Um disco indispensável: Music of My Mind - Stevie Wonder (Tamla/Motown, 1972)

Em 1971, o músico Stevie Wonder parecia estar meio desentendido com seus chefes da Motown: ele fazia discos que, para a companhia de Berry Gordy, eram discos que vendiam feito água mas em Where I'm Coming From, tudo parecia estar tomando outro rumo, mas ele estava com 20 anos já, mais amadurecido como pessoa e artisticamente. O contrato com a casa já havia se encerrado, mas ele acabou retornando para um selo da Motown, a Tamla, e a partir de um determinado momento, o soulman cego norte-americano iniciaria a partir daquele momento, uma nova fase artística que acabaria gerando uma revolução não só para a sua carreira, mas como para a música negra, para o soul e para o pop e a música em geral. Enquanto isso, os EUA viviam um dos momentos mais loucos em tempos de governo Richard Nixon: uma vez que o caso Watergate foi descoberto e muitas campanhas pela renúncia do presidente norte-americano, além da prisão de vários membros dos Panteras Negras, ativistas sociais que lutavam contra a Guerra do Vietnã, muitos crimes foram ocorridos em meio ao caos depois de dois anos do fim da era florida e psicodélica e ainda muita perseguição a várias classes sociais, preconceito e conflitos aconteceram bem num dos momentos mais loucos de Guerra Fria devido aos fatores da corrida espacial e da disputa com a antiga URSS para ver quem havia mais armamento, e que anos depois teria o seu declínio.  No meio desse caos, durante o 2º semestre de 1971, Wonder decidiu dar as cartas e renovou seu contrato tendo o controle artístico total para fazer o que pudesse com sua música e com a força e a vitalidade que os sintetizadores ganhavam na música a partir de 1968 em diante e Stevie decidiu inovar o soul e o funk mostrando que estava amadurecido para fazer seus próprios discos, e iniciando de vez a década de 70 mostrando que estava preparado para abalar mais as estruturas da música e seguir agradando o seu público e o décimo quarto álbum de estúdio, intitulado Music of My Mind lançado em 3 de março de 1972 iniciou uma das fases que trouxe reconhecimento definitivo e deu uma aura a mais na carreira, marcada por grandes sucessos e discos que se tornaram obrigatoriedade para quem gosta de música black, soul, R&B e de pop em geral, é claro. Soa como uma simples espécie de Stevie Wonder antes e depois desse disco, um grande divisor de águas que marcou de vez uma era brilhante para o soul e a música negra naqueles lendários e abençoados anos 70 cheio de groove e alto-astral.
"Vocês viram o sucesso que esse disco fez? Eu não" (levem na zoeira)
O disco começa com um peso de sintetizadores e talk-box, um suingue bem pra cima nos dando guia a Love Having You Around e seus mais de sete minutos de suingue seguido de um batidão bem groove e um solo de trombone executado por Art Baron pra complementar a cereja do bolo (referindo-se à canção) que se destaca neste disco; na sequência uma balada de oito minutos ganha sua vez aqui, intitulada Superwoman (Where Were You When I Needed You), com a suavidade e a leveza de uma canção romântica dos anos 70, que destaca-se por cada verso entoado pelo mr. Stevland Hardway Morris (nome verdadeiro do nosso protagonista) e com uma parte que vai ganhando mais cores, mais tons e velocidade, com solo de guitarra de Buzz Feiten servindo como um caldo a mais, tornando-se um dos carro-chefes deste disco; já I Love Every Little Thing About You pode ser um caso raro no que se chama de uma balada comercial neste disco, mas com a pegada e toda a batida que essa canção, não tem como não resistir mesmo a cada acorde; já em Sweet Little Girl, o cego atraca com sua gaita e segue a nos brindar com solos maravilhosos além de ouvir os mais variados desejos amorosos do músico durante a canção e que encerra com apenas falas, ao estilo love songs dos anos 70 e que veio a inspirar muitas canções que contêm muitas falas no verso; os sintetizadores já nos dão uma vibração de alto-astral na introdução de Happier Than The Morning Sun nos mostram que as vozes e cada toque dos sintetizadores marcam o ritmo de uma canção que contagia total os nossos ouvidos, e que se destaca muito no disco por este motivo; já em Girl Blue, o músico se mostra totalmente em sintonia com a sua música e usando um efeito de voz que veio a pioneirizar o AutoTune entre outros jeitos de mexer na voz e com uma batida meio melódica com grooves extremamente fortes pelo que se nota na canção; enquanto na viajante Seems So Long, os acordes da música fazem a gente parecer que está fora da órbita no início com uma suavidade que acaba reinando fortemente ao longo da canção, e a voz de Stevie brilha como nunca por aqui - o que é incrivelmente demais, pra falar a verdade, e complementa mais o tempero que se forma neste disco; o alto-astral que aparece na canção Keep On Running parece que nos faz ter uma vontade de dançar, balançar os cabelos e marcar o ritmo da canção, pela forma contagiosa e Stevie é um dos tantos especialistas em conseguir agradar o mundo com canções pra cima, ainda que lembre um pouco a pegada do nosso samba até quando se ouve de novo a música; o disco só encerra a partir de Evil, uma balada que mostra que a saga de Wonder pelos sintetizadores e pelos experimentos sonoros não acaba por aqui, e nos guia a um momento de apoteose, com coro gospel, como se dissesse que ainda haveria mais coisas pela frente.
E sim, haveria mais coisas pela frente, mais experimentos sonoros, mais groove, mais balanço e mais sintetizadores no universo musical de Stevie Wonder, já que aproveitando o sucesso deste disco, sete meses depois ele já estava lançando outro clássico desta fase brilhante, Talking Book, repleta de sucessos. Brevemente que veio Innervisions (1973), Fulfillingess' First Finale (1974) e seu ápice só seria grande mesmo em Songs in the Key of Life (1976), o disco triplo que rendeu a Wonder várias indicações dentre elas ao Grammy de Álbum do Ano, que ganhara duas vezes seguidas com seus discos anteriores. O disco Music of My Mind é tão indispensável para quem quer começar no soul e no funk dos anos 70 que anos depois, em 2003 a Rolling Stone (já sabe, né?!) veio a colocar este disco na posição de número 285 da famosa lista dos 500 Maiores Álbuns de Todos os Tempos, a britânica NME, muito cultuada, também a colocou numa lista similar mas recebendo uma posição de número 288. Pois bem, quando todos esperavam que aquele garoto cego que aparecia tocando gaita e cantando jazz-soul parecia estar meio despercebido dos olhos do público, ele chega com um som totalmente diferente e mostrando que estava preparado para colocar seu som nos ouvidos e na mente da galera pra curtir e que acaba atravessando gerações até hoje.
Set do disco:
1 - Love Having You Around (Stevie Wonder/Syreeta Wright)
2 - Superwoman (Where Were You When I Needed You) (Stevie Wonder)
3 - I Love Every Little Thing About You  (Stevie Wonder)
4 - Sweet Little Girl (Stevie Wonder)
5 - Happier Than The Morning Sun (Stevie Wonder)
6 - Girl Blue (Stevie Wonder/Yvonne Wright)
7 - Seems So Long (Stevie Wonder)
8 - Keep On Running (Stevie Wonder)
9 - Evil (Stevie Wonder/Yvonne Wright)

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