope, e com uma produção que ajudaria muito os 4 a visitarem contra tudo e todos: o nome de Guy Stevens acabou sendo uma boa opção, uma vez que tem longa experiência como DJ de rádio, produtor e empresário, trabalhou pela Sue Records e ajudou a lançar o conjunto Mott The Hopple no começo, e tinha agora a missão de produzir a nova obra de arte do Clash. Antes disso, uma pausa para colocar a situação que passava dentro da banda - a saída do empresário Bernard Rhodes, que foi demitido pelos próprios músicos, não popou que também deixassem o estúdio de ensaio que tinham em Camden Town - eis que surge uma solução vinda do gerente de tournée Johnny Green e o roadie de bateria Baker encontraram um novo recinto para poderem criar novas músicas, o Vanilla Studios, sitiado atrás de uma garagem em Pimlico - ainda que tivessem feito um EP no meio deste período, intitulado The Cost of Living, e depois, partem com Stevens para os estúdios Wessex, tendo o engenheiro Bill Price ajudando na produção e na captação de som do álbum no período de agosto a novembro de 1979 e eles se dedicaram de corpo, alma e coração ao novo projeto deles - que faria um grande estouro. Durante as sessões, o produtor ia ao estádio do Arsenal - passava e entrava antes de ir ao Wessex para ter sorte, o problema é que Jones e Strummer eram torcedores do Chelsea, e lidar com um produtor que era torcedor fanático do Arsenal trazendo alguma magia de lá do estádio deixava suspeitas no ar até. Stevens gritava no meio das sessões, arremessava as cadeiras do estúdio, fazia altas loucuras que parecem ter entrado em algumas faixas. No dia 14 de dezembro de 1979, chegava às lojas inglesas o LP duplo que se tornou a magum opus deles: London Calling, sujo, cru e agressivo, trazia um Clash que ia do punk ao jazz, mergulhava em gêneros como ska, reggae, funk, rockabilly, soul e até um pouco de two-tone, o ska que se desenvolvia no cenário britânico graças às bandas Specials e Madness em especial. A capa, soa como uma das mais icônicas do rock e da música como um todo, pois mostrava Paul Simonon destruindo seu baixo Fender Precision durante um concerto em New York na casa de espetáculos Palladium, fotografado por Pennie Smith - e, por pouco ela não libera a imagem para o uso na capa, pois achava que estava muito fora de foco para colocá-la, salva por Joe Strummer e pelo diretor de arte Ray Lowry, que acharam uma boa ideia colocá-la inserindo o letreiro da capa remete ao disco de Elvis Presley editado em 1956, o primeiro na RCA Victor - e entrou pra história como uma capa que acabou desconstruindo o rock, o punk e os anos 70 que estavam a terminar. 
Vamos começar com o disco 1 falando sobre a faixa que abre o LP, logo a totalmente crítica London Calling, marcada por uma base sonora que traz uma bateria marcante e uma guitarra empolgante, sem esquecer de destacar o baixo marcante de Simonon, a letra traz um pouco do ceticismo de Strummer, faz referências à tragédia nuclear de Three Mile Island e outros desastres são citados, eles ainda fazem zombação do estrelismo que se seguiu à explosão do punk, citando até a Beatlemania que não escaparam desta, como se falasse de que o movimento estava no fim definitivo; em seguida, a banda pega carona no estilo rockabilly e a guitarra prova bem isto, Brand New Cadillac - que não tem a mão de Jones e Strummer, mas sim de um cantor inglês chamado Vince Taylor, popular até meados dos anos 1960, quando, experimentou uma longa viagem ao deserto através do consumo de álcool e drogas, o bom da música é esse flerte com o rock cinquentista, que influenciou um pouco o punk, e, de cara ajuda muito no repertório; na sequência, uma outra música do Clash onde eles assumem a forte influência do jazz em Jimmy Jazz, um tema que carrega também fortes doses de ska e reggae, a letra é sobre uma denúncia da atitude dos métodos bárbaros de aplicação de lei dos policiais - como podemos notar, o álbum é cheio de engajamento social ao longo das faixas; sem perder o rumo, vamo continuar com o faixa-a-faixa da primeira parte do disco falando sobre Hateful, uma brilhante composição de Strummer onde ele distribui muito ódio nas letras com uma agressividade sonora moderada, e uma influência remota dos ritmos das composições de Bo Didley, pioneiro do rock nos anos 50; e, fechando o lado A do vinil, temos aqui outra investida deles no reggae e no ska em uma faixa bem enérgica pela levada, Rudie Can't Fail é um caso bem comum de hedonismo, em que o jovem é criticado por sua atitude incapaz de se tornar um adulto responsável numa mistura de elementos da música pop com soul e reggae em específico; o grupo inicia belas viagens no tempo nostálgicas em suas canções, como em Spanish Bombs, na qual fazem um resgate da presença da Frente Popular durante a Guerra Civil Espanhola, onde cidades de Andaluzia até Granada testemunharam batalhas sangrentas, e na canção ainda há versos em espanhol, porém, um pouco fora do nexo - acompanhado de uma bela sonoridade bem rock garantida com ritmos marcados e guitarras arrebatadoras donas de melodias impactantes ao ouvirmos; e, no bailado das canções, mantendo o básico de algumas canções como a agressividade, The Right Profile traz como personagem da história o ator Montgomery Clift, fazendo alusões sobre seu acidente de carro e seu subsequente abuso de álcool e drogas, visto como o mais longo suicídio da história de Hollywood e faleceu 10 anos após seu acidente, destaco aqui a melodia forte nas guitarras bem pesada; partindo para a próxima música, temos aqui em Lost in the Supermarket variadas críticas fortes ao consumismo, visto que na letra é tratado com uma forte dose de ironia e depressão, com uma pegada bem leve, as guitarras aqui não gritam fortemente, mas o baixo se destaca e muito ao ouvirmos; e, mantendo o clima da canção anterior, sem muito peso, mas trazendo ainda notoriedade ao baixo, temos aqui Clampdown - uma das melhores canções do álbum e que faz um papel de aguçar a repressão do capitalismo entre os trabalhadores - sinais de tempos que mantinham questões da classe operária com muita munição - no sentido poético, é óbvio; e, para fechar a primeira parte do álbum, nós temos aqui uma bela composição de Simonon, que narra sobre o bairro de Brixton, habitado por descendentes de africanos e caribenhos logo em The Guns of Brixton, com uma bela pegada que mistura punk e reggae, fazendo menção à The Harder They Come do ícone jamaicano Jimmy Cliff, uma bela influência, para ser preciso - e aqui temos a primeira parte concluída e bem analisada.
Pare um pouco, respire, vá com calma na hora de trocar o LP (a versão em CD é simples), se prepare pra mais pedrada, e o segundo disco já traz uma forte presença do ska no estilo Two Tone ao ouvirmos a pegada e logo notamos os pés na Jamaica com uma dose britânica em Wrong'em Boyo, onde traz uma incrível narrativa baseada em uma velha canção de folk americana chamada Stagger Lee, que contava sobre o assassinato de Billy Lyons em dezembro de 1895, e o Boyo da música é nada mais do que um termo irlandês para garoto, rapaz, etc. e o ska com órgão e metais dando um clima bem inglês para a canção e isso ajuda muito; sem perdermos o rumo, vamos para a canção a seguir, que se destaca aqui no disco 2: esta é Death or Glory, a base aqui não soa lentíssima, mas foca muito num ritmo muito parecido com o de músicas dos Rolling Stones, como Jumpin' Jack Flash e também Brown Sugar, e traz na narrativa poética uma visão autobiográfica de Joe Strummer olhando para sua vida, reconhecendo as complicações e responsabilidades da vida adulta - o dilema de muita gente quando converte-se em adulto de vez; uma grande prova sobre a genialidade da banda com visões anti-corporativas e críticas às grandes marcas, o Clash acerta em cheio aqui em Koka Kola, vista aqui como uma forte porrada nos nossos ouvidos, com menos de 2 minutos, esta música nos traz uma reflexão sobre as propagandas ao redor do mundo - e dá muito certo pelo jeito; partindo para a próxima música, vai entendendo o conceito desta: de todas as faixas, esta é a mais dramática do repertório, e ouvindo bem The Card Cheat, onde o personagem é um jogador de cartas à beira da morte, e, mesmo que a pessoa na sua velhice haja diversos truques na manga, isso não significa nada, pois ele já está a um passo do fim, e o principal destaque fica com o piano que ajuda a dar um toque a mais nesta; mais adiante, o Clash ainda sobra tempo para fazer algumas tiradas, no caso de Lovers Rock, que começa com um quê de suavidade e termina numa pegada meio jazz-funk com uma guitarra nervosa e uma bateria pulsante até, a canção pode oferecer instruções sobre como tratar uma menina e também faz algumas referências à pílula anticoncepcional, o que rendeu algumas críticas pesadas para o conjunto; e, vamos à faixa seguinte, que apresenta uma bela energia sonora, misturando elementos bíblicos - os quatro cavaleiros do Apocalipse - e falando deles em meio ao consumismo, uma boa explicação para entender a letra, Four Horsemen acaba nos agradando pra valer e, na metade da música, temos uma batida de cavalaria que empolga muito, juntamente do baixo e da guitarra que complementa essa atmosfera musical; em diante, para complementar, um bela canção de Jones inspirado em um ataque em 1978, espancado por uma gangue, I'm Not Down é isso - é coragem e resolução para lutar, metamorficamente e literalmente, carrega uma energia animada na parte musical, e ainda mostra uma quebradeira onde nos remete à sonoridade caribenha ao escutarmos com atenção; indo direto para a música seguinte, nós vamos sendo apresentados para um tema que ainda traga o two-tone como referência, e Revolution Rock apresenta uma característica totalmente repleta de influências do reggae, soando muito bem jamaicana, e deixa bem claro as citações sobre os rudeboys, o filme Blackboard Jungle (tradução livre: Sementes da Violência) são alguns exemplos; fechando de vez o disco, temos o que era originalmente uma hidden track (faixa escondida), e, que acabou virando faixa oficial nas edições posteriores - Train in Vain (Stand by Me) fecha de vez o disco todo, e com essa pegada um pouco mais doce, falando de um ex-casal e um desentendimento que originou o rompimento de uma relação, a faixa entrou na última hora após a capa ficar pronta, uma vez que havia sido gravado como single para a revista New Musical Express (NME) e acabou sendo um grande sucesso de vez - com uma guitarra marcante e uma harmônica (gaita) que ajuda muito com a música, fechando de vez com chave de ouro esta Bíblia do rock.
O disco foi lançado, a banda conquistou de vez o mundo com suas músicas recheadas de críticas, e entrou para a história do rock com um legado tão importante, tendo até uma notoriedade igual à época que as bandas de new wave surgidas naquele momento. Em janeiro daquele 1980, o disco chegou aos EUA pelo selo Epic, e, com isso, dando origem à uma tournée cheia de elogios, ao mesmo tempo, estavam produzindo um sucessor que fosse à altura de London Calling, e estiveram trabalhando em gravações feitas em Manchester, Londres, Kingston e New York - no lendário estúdio Electric Lady e no Power Station - nos meses de fevereiro, março e agosto de 1980 e com mais letras recheadas de tons políticos - este disco acabou semdo o triplo Sandinista! lançado em 12 de dezembro (exatos 4 dias depois da morte de John Lennon), tendo um probleminha aí: é que a banda queria que fosse vendida à preço de LP simples, uma treta que já havia acontecido em London Calling, mas aí já é uma outra história. O importante também é saber que o disco segue aí estampando diversas listas, todas as que mostram os discos mais importantes do punk, a própria lista dos 1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer e em duas listas importantes da revista Rolling Stone: a primeira, obviamente, é a dos 500 Melhores Álbuns de Todos os Tempos figurando dominante o 8° lugar, e a lista dos 100 Melhores Álbuns dos Anos 80 aparece em 1° lugar, pole position garantida pra esse discaço que fechou os 70 e abriu os 80 chamando toda Londres para ouvir o que eles tinham pra dizer, ou melhor, para cantar.
Set do disco:
1 - London Calling (Mick Jones/Joe Strummer)
2 - Brand New Cadillac (Vince Taylor)
3 - Jimmy Jazz (Mick Jones/Joe Strummer)
4 - Hateful (Mick Jones/Joe Strummer)
5 - Rudie Can't Fail (Mick Jones/Joe Strummer)
6 - Spanish Bombs (Mick Jones/Joe Strummer)
7 - The Right Profile (Mick Jones/Joe Strummer)
8 - Lost in the Supermarket (Mick Jones/Joe Strummer)
9 - Clampdown (Mick Jones/Joe Strummer)
10 - The Guns of Brixton (Paul Simonon)
11 - Wrong'em Boyo (Clive Alphonso)
12 - Death or Glory (Mick Jones/Joe Strummer)
13 - Koka Kola (Mick Jones/Joe Strummer)
14 - The Card Cheat (Mick Jones/Joe Strummer/Paul Simonon/Topper Headon)
15 - Lovers Rock (Mick Jones/Joe Strummer)
16 - Four Horsemen (Mick Jones/Joe Strummer)
17 - I'm Not Down (Mick Jones/Joe Strummer)
18 - Revolution Rock (Jackie Edwards/Danny Ray)
19 -Train in Vain (Stand by Me) (Mick Jones/Joe Strummer)

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